Mário Soares – Diáriode Notícias, opinião
1 A VITÓRIA DE
OBAMA: Vale a pena, passados alguns dias, escrever ainda sobre a vitória
eleitoral do Presidente Barack Obama. Não foi uma vitória qualquer. Foi uma
vitória histórica, à qual as sondagens davam, quase até ao fim, um empate
técnico entre os dois rivais e a Direita, americana e europeia, sonhava - e
escrevia - sobre a possível derrota do Presidente.
Enganou-se.
Curiosamente, Barack Obama ganhou, obviamente, com o apoio dos democratas -
Clinton, entre outros, ajudou-o e muito - mas, por ordem, com os votos das
mulheres, dos jovens, dos afro-americanos e dos latino-americanos (portugueses,
brasileiros, espanhóis e sul-americanos) e, naturalmente, dos intelectuais e
académicos. Ao contrário dos republicanos, cujos votos vieram sobretudo dos
meios rurais e dos grandes interesses económicos.
O discurso de
vitória de Obama foi, como de costume, excecional: voltado para a frente, com a
sua visão humanista, confiante no futuro da Grande América, "o melhor está
para vir", disse, preocupado com a paz mundial e as desigualdades sociais
e, como homem progressista, em vencer a crise tremenda, que afeta o Ocidente e
não só. Mas como? Desenvolvendo a economia americana e lutando contra o
desemprego. Exatamente ao contrário do que a União Europeia tem vindo a
fazer...
Obama, no seu
discurso de vitória, não se referiu à União Europeia e aos seus dislates, cada
vez mais à vista de todos. Mas a sua vitória trouxe um vento de mudança que
começou a soprar, na Zona Euro e que contribuirá - como é necessário - para
mudar o paradigma, como é urgente que suceda, para que o euro se fortaleça, os
mercados usurários obedeçam aos Estados e a solidariedade, que é um dos
principais fundamentos da União, possa finalmente substituir-se aos nacionalismos
de um outro tempo... Não se referiu à Europa, por delicadeza, mas está no seu
pensamento e na lista das suas principais preocupações, sendo como é, a União
Europeia, o seu mais importante aliado.
2 MERKEL EM
PORTUGAL
A convite do
Governo, a chanceler alemã resolveu passar escassas cinco horas em Portugal, em
visita ao seu fiel discípulo, o primeiro-ministro, ao Presidente da República e
a alguns empresários escolhidos. É uma visita que sucede às que fez à Espanha
(cujo plano que levou foi recusado por Rajoy, que não gosta de troikas) e
depois à Grécia. Para quê? Até agora ninguém explicou. Nada se sabe. Vem
dar-nos mais dinheiro? A que juros e em que condições?
Os portugueses,
desesperados, não ignoram a visita. Mas já se percebeu que o povo português não
gosta da senhora Merkel nem a chanceler do nosso povo. Não haverá quaisquer
contactos porque estará sempre rodeada de dezenas de seguranças, com navios de
guerra no Tejo vigilantes e o céu sem aviões, mesmo de carreira, não vá o diabo
tecê-las. Haverá polícias especializados e guardas-republicanos mobilizados e
as ruas por onde passar estarão fechadas ao público. Há helicópteros a espiar a
terra, o mar e o céu. Nunca nenhuma das muitas centenas de presidentes e
primeiros-ministros que nos têm visitado, nos últimos anos, foram sujeitos a
semelhante humilhação. Porque é de uma humilhação que se trata.
Porquê? Porque o
Governo tem medo de comparecer, onde quer que seja, por causa das vaias e dos
gritos de "gatunos" a que são sujeitos os ministros. Tem seguramente
má consciência. Procura ignorar o desprezo do povo que agora voltou a tapar a
estátua de Camões com panos negros, como foi feito quando do ultimato inglês,
povo - repare-se - que há um ano e poucos meses o elegeu, em função das
promessas que lhe fez e não cumpriu. Povo que na sua esmagadora maioria, hoje,
odeia o Governo e só quer que se demita quanto antes.
É certo que o
Governo devia, perante a desastrosa situação existente - nunca vista em tempo
algum - ter a consciência e a honradez de se demitir. Até agora não teve. O
silêncio é o seu forte. É por isso que a pobre senhora Merkel chega a Lisboa no
pior momento. Não poderá ver mais do que uma nesga da cidade, sem expressão,
dentro de um carro blindado, que percorre ruas desertas. E quando parar, no
Forte de São Julião da Barra, no Palácio Presidencial e no Centro Cultural de
Belém, onde estarão muitas dezenas de seguranças portuguesas e alemãs à sua
volta, não verá à distância uma única família portuguesa para, de longe, lhe
dizer um adeus. Que raio de democracia se tornou a nossa cujo Governo tem medo
do povo!
