terça-feira, 6 de setembro de 2011

“TALVEZ FOSSE MELHOR ACABAR COM A UNIÃO AFRICANA” – Luís Neto Kiambata




JOSÉ KALLIENGUE – O PAÍS (Angola)

ENTREVISTA A LUÍS NETO KIAMBATA

O título desta entrevista surgiu como chamada de capa na edição 146 de O PAÍS, uma falha fez com que esta parte da entrevista, no entanto, não tivesse sido editada. Recuperamo-la, pela importância do que é dito pelo embaixador Luis Neto Kiambata, uma das pessoas que mais se tem destacado na reflexão sobre a vida e história do continente africano.

O rganizações regionais como a SADC, que esteve reunida há uma semana em Luanda, servem para alguma coisa?

A SADC não caiu do céu de um dia para o outro. Surgiu num contexto mais restrito. Havia a luta de libertação na África Austral e alguns líderes decidiram unir-se porque havia um inimigo comum directo.

Havia o colonialismo português e havia o Apartheid. Como esta zona de África é das mais ricas e era preciso cumprir com o estipulado pelas organizações internacionais, OUA, Não Alinhados, ONU, etc., libertarse de todas as formas de colonialismo. Aliás, na carta das OUA, escrita a 25 de Maio de 1963 já dizia isso. E nós, na África Austral apanhamos o período do apartheid, portanto, fezse a linha da frente para lutar contra a opressão colonial e contra a política do apartheid, porque a África do Sul tinha o apartheid e também colonizava a Namíbia (antigo Sudoeste Africanos) e havia a Rodésia (Zimbabwe) de Iam Smith.

Economicamente há muitos países da região que estavam dependentes da África do Sul, como a Zâmbia, o Botswana, Malawi, que não têm saída para o mar e estavam dependentes dos circuitos deixados pela colonização. A luta avançou. Com as mudanças substanciais que aconteceram em Angola e em Moçambique, com a queda do regime salazarista e do colonialismo português, novas perspectivas foram abertas e a Linha da Frente, criada para a luta político-militar, transformouse depois em SADC para abarcar componentes do foro económico, tecnológico e social para o desenvolvimento. Tem lógica porque os países precisam de se desenvolver.

No caso do MPLA isso apanha-nos já no Programa Maior.

As discussões da SADC giraram em torno de questões como a industrialização, as infra-estruturas, tecnologia e industrialização, mas, olhando para o continente, nota-se que falta um cerrar de fileiras para o desenvolvimento comum. Os países africanos parecem não estar a caminhar na mesma direcção, não se consegue eleger um desígnio e que todos busquem contra tudo e contra todos. O continente desmembrase ante qualquer problema. Vê-se a incompetência para pacificar a Somália. Na Cote DÁIvoir os franceses fizeram o que entenderam, o problema da Líbia tem os africanos a assistir na bancada, não há uma tomada de posição.

Independentemente disso temos a União Africana cujo objectivo era a unidade. Nunca houve unidade em África, tal como não há na Europa, na Ásia e nas Américas. Mas lá há um mínimo. Aqui em África temos muitos interesses e estamos vinculados a muitos interesses. Isso explica que no caso da Líbia, por exemplo, não há uma unidade de princípios.
Há até muitas traições ai no meio.

Porque estão a ver a Líbia como uma só pessoa e não como um país que tem povo e faz parte da União continental. Na África Austral, mesmo no tempo do apartheid há países e individualidades que estavam feitos com o sistema do apartheid.

Os países economicamente estavam dependentes, não queriam impor sanções. Vamos ver o caso da ZANTAN, a Linha férrea que ligava a Zâmbia, a partir de uma vila chamada Kapiri Npoxi, aí a uns 120 km de Lusaka, até Dar es Salam. Foi numa alternativa que a Zâmbia e a Tanzânia encontraram para diminuir a dependência da linha sul que saía do então Congo Kinshasa e passava por Lusaka, Zimbabwe e África do Sul, não queriam… falhou. Foram buscar os chineses, mas a distância, peças sobressalentes, boicotes, sabotagens, tudo isso inviabilizou o sucesso de um empreendimento que, certamente, custou milhões e milhões de dólares. Lá voltaram esses países a negociar com a África do Sul racista e com os portugueses pelo Caminho de Ferro de Benguela e pelo Caminho de Ferro da Beira (Moçambique).

