Rui Peralta
Viver melhor
As coisas andam mal neste mundo em que vivemos. As dificuldades são mais que muitas, em todos os níveis da vivência humana. As épocas de crise, no entanto, são épocas de soluções criativas na História do engenho humano. É o que acontece na pequena cidade grega de Volos, uma pequena comunidade com cerca de cem mil habitantes, cujos cidadãos construíram uma Rede de Intercambio e Solidariedade, em funcionamento há dois anos.
A ideia inicial baseou-se nas múltiplas experiencias comunitárias de troca de produtos e serviços sem utilização de moeda, experiencias que vão surgindo por toda a Europa, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Israel, USA, todos zonas directamente afectadas pela crise sistémica, mas também na América do Sul (onde a Bolívia, o Equador, o Uruguai e a Argentina têm experiencias bastante avançadas e que já englobam estruturas coordenadoras de redes) e em alguns BRICS (Brasil, India e Africa do Sul, com redes já muito elaboradas e na Federação Russa com algumas experiencias isoladas. Na China não há noticias, porque a clique burguesa neo-maoista não admite experiencias comunitárias, só capitalistas. Estas experiencias comunitárias são o exemplo de que as alternativas aos modelos de desenvolvimento funcionam em todos os espaços mesmo naqueles onde o crescimento é de forte amplitude, porque as dificuldades emergem cada vez mais nos emergentes).
Na cidade de Volos a ideia foi aperfeiçoada com a introdução de um mecanismo padrão de troca: a Unidade Alternativa Local (TEM, em grego). Funciona assim: Quando alguém adere á Rede é criado um número de conta e são concedidos 300 TEM, sendo 1 TEM o equivalente a 1 euro, referencia para estabelecer o valor na altura da aquisição. Fica assim facilitada a compra ou venda de produtos ou serviços. Grande parte das trocas são realizadas num pequeno mercado da cidade onde está excluído o uso de dinheiro. A oferta é ampla e inclui fruta, legumes, roupa, livros, artesanato, eletrodomésticos, novas tecnologias e materiais de construção. Para além disso o site WEB da Associação oferece uma listagem de serviços e profissionais diversos (médicos, professores, canalizadores, electricistas, pintores, veterinários, etc.) para além de estabelecimentos comerciais da cidade, que se tenham integrado na Rede (e que conta já com um bom numero de lojas diversas, como padarias, talhos, oficinas auto, mercearias e outras) onde tudo é pago em TEM. Mais de mil aderentes compões este sistema económico alternativo e o seu número não pára de crescer.
A utilização da Internet permite todo este intercâmbio e o controlo do débito de cada usuário. Os fundadores do projecto criaram um software livre, desenhado á medida das necessidades da Rede, funcionando com programas de código aberto. O avançado funcionamento deste sistema já valeu o reconhecimento do Banco de Inglaterra e comentários de diversos Bancos Centrais de países da UE, pela segurança e velocidade de processamento com que as transferências de dados e as operações são realizadas (estou tentado a chamar os responsáveis informáticos desta rede a virem a Angola, para analisar os porquês das falhas constantes das falhas de sistema dos bancos. É irritante ouvir os funcionários – que ainda por cima põem a cara mais imbecil que é possível a um ser humano fazer – constantemente a dizer que não há sistema). Os movimentos entre vendedores e compradores são instantaneamente anotados, sem comissões, numa filosofia real de on-line, real time, permitindo um débito a descoberto de 1200 TEM na conta de um usuário.
Como o TEM é uma unidade virtual, sem existência física, os pagamentos realizam-se de 3 diferentes formas: por talão dotado de uma marca de segurança (idêntico aos cheques bancários), por transferência via Internet ou por um simples SMS, o sistema mais simples, enviando uma mensagem com os números de código do comprador e do vendedor e a importância, devolvendo o sistema, de imediato, as confirmações da transferência e mostrando o saldo após operação. Fácil e barato.
