quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Portugal: “ Eu gostava de ver um certo número de juízes e procuradores na prisão” - PBT

 


Nuno Ramos de Almeida – i online
 
O economista não acredita que o euro sobreviva e, por isso, está a acumular dinheiro e comida em casa para um mês de confusão que se seguirá à mudança de moeda
 
Pedro Braz Teixeira é um economista difícil de catalogar. Inegavelmente de direita, foi adjunto da então ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, e tem uma forma de observar a economia desarmante. Defende, por exemplo, que o BCE, em vez de estar a apoiar os bancos, devia emprestar dinheiro aos Estados para comprarem toda a sua dívida pública a juros de 1%. É muito pessimista em relação à nossa actual situação. Difícil é arranjar alguém optimista fora do governo, mas os diagnósticos que faz e as soluções que aponta são difíceis de catalogar. Lançou há pouco tempo um livro sério, provocante e inteligente sobre o fim da moeda única: “O Fim do Euro em Portugal”.
 
No seu livro prevê a saída de Portugal do euro em 2012. Estamos a poucos meses do fim do ano. Acha que a previsão se vai verificar?
 
Ainda não saímos, mas as coisas estão bastante encaminhadas. A Grécia está a semanas de sair e, quando ela sair, vai ser uma espécie de caixa de Pandora. Desencadear-se-ão efeitos imediatos. Um deles, que eu não percebo porque não é mais divulgado, é a falência da generalidade dos bancos centrais da União Europeia...
 
Mas vão mesmo falir?
 
Vão falir, pelo menos no sentido técnico. Porque as perdas associadas à saída da Grécia são maiores que os capitais desses bancos, que não excedem os 80 mil milhões de euros. Não é que isso não possa ser resolvido, dado que os governos podem sempre aumentar os capitais dos bancos centrais. No limite, não há um problema económico devido a esses capitais, que representam menos de 1% do PIB da zona do euro. Não é o montante em si que importa. A derrocada tem um aspecto essencialmente simbólico: a falência dos bancos centrais vai ter repercussões muito negativas em toda a zona do euro e fora dela. Os alemães, em particular, vão ficar perturbadíssimos por perceber que só por causa da saída da Grécia, que representa menos de 2% do PIB europeu, pode ser arrastada para a falência uma instituição como o Bundesbank. Isso será um choque espantoso para a opinião pública alemã...
 
Mas eles não têm parte da responsabilidade no assunto pela forma errática como a chanceler Merkel actuou durante a crise?
 
O problema da Grécia é que é um poço sem fundo. Vão precisar de ajuda até 2020, 2030, 2050, e assim sucessivamente. Não há fim de crise à vista na Grécia. E ela não é o final da história: à crise grega soma-se a portuguesa, a irlandesa, a espanhola, a italiana e muitas mais. Há um ditado alemão, que é importante recordar neste momento de crise, que diz assim: “É preferível um fim com horror que um horror sem fim.” E, neste momento, o euro parece um horror sem fim, porque não há limite, em termos de espaço e de tempo, até onde podem aumentar os problemas.
 
Mas não acha que se tivesse havido, de início, uma posição firme da União Europeia na defesa do euro, a especulação e a subida desenfreada dos juros, que colocaram em risco a moeda única e a economia de muitos países, teriam sido evitadas?
 
Isso remete-nos para os problemas estruturais do euro e aquilo que em Maastricht não se quis assumir. Quando os problemas eram um cenário hipotético no futuro, houve uma recusa total e completa, sobretudo dos alemães, de passar para a união orçamental. Em termos estruturais, seria aquilo que seria necessário para uma sobrevivência estrutural da moeda única. E, agora que a factura está à porta, não há condições nenhumas para resolver esses problemas.
 
No entanto, tem um capítulo sobre algumas medidas que podiam salvar, pelo menos conjunturalmente, a moeda única. Uma delas é a ideia de que o BCE deveria estar a emprestar dinheiro a 1% aos Estados para comprarem a totalidade da sua dívida pública, que seria mais proveitoso que o que está a fazer agora, querendo garantir a liquidez na banca, num cenário de crise em que essa banca não garante a liquidez na economia...
 