Mas os racistas sul-africanos, os rodesianos, os portugueses, os patrões eram os mesmos, eram os ingleses. Veja que num determinado momento os ingleses tinham um milhão de cidadãos na África do Sul, a Margareth Tacher disse um dia, Estou a ser acusada de beneficiar o regime do apartheid, mas não (isso já na Angola independente), eu não.

Eu tenho lá um milhão de ingleses a trabalhar, qual é o país africano que me dá condições para essa gente? Se encontrarem eu tiro toda a gente e ponho onde quiserem, caso contrário eu perco aqui -. São interesses. E isso se diz dos americanos e de todos os europeus, os países industrializados. Tanto mais que a importância da África do Sul é tanta que está entre os países mais desenvolvidos do mundo. O único problema que as pessoas viam na África do Sul é a cor da pele. E mesmo agora, os indivíduos que estão na África do Sul não se consideram ao nível dos outros africanos, querem entrar no Conselho de Segurança da ONU, porque se consideram ao nível dos europeus. O complexo que existe ao nível das pessoas também ao nível dos estados existe. África do Sul, Nigéria, Senegal, não é à toa que eles são convidados para os grandes fóruns, para os distanciar dos outros. E eles sentem-se muito bem, refastelados. Não podem sequer acompanhar, na prática, as tristezas e as misérias dos outros africanos, consideram-se noutro nível.

Não se tratando de países directores, mas países que se julgam à parte, então a União Africana não serve para nada. Também não resolve nada.

Eu tenho a impressão, pessoalmente, depois desses cinquenta anos, que já não sendo OUA, embora os estados sejam os mesmos, mas os problemas também são os mesmos, os líderes já não, mas para mim talvez fosse melhor acabar com a União Africana e privilegiar as uniões regionais.

Porquê?

Porque talvez resolvessem primeiro os problemas. Antes da formação da OUA havia grupos e resolviam os problemas. Agora é uma série de indivíduos com uma série de interesses opostos, diferentes, e as resoluções ninguém cumpre. Não é só não cumprir as resoluções, até os pagamentos das quotas, muitos estados são caloteiros… no outro dia, quando a ministra americana (eu chamo ministra à secretária de Estado) foi pela primeira vez falar na União Africana, perante chefes de Estado, a dizer que já tem dinheiro… foram todos comprados. Sim, foram todos comprados.

O africano gosta muito de dinheiro. É, o africano gosta muito de dinheiro. O europeu também.

Se houvesse um governo de união continental, se a União Africana tivesse os seus próprios meios rejeitavam a oferta da Hilary Clinton.

O problema é dinheiro. Então o Jean Ping não tem um avião para se deslocar… o Papa também não tem avião, está bem, mas o Papa creio que não lhe dão dinheiro… O que os africanos falam em relação à Líbia ninguém ouve, ninguém liga. Como é que a OTAN vem bombardear um país membro da União Africana e ninguém dá uma força para se opor àquilo? Quando os sul-africanos vinham bombardear Angola nós tínhamos as FAPLA, as nossas forças, defendíamos, lá nem isso. Coitado do Presidente Kadafi, aguentou sozinho os bombardeamentos durante seis meses. Os indivíduos da OTAN julgavam que estavam na segunda guerra mundial onde bombardearam e fizeram o que fizeram na Europa, entre eles. Agora são os mesmos a bombardear um país africano em função de interesses estratégicos.

Destroem a Líbia, depois virão reconstruí-la e a Líbia paga

O que a OTAN faz na Líbia, depois vão lá buscar muito mais, é evidente.

- José Kaliengue, 02 setembro 2011

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