sábado, 24 de março de 2012

Neoliberalismo desenfreado abre portas a ditaduras e a golpes de estado - analista



JSD - Lusa

Cidade da Praia, 24 mar (Lusa) - O neoliberalismo desenfreado e sem escrúpulos abre as portas, sobretudo na África Ocidental, a ditaduras e consequentes golpes de estado, algo bem patente na instabilidade que se vive na Guiné-Bissau, Senegal e, agora, Mali.

A conclusão é do investigador cabo-verdiano Corsino Tolentino, responsável do Instituto da África Ocidental (IAO), que hoje, numa entrevista à Agência Lusa, criticou Abdoulaye Wade por ter, "desavergonhadamente", alterado a Constituição senegalesa para concorrer a um terceiro mandato, indicando que, sem uma clarificação em Dacar, os problemas na Guiné-Bissau vão manter-se.

Em relação ao Mali, defendeu, nada pode ser dissociado das recentes convulsões que atravessaram o norte do continente africano, com as questões ligadas ao terrorismo e à al-Qaida oriundas da Líbia e Argélia, a par de uma "revolução" tuaregue que se rebela devido à falta de políticas de integração nos países do Sahel.

"Não há uma frente comum na África Ocidental para fazer face ao problema, para assumir claramente que há ditadores na sub-região. Somos incapazes de a criar e é essa incapacidade que abre portas à intolerância e às violações da ordem institucional", sublinhou Corsino Tolentino, antigo diretor geral da Fundação Calouste Gulbenkian.

"Por isso, ainda há espaço para ditadores na sub-região face à reinante cultura neoliberalista e à ausência de princípios na política, que abre caminho a interesses oportunistas e, também, às ditaduras", sustentou o hoje responsável do IAO.

Daí que não surpreendam os recentes acontecimentos no Senegal, com a alteração constitucional que permitiu a Wade candidatar-se ao um terceiro mandato presidencial nas eleições que terão domingo a segunda volta, e que disputará contra Macky Sall, um dos seus antigos "delfins".

Corsino Tolentino, porém, defendeu à Lusa que o melhor para o Senegal, e para a sub-região, seria a vitória de Sall, pois a manutenção de Wade no poder vai manter a linha de conduta do Presidente em jogos de poder, sendo justamente esse o problema.

"Não me surpreende o que fez esse lutador (Wade) histórico da democracia no Senegal, sedento de poder. Mas nunca imaginei que, desavergonhadamente, o fizesse. A alteração constitucional foi indecente. Não tem agora moral para prometer o futuro. Deve haver limites e a indecência deve ser punida", frisou.

E é com base no Senegal que a questão na vizinha Guiné-Bissau tem também implicações, uma vez que a resolução de Casamança continua a depender de Bissau, onde as ramificações de Wade chegam através de Kumba Ialá, líder do Partido da Renovação Social (PRS), que se recusa a participar na segunda volta das presidenciais, previstas para abril.

"É enorme a complexidade de criar um Estado sem liderança, embora isso seja já previsível na Guiné-Bissau. Não sei como se vai sair deste impasse. As queixas têm de ser apresentadas e, ou Kumba ganha, e o processo volta à estaca zero, ou perde por ausência (na segunda volta)", sublinhou Tolentino.

Outra questão essencial é saber até que ponto os vencidos, depois de também derrotados na Justiça, continuarão a aceitar os resultados, o que leva a outro problema, "o recorrer legítimo à força durante o tempo que for necessário", em que as responsabilidades recairão também nas organizações internacionais e sub-regionais.

No Mali, a questão é ainda mais complexa, pois é também resultado de "danos colaterais", provocados, em grande parte, pela queda de alguns regimes em países vizinhos (Mauritânia, Líbia e Níger) e das convulsões noutros (Argélia e Burkina Faso).

"É pouco provável que se concretize um contragolpe. Já se ultrapassou o prazo ideal. Aliás, seria até bom que não acontecesse, uma vez que temo como consequência uma guerra civil generalizada e a desagregação do país", sublinhou Tolentino.

Para o responsável da IAO, o Presidente deposto "tem de ser suficientemente esperto" para reconhecer que falhou e que deve procurar alternativas, que passam pela negociação com os revoltosos e por uma política de integração do povo tuaregue.

"Não se pode pensar que a questão se vai resolver matando os tuaregues", disse.

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