É verdade que sim. Uma coisa é falar de quais as medidas que podiam ter impacto no curto prazo para evitar a escalada de problemas, outra coisa são as medidas necessárias para a sobrevivência a longo prazo da moeda única. Por exemplo, nós não conseguimos resolver como é que se lida com os problemas de competitividade dentro da zona euro. Que é um dos problemas que a Grécia e Portugal têm.
 
Mas a solução parece-me clara no seu livro. A única forma de manter uma zona monetária unificada com países com níveis de desenvolvimento e produtividades diferentes é existir um orçamento comunitário...
 
Mas isso é a questão que foi recusada em Maastricht e hoje, por maioria de razões, é impossível. Uma coisa é haver soluções técnicas para os problemas, outra é haver condições políticas para elas serem aplicadas.
 
Mas não acha que, frente a uma catástrofe que envolva também a Alemanha, pode ser necessário que sejam forçadas essas condições políticas?
 
Acho que se pode sempre arranjar uns paliativos e pode demorar um bocadinho mais de tempo, mas eu não acredito na sobrevivência a prazo do euro. Para mim, o clique para perceber que o euro não tem condições de sobrevivência, a longo prazo, foi ter-me apercebido de que, quando nós tínhamos moeda própria, a variável que sinaliza os problemas era a taxa de câmbio e, quando ela começava a apitar, isso ajudava a resolver os problemas. Na zona euro, a variável que apita é a taxa de juro a longo prazo e, quando ela começa a apitar, agrava também todos os problemas. Esta característica dá uma instabilidade intrínseca ao euro.
 
Mas se houvesse vontade política de mutualizar a dívida, imprimindo moeda ou criando eurobonds, isso não seria tecnicamente resolvido?
 
Tecnicamente, sim, mas não estou a ver condições políticas para que isso aconteça. O euro parece minado pelos dois lados: pela saída da Grécia e, por outro lado, pela possível saída de países como a Finlândia e a Holanda. Os finlandeses andam a dizer que não pensam sair do euro, mas isto cheira a denegação a léguas. Eles só não querem ser os primeiros a sair. Em Portugal, quando um treinador declara que não está de saída, é o sinal de que está por um fio (risos).
 
Mas estas saídas não são também complicadas porque o euro não prevê mecanismos de saída?
 
O euro não previa muitas coisas que aconteceram entretanto. Um dos problemas é o facto de a integração europeia ser feita de uma forma forçada. Se ela tivesse sido totalmente voluntária, não se teriam gerado tantas tensões na União Europeia.
 
Com este cenário negro traçado, recomendou aos seus leitores que guardassem em casa um mês de comida e de dinheiro. Cumpre a sua recomendação?
 
Eu também recomendo que façam isso paulatinamente (risos). Eu ainda não acumulei para um mês. Mas estou a caminho. A saída da Grécia será o indicador que vai acordar muita gente...
 
Mas não será tudo demasiado rápido a partir desse acontecimento?
 
Sim, mas presumo que haja umas semanas entre a Grécia e os desastres subsequentes.
 
Nós estamos numa crise europeia, mas entrámos com os nossos problemas, alguns deles existentes há décadas. Quais são as nossas maiores dificuldades?
 
O problema demográfico, que existe há décadas em Portugal e que tem sido completamente ignorado. Na generalidade dos outros países que tinham o mesmo problema foram tomadas medidas e já se notam alguns progressos. Em Portugal, não foi tomada nenhuma medida. A globalização é um processo que se desenrola há dezenas de anos e que também foi subestimado: ignorámos completamente os desafios da globalização quando estávamos na pior posição possível para lidar com ela.
 
Mas podíamos não ter ignorado? Os países do centro da Europa fazem produtos de qualidade e com muita tecnologia, mas nós, como podemos competir com os países emergentes com os mesmos produtos?
 
