sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Angola: UM SÓ POVO, UMA SÓ NAÇÃO – II

 

Martinho Júnior, Luanda
 
4 – O mérito de René Pélissier vai além dum simples historiador: ele analisou e concluiu como poucos o que era e como se manifestava o colonialismo, o que eram e como se manifestavam as resistências que só pararam praticamente em subjugação ou mesmo extermínio, na segunda década do século XX.
 
Por isso quando ele se debruçou sobre o início da luta de libertação pela independência e soberania em Angola, ele estava capacitado a avaliar e definir o que era etno-nacionalismo e o que o diferenciava dum movimento de libertação moderno, unificador e ajustado à construção da identidade nacional em Angola.
 
Estava capacitado também a avaliar o que se interligava e impulsionava as motivações e o esforço de uns e de outros!
 
René Pélissier contribuiu intelectualmente para se fazer a leitura que António Agostinho Neto na prática, com avanços e recuos, com êxitos e com erros, por vezes com experiências amargas, com toda a responsabilidade histórica e com toda a solidariedade da consciência revolucionária e rebelde, realizou no âmbito do MPLA, como seus pares no seio da FRELIMO, do PAIGC, da Revolução Cubana, da SWAPO, da ZANU-PF, do ANC…
 
As nações que compunham a antiga rota dos escravos levantavam-se pouco a pouco, uma a uma, unidas pela ideologia da revolução dos oprimidos em prol da sua muito legítima libertação.
 
5 – Quantos escolhos não houve no caminho, quantos obstáculos não se tiveram de enfrentar, quantos sacrifícios, quantas incompreensões e traições, quanto sangue, suor e lágrimas, quantos reveses?
 
Mas a energia estava gerada, o processo estava desencadeado e eram os oprimidos que com suas próprias pernas, com o seu próprio corpo, estavam dispostos a caminhar.
 
A luta continuou para que cada vitória se tornasse certa, não para um punhado recorde-se e sublinhe-se, mas para todo o povo angolano, para todos os povos que um dia no mundo foram, ou são tão persistentemente oprimidos.
 
Esse foi o repto, a clarividência e o legado de António Agostinho Neto em Angola, para se superarem as fraquezas e as vulnerabilidades de séculos, reptos que agora, depois do calar das armas, se colocam na luta contra o subdesenvolvimento, com mais ou com menos intensidade, com mais ou menos expressão, com outros riscos próprios da globalização fabricada pelo império no seguimento da segunda grande revolução tecnológica, com a lógica do capitalismo tão avassaladora que levou ao colapso de muitos daqueles que se propunham ao socialismo real.
 
De António Agostinho Neto sabemos a partir do seu legado, de sua integridade, que foi com essa energia, foi com essa ideia sábia, experimentada e profética de trazer benefício para todo o povo angolano e para todos os povos oprimidos por via dos resgates históricos que há que realizar, que se tem dado corpo ao sentido da vida, à paz e à democracia, que ora também fluem na construção da identidade nacional.
 
A lógica capitalista não é garante que se vai poder aproximar desse ideal, por razões inerentes à própria história que fomentou com opressão, século após século!
 
A liberdade e o aprofundamento das democracias para além da representatividade, não discorre da natureza e do carácter da lógica capitalista e António Agostinho Neto sabia-o e assumidamente sempre o disse com coragem e sentido de oportunidade, sem evasivas e por amor e respeito para com os oprimidos (“A África parece um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”)!
 
Foi com os ideais da identidade nacional, perseguindo uma via de construção de pátria e socialismo, que o colonialismo, o “apartheid” e muitas das suas sequelas foram vencidas e estamos perante novos desafios!
 
Essa é talvez a lição mais profética e a mais esquecida de António Agostinho Neto, quando devia ser hoje precisamente a mais lembrada: pátria e socialismo!
 
A poesia só existe em António Agostinho Neto por causa do carácter dessa luta e por isso essa poesia é tão visionária, mesmo que detalhe e se refira a espaços a episódios do passado.
 
6 – Segundo António Agostinho Neto, por isso “o MPLA é o povo e o povo é o MPLA”!
 
Essa coerência é espelhada na poesia que nessa base é uma filosofia e uma epopeia irrevogável e substantiva!
 
Detalho aqui o “Adeus à hora da largada” (http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&view=article&id=610:partida-para-o-contrato&catid=45:sagrada-esperanca&Itemid=233): quanto amor, quanta sensibilidade e quanta determinação há no caminhante que deu início ao caminho, o caminho que todos angolanos, africanos, latino americanos e asiáticos, os Não Alinhados da Terra, temos ainda de palmilhar entre tantos riscos, desafios e escolhos!
 
Minha mãe
(todas as mãe negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis
 
Mas a vida
matou em mim essa mística esperança
 
Eu já não espero
sou aquele por quem se espera
 
Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida
 
Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areias ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz eléctrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos
 
Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura
 
Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
vão em busca de vida.
 
Foto de Martinho Júnior: “MPLA 55 anos por Angola e pelos angolanos” – Iº Colóquio Internacional sobre a História do MPLA – intervenção de Jorge Risquet Valdez, o comandante da 2ª coluna do Che em África – 7 de Dezembro de 2011. Jorge Risquet Valdez foi o 1º cubano que conheceu pessoalmente António Agostinho Neto, em 1953 e durante um Festival Mundial da Juventude (http://www.outroladodanoticia.com.br/component/content/article/2-noticias/1834-jorge-risquet-primeiro-cubano-que-conheceu-agostinho-neto-.html).
 
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1 comentário:

Anónimo disse...

No dia 21 do corrente mês oucorreu a gala em homenagem ao Sayovo, nesta Gala foi visivil a tristeza de José Sayovo porque teve de ir na gala de boleia por falta de transporte, o carro que lhe foi oferecido encontra-se aváriado porque foi avejado pelos marginais.
É de lamentar poque até a data presente ninguêm fez nada para resolver a situação do campeão que tem erguido sempre a bandeira do país ao mundo a forá... Pesso como um fãm de José Savovo que ajudem o nosso campeão publicando esta notícia.

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