Diário de Notícias,
editorial
A campanha
governamental para que se ache forma de cortar de vez 4 mil milhões de euros
na despesa pública aí está: fonte bem situada faz chegar à imprensa o documento
de trabalho do FMI com as propostas deste e lança a polémica num instante. A
versão final de um documento de trabalho é, assim, apresentada pelo Governo
como a plataforma de arranque para a anunciada refundação do Estado. Não como
coisa sua, antes como um trabalho muito sério, que lhe dá muito jeito lançar à
cabeça para discussão na sociedade.
Uma coisa é pedir
um parecer técnico ao FMI ou ao Banco Mundial, que discuta os desvios
mensuráveis na estrutura da despesa pública face a outros países comparáveis,
no seu nível de desenvolvimento económico e de adoção de uma vertente social
para as atividades do Estado. Outra, bem diferente, é usar esses parceiros
externos como lebre para a apresentação da revoada de medidas adicionais de
austeridade, que o próprio Governo tomou a iniciativa de querer adotar em 2014,
pedindo-lhe um parecer à medida.
Que a receita seja
taxada de desenraizada, cosmopolita, pouco atenta aos condicionalismos sociais
do País, era de esperar. Até dá jeito: será sempre possível dourar uma pílula
brutalmente apresentada em toda a sua agrura. O essencial é que as coisas estão
a ser feitas sob uma perspetiva enviezada e, ainda por cima, em muitas das
recomendações propostas contrárias à Constituição da República Portuguesa. É
cândida e louvável a vontade de configurar o nível dos gastos do Estado e, por
conseguinte, do nível e extensão dos serviços públicos e dos direitos sociais
dos portugueses à dimensão sustentável dos impostos e das contribuições que
eles aceitem pagar. Só que um e outro lado desta equação permitem encontrar
pontos de encontro a vários níveis.
O que o Governo de
Portugal não faz, e tinha a estrita obrigação de fazer, é apresentar aos
cidadãos a sua visão, o objetivo que, no seu entender, melhor serve a nossa
economia social de mercado. Visão essa que tem forçosamente de incorporar todas
as nossas forças e fraquezas para arrancarmos de novo numa senda de crescimento
do emprego, do rendimento, de redução da pobreza e de mitigação das excessivas
desigualdades existentes. É compreensível que um Governo de centro-direita
queira comprimir a despesa corrente sem juros para 30% do PIB, face aos 37%
atuais, para ganhar espaço orçamental suficiente para baixar firmemente a carga
fiscal. Mas, então, assuma-o! E diga, sem reserva mental, onde quer cortar 12
mil milhões de euros e quanto tempo precisa para chegar a essa meta.
É essa clareza e
frontalidade que permite a escolha consciente dos eleitores, já que desafia a
apresentação de outras soluções politicamente alternativas. Obriga o PS a
dizer, preto no branco, o que representa a sua decantada "austeridade
inteligente". O que não é coisa pouca: sem caminho alternativo credível,
os cidadãos eleitores nem querem ouvir falar de mudanças de Governo.
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