Odilon Guedes - de
São Paulo – Correio do Brasil
Segundo os últimos
dados do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) veiculados pela
imprensa, a América Latina é a região mais desigual do planeta e o Brasil está
em quarto lugar de desigualdade da região. Só a Guatemala, Honduras e Colômbia
estão numa situação pior que a nossa. Isto deveria causar uma imensa vergonha
em todos nós, brasileiros.
Além de termos essa
imensa desigualdade, temos outro problema gravíssimo e pouco conhecido – a
vergonhosa carga tributária que também é, das mais injustas do planeta. A
questão “de onde vêm os tributos e para as mãos de quem eles vão parar” –
assume enorme importância.
Dados do IPEA de
2008 são ilustrativos a esse respeito e, como até hoje, não houve nenhuma
mudança substantiva na estrutura tributária brasileira, a situação continua a
mesma. Neste estudo, as pessoas cuja renda familiar alcançava até dois salários
mínimos comprometiam 53,9% de seus ganhos com o pagamento de tributos. Já as
famílias cuja renda era superior a 30 salários mínimos, comprometiam cerca de
29,0%. Outro dado de destaque indica que um trabalhador que ganhava até dois
salários mínimos precisava trabalhar 197 dias para pagar os tributos, enquanto
outro, que ganhava mais de 30 salários mínimos, trabalhava 106 dias.
Essa situação ocorre
porque cerca de 50% da carga tributária é indireta, isto é, incide sobre o
consumo atingindo a todos: pobres, remediados, classe média, ricos e
milionários da mesma forma. Um cidadão que ganha mil reais por mês, ao colocar
cem reais de gasolina no seu carro está pagando 53% de tributos isto é R$
53,00. Outro cidadão, que ganha cinquenta mil reais por mês ao colocar cem
reais de gasolina, vai pagar os mesmos R$ 53,00 de tributos. Essa mesma
distorção acontece no pagamento da conta de luz, na compra do arroz, feijão,
etc. É uma injustiça humilhante para os trabalhadores das camadas mais pobres
da nossa população.
Neste quadro, é
importante fazer algumas comparações internacionais. Segundo dados da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a nossa carga
tributária sobre consumo é cerca de 200% maior que a dos Estados Unidos e 50%
maior que a dos países da OCDE. Por outro lado, sobre a propriedade, a média da
carga tributária da OCDE é o dobro da nossa e a dos Estados Unidos supera em três
vezes a brasileira. Portanto, nos países capitalistas desenvolvidos há mais
justiça tributária do que no Brasil.
Um exemplo
ilustrativo dessa disparidade pode-se observar na Inglaterra, onde o imposto
sobre a herança é cobrado há mais de 300 anos. Quando morreu a princesa Diana,
em 1997, os jornais noticiaram que o fisco inglês cobrou sobre sua herança o
imposto de US$ 15 milhões, metade dos US$ 30 milhões deixados para seus filhos.
Nesse país, a taxação é apoiada até mesmo pelos conservadores. Segundo matéria
da revista Veja, publicada em setembro de 2007, o primeiro-ministro inglês
Winston Churchil, que conduziu a Inglaterra na luta contra os nazistas,
costumava dizer que o imposto sobre a herança era infalível para evitar a
proliferação de “ricos indolentes”.
No Brasil, esse
imposto é definido pelo artigo 155 da Constituição Federal, no qual consta que
a responsabilidade pelo estabelecimento dos percentuais cobrados é dos estados.
No Estado de São Paulo, por exemplo, a alíquota é de 4%.
Podemos buscar
também outros exemplos para observarmos distorções na tributação brasileira. O
Imposto Territorial Rural (ITR) arrecadado em todo o território nacional
durante todo o ano de 2010 foi de R$ 524 milhões, segundo dados do Ministério
da Fazenda. Esse valor foi menor do que dois meses de arrecadação do IPTU da
cidade de São Paulo no ano de 2010 que, em média foi de R$ 333 milhões por mês,
segundo dados da prefeitura paulistana. Essa disparidade entre as arrecadações
significa um escândalo porque o agronegócio e os latifundiários, na prática,
não pagam tributos sobre a propriedade.
Por outro lado,
analisando as despesas do governo veremos que acontece justamente o contrário
e, isso fica evidente na comparação dos pagamentos destinados ao programa Bolsa
Família e os destinados aos juros da dívida interna.
Em 2011, com o
programa Bolsa Família para atender a 13.330.714 famílias, o governo gastou
0,4% do PIB e no pagamento de juros gastou 5,72%. Naquele ano o PIB brasileiro
foi cerca de R$ 4,4 trilhões, portanto para atender mais de 13 milhões de
famílias, o governo despendeu R$ 17,6 bilhões.
Em relação ao
pagamento de juros, vamos lançar mão do estudo “Os Ricos no Brasil” do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Esse estudo informa que há
cerca de 20 mil clãs familiares (grupos composto por 50 membros de uma mesma
família) que se apropriam de 70% dos juros que o governo paga aos detentores de
títulos da dívida pública.
Como em 2011, o
pagamento de juros foi R$ 236,0 bilhões, isso significou que 70% desse valor –
R$ 165,2 bilhões – foram parar na mão desses 20 mil clãs familiares.
A conclusão mostra
dados inacreditáveis! Em 2011, cada família do programa Bolsa Família recebeu
cerca de R$ 1.320 e cada família pertencente a esse grupo “de 20 mil clãs”
recebeu de juros R$ 8.260.000 em média. A diferença é mais de 6 mil vezes.
A conclusão é óbvia
– a população pobre paga proporcionalmente muito mais impostos que a dos
milionários. O governo arrecada esses recursos e, em vez de os destinar para a
construção de creches, escolas, hospitais, pagamento de professores, saneamento
básico, destina-os diretamente para as mãos de uma minoria de aplicadores do
mercado financeiro que compram iates, helicópteros, fazendas e mansões. É
inacreditável!
O que nos preocupa
nesse contexto é que, a maioria dos setores preocupados com as injustiças de
nossa sociedade ignora solenemente essa situação. Neste quadro é necessário
promover um amplo debate envolvendo esses temas para que possamos caminhar em
direção a justiça social em nosso país.
* Odilon Guedes é
economista, Mestre em Economia pela PUC/SP, professor universitário e membro do
Conselho Regional de Economia/SP. Foi presidente do Sindicato dos Economistas
no Estado de São Paulo, Vereador e Sub-Prefeito na cidade de São Paulo.
Sem comentários:
Enviar um comentário