Fala-se de que traz
a promessa de nos dar algum dinheiro. Mas será que o Governo terá a coragem de
dizer aos portugueses quanto nos custará a visita da senhora Merkel e dos
seguranças que a envolvem? Quando cortam a tantos milhares de pensionistas
idosos as pensões, que não são do Governo, visto as terem descontado imensos
anos...?
3 OS MILITARES
DESCERAM À RUA
Cerca de dez mil
militares, de diferentes patentes, desceram no sábado passado à Baixa lisboeta,
em silêncio, em defesa da sua dignidade de servidores da pátria e em protesto
contra o mau tratamento que o atual Governo lhes tem dado. Foram membros da
Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA), da Associação Nacional de
Sargentos (ANS) e da Associação de Praças (AP).
Tratou-se de uma
manifestação de profundo descontentamento das Forças Armadas, com um
indiscutível significado político, que devia obrigar o atual Governo a refletir
como a situação pode evoluir perigosa e rapidamente se o Governo continuar a
não ouvir os militares e a não dialogar com eles. Que responsabilidade para o
ministro da Defesa, se persistir em falar-lhes com sobranceria e sem responder
às suas legítimas preocupações patrióticas e angústias pessoais...?
Aliás, não são só
os militares que estão zangados com o Governo. Também estão, pelas mesmas
razões, os polícias e os guardas-republicanos, que também têm vindo a
manifestar-se, em enorme quantidade, com a mesma energia e descontentamento de
todos os outros manifestantes: dos universitários aos funcionários públicos,
dos autarcas aos médicos, dos farmacêuticos aos portuários, aos estivadores,
aos desempregados, às mulheres e aos jovens...
E perante isto -
que todos os dias nos impressiona e nos angustia -, o Governo mantém-se em
silêncio, como se nada acontecesse, e o Presidente da República, infelizmente,
também! Teremos todos de emigrar deste país, que tanto amamos, que se empobrece
todos os dias? Como já estão a fazer os jovens, recém-licenciados das
universidades que, por não terem emprego, não têm outro caminho senão emigrar,
como lhes recomendou o primeiro-ministro?
4 CONFÚCIO E O
FANTASMA DE MAO
O 18.º Congresso do
Partido Comunista da China termina amanhã. Xi Jinping, de 59 anos, será
nomeado, segundo é público na China, secretário-geral do partido, em
substituição de Hu Jintao e ocupará, em 2013, o lugar de presidente da
República.
A China, segunda
maior potência económica mundial, encontra-se agora numa situação difícil, por
causa das imensas desigualdades sociais e do mal-estar da população rural e da
classe média, como tem transparecido, apesar do duro sistema de censura, que é
uma das suas armas mais poderosas.
No Congresso, ao
que parece, tem-se falado abertamente do perigo da grande corrupção vigente, a
começar por conhecidos responsáveis políticos ligados ao aparelho partidário,
além de haver, no interior do partido, uma grande vontade de se fazer reformas
políticas.
Contudo, como se
tem verificado desde a morte de Mao Tse-tung, a evolução tem sido sempre muito
lenta e cuidadosa. Um exemplo é a grande barragem Three Georges, acionista
recente da nossa EDP, que começou a ser construída há vinte anos, junto ao
Yangtzé, o maior rio da Ásia e que, ao que parece, está agora a pôr em causa os
ecossistemas da região e a criar grandes problemas: inundações, sismos e
desabamentos de terras.
Vem isto a
propósito da importância que hoje voltou a ter no pensamento chinês a
doutrinação de Confúcio, com vista a cultivar a virtude das pessoas, como o
supremo bem. No tempo em
que Mao Tsetung reinou, após 1949, o maoismo subscreveu
violentas campanhas contra a ideologia "burguesa, feudal e reacionária de
Confúcio". Mas o pensamento de Confúcio, que nasceu há cerca de 2500 anos,
quinhentos antes de Cristo, permaneceu no Japão, em Hong Kong , em Taiwan, no
Vietname e até nas Filipinas. Não como religião - que nunca foi - mas como
doutrina para conduzir as mulheres e os homens no caminho ético da virtude, que
sempre foi a sua preocupação.
Contudo, Mao, a
pouco e pouco, tem vindo a passar à história. Tornou-se uma espécie de
fantasma, visto que os chineses voltaram a adotar Confúcio. Como dizia Camões,
que andou pela Ásia, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades"... O
que anima os políticos, que forem honrados e inteligentes, é serem capazes de
ver longe. E não o dia a dia, como tantas vezes acontece...
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