A Rede baseia-se nos princípios da “igualdade, paridade, transparência, solidariedade e participação”, princípios que estão estabelecidos no WEB Site. Todos os membros decidem igualmente em assembleias periódicas as questões relativas ao funcionamento da Rede. As decisões são colectivas, sendo conformadas ao carácter social da iniciativa. Neste momento a rede projecta a criação de um Centro de Cuidados de Saúde, nas instalações (cedidas para o efeito) da Universidade de Tessália. O Centro contará com consultas médicas, cuidados de enfermagem, apoio às grávidas, cuidados de terceira-idade, serviços de pediatria, naturopatia, massagens e outros.
Outro dos projectos é um Café-pastelaria, onde trabalharão desempregados, para além da restauração e reabilitação de edifícios, que conta com o apoio de técnicos e artistas locais. Todos os integrantes dos grupos de trabalho cobram por igual: 6 TEM por hora de trabalho. Os grupos são abertos e neles participam tantos quanto forem necessários num determinado momento de cada projecto.
Este é sem dúvida um exemplo de autonomia cidadã, de autogestão e crescimento auto – sustentável e a prova de capacidade de que, afinal, as alternativas existem e são viáveis. Depois deste bom exemplo vou continuar a história do meu amigo Chris Two, que vai dar os seus primeiros passos no Paraíso. Vamos lá, então:
Entraram na região Ocidental do Paraíso, constituída por grandes cidades, densamente povoadas, ordenadas em círculos concêntricos. As ruas eram movimentadas, não aquele movimento frenético que caracteriza as grandes cidades, mas cadenciadas. As almas bem-aventuradas passeavam calmamente, sem correr, tranquilas. Chris cruzou-se com a alma de uma vizinha, que tinha falecido recentemente. Era viúva de um velho amigo e Chris ao cumprimentá-la perguntou pelo marido. A alma olhou para Chris de forma estranha, embora bem-educada. Reconheceu-o mas parecia não se lembrar do marido e respondeu que não era casada, continuando, imperturbável o seu caminho. O Anjo explicou: “Aqui, neste Paraíso, as almas não se relacionam com quem foram casadas, em vida.” Mais á frente encontraram uma outra conhecida de Chris, Annie Hopkins. Cumprimentaram-se, abraçaram-se efusivamente, pois Annie, amiga dos tempos de escola, morrera havia alguns anos. Falaram durante bastante tempo, recordando velhos amigos e histórias de infância. A certa altura Chris perguntou-lhe como ela se sentia no Paraíso. Annie confirmou-lhe que se sentia bem e contou-lhe a sua história. Em vida não acreditava no Paraíso nem no Inferno e quando perguntavam para onde queria ir quando morresse, a resposta era invariável: “Tal como todos os outros, eu não quero morrer. Mas a morte é a coisa mais certa da vida. Quando morrer irei, com toda a certeza, para o mesmo sitio que vão todos os outros.” Um dia, ao atravessar uma rua, foi atropelada e morreu. A sua alma despertou no Purgatório, onde foi queimada no fogo purificador e depois de expiados os seus pecados, enviada para o Paraíso. Ao entrar no Paraíso perguntou a um anjo, porque a tinham mandado para o Purgatório se durante a sua vida ela foi moralmente exemplar. O anjo respondeu: “Em vida querias ir para onde todos fossem…a tua vontade foi respeitada!”
Depois deste encontro, Chris e o Anjo, visitaram uma ilha verdejante, fresca, banhada por águas tranquilas, serenas, conhecida pela Ilha do Castigo e habitada pelas almas que infringiram as regras do Paraíso. É uma ilha pequena e pouco povoada. Voaram para outro local e passaram por uns pastos verdejantes, onde pastavam cavalos alados, brancos, ovelhas, cordeiros, vacas, mas todos brancos. No Paraíso os animais eram todos brancos, fossem eles cães, gatos, ou búfalos, rinocerontes, leões, zebras e elefantes. Chegaram a uma outra cidade, habitada por almas masculinas, solitárias, que durante as noites divertiam-se com prostitutas doces e belas. Chris e o Anjo passaram aí uma noite, num dos inúmeros bares, onde os sumos naturais e o leite são as únicas bebidas que acompanham os espetáculos de dança erótica.
No próximo Ampla Cidade a história de Chris Two e da sua amiga alada de pele castanha continua, tal como espero que continue e se reproduza o exemplo da pequena cidade grega de Volos.
Estamos juntos.
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