Era possível. Veja o caso da Autoeuropa, que foi uma das primeiras e últimas respostas inteligentes à globalização. Foi projectada em 1991 e começou a produzir em 1995. Foi o último investimento estrangeiro de vulto que nós conseguimos angariar. Imagine que, em vez de espatifar dinheiro em Scut, estádios de futebol e auto-estradas, tivéssemos tentado arranjar mais Autoeuropas para Portugal?
 
Na análise que faz sobre esta nossa incapacidade de aguentarmos a globalização, traça um período temporal até 1995 e depois elege dois culpados, que seriam o então primeiro-ministro António Guterres e o governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio. Não acha que é gente a menos para a culpa? Cavaco Silva foi o primeiro a fazer uma PPP, com a Lusoponte. Não acha que há uma culpa repartida?
 
Não há uma culpa igualmente repartida. O período pré-adesão do euro era um período absolutamente crítico para ficarmos bem na moeda única. E nesse período, que foi um tempo de vacas gordas, dos últimos em que tivemos dinheiro para fazer muita coisa, estes governos foram particularmente maus. Nos últimos dez anos, foram governos de crise. No período de António Guterres houve uma gestão macroeconómica ruinosa que não só não nos preparou para o euro como foram criados muitos problemas, que destruíram a nossa competitividade e contas públicas, que nós agora andamos a tentar resolver com dificuldade. No caso de Vítor Constâncio, ele não percebeu o nosso problema de défice externo, negando a sua importância com a moeda única, e foi muito pouco crítico e actuante com os governos de José Sócrates.
 
Mas o período de Cavaco Silva também não foi de vacas gordas?
 
Sim, mas com alguns resultados. Conseguiu-se uma primeira resposta à globalização e em 1995 não tínhamos nem défice externo, nem dívida externa, nem uma dívida pública comparável.
 
Nesse processo de integração europeia, não aceitámos um conjunto de fundos em troca de destruirmos o nosso aparelho produtivo sem sermos capazes de defender a nossa economia?
 
Nós fomos mais papistas que o Papa, porque Espanha não fez isso. Quando se diz que a Europa nos obrigou a destruir o aparelho produtivo, isso não é inteiramente verdade. Na agricultura, atravessamos a fronteira e vemos o florescimento da agricultura espanhola. Andámos a fazer coisas que não eram estritamente necessárias.
 
Ao longo do livro, diz repetidamente que Espanha se preparou melhor do que nós para o euro e para a globalização mas, observando hoje a sua situação, parece que, apesar de terem feito melhor, estão na mesma...
 
Nós tivemos uma coisa única na União Europeia: é que começamos a divergir da média europeia. Espanha nunca fez isso. E isto é uma coisa gravíssima e com repercussões profundíssimas. Se nós não conseguimos crescer, não podemos sustentar o Estado social que temos. Depois, é verdade que vão pedir um resgate – apesar de tudo, em condições menos más do que as nossas. Em relação à bolha imobiliária, também a tivemos, mas foi visível mais na quantidade do que nos preços, porque a economia está estagnada há dez anos. Nós não tivemos uma bolha imobiliária semelhante à espanhola pelas piores razões. Em relação ao desemprego, há uma diferença estrutural: eles têm, normalmente, taxas de desemprego mais elevadas do que nós pelo tipo de economia que têm, mas isto é uma questão anterior ao euro.
 
Defende que uma das coisas que devíamos mudar era flexibilizar ainda mais o mercado laboral. Mas não acha que os salários portugueses já são dos mais baixos da Europa e que isso faz parte do problema da mão-de-obra barata e pouco qualificada, e não da solução?
 
Nós temos o problema da competitividade externa, que nos levou a acumular uma dívida externa gigantesca, porque temos salários que não são compatíveis com a nossa produtividade. O problema não é os salários portugueses serem altos, é a produtividade portuguesa ser baixíssima e estar a crescer de uma forma baixíssima.
 
Mas, como sabe, a produtividade não está associada sobretudo ao custo da mão-de-obra, mas à organização do trabalho e muitos outros factores...
 
