domingo, 18 de maio de 2025

Angola | COMER E MATAR OS FILHOS – Artur Queiroz

Artur Queiroz, jornalista

Artur Queiroz*, Luanda >

Bertrand Russel escreveu um livro que li todos os dias durante pelo menos dois anos. Chama-se “Porque Não Sou Cristão” e tem 200 páginas. Tentei descobrir nas linhas, entrelinhas e nichos como foi possível um filósofo e matemático daquele nível, precisar de tanto espaço para explicar aquilo que eu aprendi, quando aos 12 anos o meu avô Domingos, anarco-sindicalista, me ensinou de uma forma muito simples: Meu filho não entres na igreja, os santos são de pau, não têm valor. Não acredites em Deus. As crentes, boazinhas, diabólicas ou diabinhas, vão todas para santas. Os crentes têm morte de grilo. 

Avô, os grilos como morrem? O velho olhou para mim com ar espantado e respondeu: Morrem com os cornos enterrados no chão e de cu para o ar! Ninguém me vai apanhar nessa figura. Nem vivo, nem moribundo nem morto.

Estas foram a razões que me levaram a não ser cristão. Confirmei rapidamente que as boas meninas vão para o céu e as outras vão para todo o lado. Até para os copos, a quizomba, a cama, a esteira ou a areia da praia. Uma vantagem não negligenciável. 

Mais tarde, aprendi com Ravachol que na sociedade dividida entre explorados e exploradores, não há inocentes. Os explorados são mais do que as mães, por isso são explorados porque querem. Os exploradores são uma minoria mesmo muito minorca. Exploram porque a cobardia dos explorados deixa. Na hora de agir, morra quem morrer, não há inocentes.

Hoje é um dia muito, muito triste. Faleceu o genial sonoplasta Zé Maria (Pinto de Sousa). Realizava e produzia na antena da Rádio Eclésia o programa “Luanda”, que começou em 1971 e terminou no final de 1974. Um inovador. Ele, João Canedo e Artur Neves construíram edifícios sonoros únicos. De uma qualidade estética inigualável. Fizeram da Rádio Angolana a melhor de Língua Portuguesa. Incluo o Brasil. 

Zé Maria abriu-me a porta do seu programa, quando me bateram na cara com todas as portas. Fazia uma crónica diária de vagens imaginárias, que ele sonorizava. Perdi um mestre e um amigo. Angola perdeu um dos mais notáveis radialistas de sempre.

Vovó Ana. Tio Eleazar. Os nossos antepassados que criaram e construíram o Couto d’Ervededo hoje morriam de vergonha se vissem o genocídio dos nazis de Telavive na Palestina. Nem os Reis Católicos que os expulsaram de Espanha foram tão cruéis. Nem Hitler foi tão furiosamente genocida. O amado povo de Israel perdeu a honra. Está perdendo a dignidade, a cada bomba israelita que mata na Faixa de Gaza.

O poeta Marcial andava com a lira, de terra em terra, cantando as suas trovas que vendia aos ouvintes mais sensíveis. Manuscritos em papiros. Os sábios de Constantinopla receberam aquela arte poética e decidiram laurear o poeta. 

Naquele tempo, os laureados eram imitados pelos debutantes. O problema é que os outros distinguidos viviam em torres de marfim, pertenciam à classe dominante. Tinham mecenas. Faziam parte da corte. Ele era um trovador. Homem do povo. Vivia da venda das suas trovas. Como passou a ser imitado, ninguém comprava os originais, só as imitações. E ele queixou-se amargamente aos sábios de Constantinopla, que andavam a comer-lhe os filhos. Suplicou que lhe tirassem os louros. Plagiar é comer os filhos de um criador. 

A mim andam a matar meus filhos. Dou-vos todas as minhas trovas. Todas as minhas palavras escritas. Mas não matem os meus filhos da Palestina. Num espaço de oração (já não há mesquitas nem igrejas em pé) mamãs e meus filhos foram bombardeados pelos nazis de Telavive e mataram-me 22 filhos de uma vez. Mataram-me 22 vezes. Durante 22 milénios. Ainda bem que não existem deuses. Se algum existisse era expulso do paraíso por deixar matar meus filhos na Palestina. 

Donald Trump, o chefe da internacional fascista, saiu da Casa dos Brancos e foi para o Médio Oriente fazer negócios. Enquanto negociava, os nazis de Telavive matavam à bomba mulheres e crianças na Palestina. Matam civis inocentes cortando-lhes, a água, os alimentos, medicamentos, combustíveis. 

Desde o início de Março que não entra nada na Faixa de Gaza. Os nazis ao serviço da Casa dos Brancos, da União Europeia e do Reino Unido cometem o genocídio à vista do mundo inteiro. Armas, munições e financiamento nunca faltam aos matadores. Hitler comparado com estes genocidas era um aprendiz.

As monarquias do Golfo Pérsico apoiam o genocídio. Fingiram que estavam a fazer negócios com Trump, para ninguém se opor à intensificação do genocídio na Palestina. Todos coniventes. Todos assassinos. Todos genocidas. Não há inocentes. 

A União Europeia vai no 17º pacote de sanções à Federação Russa. Eles existem! Só não se opõem ao genocídio dos nazis de Telavive na Palestina. Porque vivem do genocídio há mais de cinco séculos. 

Um dia chega a vossa vez. Não há impérios eternos nem bandoleiros impunes para sempre. Não vos dou a outra face porque não sou cristão. Quando puder vingarei os meus filhos mortos na Palestina. Como já vinguei os meus filhos angolanos, vítimas do colonialismo genocida português. 

* Jornalista

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