É verdade. Temos também uma característica preocupante, que são níveis elevadíssimos de investimento que não se traduzem num aumento da produtividade. Temos muito mau investimento. Mas qualquer que seja a responsabilidade da produtividade, nós não temos economia para pagar os salários que temos. Estou convencido de que, quando sairmos do euro, vamos ter um ajustamento salarial como quando o FMI entrou em Portugal em 1978. Apostar na inovação é um processo muito lento, vamos ter mesmo de baixar os salários. É das únicas medidas que nos restam.
 
Como vê Portugal daqui a dez anos?
 
Tenho dificuldade em ver a tão longo prazo. Estou certo de que o fim do euro em Portugal vai provocar alterações profundas em termos económicos e sociais. Tenho a expectativa, mas neste caso é apenas esperança, de que isso nos obrigue a mudar de vida e a alterar muitas coisas. Por exemplo, na justiça. O que se passa na justiça é que devia ser declarado o estado de calamidade pública e ser feita uma purga. Eu gostava de ver um certo número de juízes e procuradores na prisão, chegámos a um nível em que precisamos de ter gente presa. Enquanto não formos capazes de fazer isto, não são possíveis reformas profundas em Portugal.
 
Acha que a situação da justiça em Portugal se deve a alguns procuradores e juízes?
 
Acho que sim. Porque são activamente corruptos ou passivamente corruptos. Quando a justiça não funciona, a corrupção torna-se endémica e impune. Todo o investimento público disparatado que tivemos foi permitido por uma justiça que não funciona. Muito do buraco em que estamos deve-se a uma justiça que não funciona.
 
Não acha que temos um problema de promiscuidade entre o poder político e económico?
 
Claramente. Mas isso, de novo, tem que ver também com o estado da justiça. Infelizmente, há uma classe empresarial que vive à custa do Estado, é uma história demasiado antiga. Já no tempo do marquês de Pombal isso era visível. Mas com uma justiça que não funciona, isso é muito agravado.
 
Mas há legisladores que fazem legislação para acarinhar esses interesses privados e não acham que esse problema está antes da aplicação da justiça. Como é que se pode evitar que um governante negoceie um contrato com os privados e dois anos depois esteja nessa empresa?
 
O pior não é estar à frente ou atrás. Se alguém negoceia um contrato leonino que prejudica o Estado e os contribuintes, esse contrato tem de ser investigado como potencial acto de corrupção, mas nunca é investigado neste país. Por isso é que a questão da justiça é determinante.
 
As medidas anunciadas pelo BCE, de compra ilimitada de obrigações de dívida até três anos de países abrangidos pela ajuda da troika, podem contrariar a sua tese do fim do euro já em 2012?
 
Não creio. Em primeiro lugar, porque não resolvem nenhum problema estrutural do euro; em segundo lugar, porque vão demorar a ser aplicadas, estão dependentes do pedido de ajuda dos países, e temos visto a relutância de Espanha em fazê-lo; em terceiro lugar, porque estas medidas enfrentam a oposição do Bundesbank e do Tribunal Constitucional alemão, pelo que podem nunca chegar a ser aplicadas.
 
O governo português cometeu um erro na apresentação das suas propostas de baixar para os empresários a TSU e de a fazer pagar pelos trabalhadores?
 
Mais do que um erro na apresentação, houve um erro na negociação. Parece que houve uma negociação deficiente com o parceiro de coligação, o CDS, e não houve negociação com o PS nem com os parceiros sociais. O governo desbaratou um dos maiores activos que o país tinha: um consenso generalizado.
 
Depois das manifestações de Setembro contra o governo, há condições para o governo continuar como está?
 
O problema maior não está nas manifestações, mas na fractura exposta da coligação. É provável que o governo se aguente até à aprovação do orçamento, mas a partir daí qualquer conflito entre o PSD e o CDS pode fazer cair o governo. A saída do euro pode ser um desses detonadores do fim do governo.
 
O plano da troika é matematicamente possível de ser cumprido?
 
O plano da troika não é tão fechado como se imagina. Aliás, o governo cortou menos na despesa do que o acordado inicialmente e esperou demasiado dos aumentos de impostos. Se o governo tivesse respeitado os cortes na despesa iniciais, era possível que estivéssemos a cumprir as metas orçamentais acordadas.
 

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