O ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva fez uma defesa veemente, nesta terça-feira (14), em
Porto Alegre, da necessidade de o Brasil ter uma política externa mais ousada.
"O Brasil está vivendo um momento especial, venceu o complexo de
vira-latas, virou gente grande e tem que ser mais ousado e disputar espaço em
todas as partes do mundo. Precisamos oferecer à África e à América Latina uma
perspectiva não colonizadora", disse Lula durante reunião do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul (CDES-RS).
Marco Aurélio
Weissheimer - Carta Maior
Porto Alegre -
“O Brasil está vivendo um momento especial, venceu o complexo de vira-latas,
virou gente grande e tem que ser mais ousado em sua política externa. O país
deveria estar no G7, pois já é a sexta economia do mundo. Não está porque o G7
é uma confraria. O Brasil precisa disputar em todas as partes do mundo. Tem que
ir entrando e conquistando espaço. Precisamos oferecer à África e à América
Latina uma perspectiva não-colonizadora. Para isso, temos que ajudar a
financiar as economias menores. Se não fizermos, os chineses, os americanos e
os europeus o farão”. Essa é a síntese da proposta apresentada pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta terça-feira (14), em Porto
Alegre, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do
Sul (CDES-RS).
A intervenção de Lula foi uma defesa veemente da necessidade de o Brasil ter
uma política externa mais ousada. Após elogiar a iniciativa do governador Tarso
Genro de realizar uma série de missões internacionais para, entre outras
coisas, abrir novos mercados para empresas gaúchas e atrair investimentos para
o Estado, Lula relatou um pouco do que foi a política externa em seu governo e
defendeu o fortalecimento da presença do Brasil no mundo. Falando sobre as
viagens que fez em seu governo, o ex-presidente lembrou que recebeu muitas
críticas quando decidiu começar a visitar a África e quando rejeitou, junto com
outros presidentes da região, a proposta da Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA) em favor do fortalecimento do projeto do Mercado Comum Sulamericano
(Mercosul) e, mais tarde, da União Sulamericana de Nações (Unasul).
Empresário defende missões internacionais
Lula defendeu que o governo gaúcho deve aprofundar essa política, recordando um
episódio de seu governo: “Nós gastamos cerca de 500 mil dólares para fazer uma
feira em Dubai. Recebemos muitas críticas de gente que dizia que estávamos
jogando dinheiro fora. No outro dia dessa feira, empresas brasileiras venderam
50 milhões de calçados. E os críticos não disseram nada sobre isso”.
O empresário gaúcho Paulo Tigre, integrante do CDES-RS, defendeu a posição de
Lula e a política de missões internacionais implementada pelo governo estadual.
“Alguns negócios levam anos para sair. Para que isso ocorra, é muito importante
abrir esse diálogo entre governos e empresas”, afirmou. Na mesma linha, Tarso
Genro defendeu enfaticamente a política de seu governo: “Superamos uma visão
paroquial da política marcada pelo complexo de vira-latas. Algumas pessoas
ainda acham mais importante ficar perguntando quanto custa cada missão,
ignorando por completo os benefícios que trazem para o Estado no médio e longo
prazo”.
Aumento de poder e de responsabilidade
“Quando iniciei meu governo, a nossa balança comercial com a Argentina era de
apenas 7 bilhões de dólares. No final, era de 39 bilhões”, destacou Lula. Ele
defendeu ainda que o Brasil, na condição de maior país e maior economia da
região, tem que ser mais generoso e querer que seus vizinhos cresçam também.
“Por isso, quando deixei o governo, nosso principal parceiro comercial era a
América Latina e não os Estados Unidos ou a União Europeia”.
Hoje, acrescentou, o desafio colocado para nossos governantes e empresários é
maior. “Ganhamos as direções da FAO e da OMC e as nossas responsabilidades
aumentaram muito. Na hora em que nos tornamos grandes não podemos nos comportar
da mesma maneira”, emendou ao justificar a defesa de mais ousadia na política
internacional brasileira.
Lula contextualizou essa necessidade fazendo um diagnóstico da crise financeira
e econômica internacional, iniciada em 2008. “Essa crise, que ainda não
terminou, é resultado de uma crise política maior. Ela poderia ter sido
resolvida entre 2008 e 2009. Só não foi por falta de dirigentes políticos
capazes de decidir. Cerca de 9,5 trilhões de dólares já foram gastos para
enfrentar a crise sem resolver o problema. Na Europa, agravou-se o problema do
desemprego. A economia está dando sinais de recuperação nos Estados Unidos
porque Obama está querendo reindustrializar o país. Por outro lado, os Estados
Unidos gastaram cerca de 3 trilhões de dólares, só na guerra no Iraque.
Imaginem quantos programas como o Bolsa Família ou o Luz para Todos poderiam
ser financiados na África com esses recursos”. Diante deste cenário, o
ex-presidente pediu maior protagonismo dos governantes e empresários
brasileiros em todas as partes do mundo.
A diplomacia do mascate
“Tem que jogar o jogo e, para isso, é preciso disputar, é preciso viajar e se
reunir com representantes de outros países. Se não fizermos isso, podem ter certeza
que a China, a Índia e outros países o farão”. Lula lembrou também as
tentativas dos Estados Unidos de recuperar espaço perdido na região com
propostas de tratados de livre comércio bilaterais (como o que está sendo
discutido com a Colômbia) e do Pacto do Pacífico, querendo afastar os países
dessa região da área de influência do Brasil e dos projetos de integração
sulamericanos. “Os Estados Unidos precisam olhar o Brasil como parceiro e não
como adversário. Eles querem afastar países como Equador, Colômbia, Peru e
Chile da América do Sul. Ao mesmo tempo, querem fazer o Pacto do Atlântico.
Essa é outra razão pela qual o Brasil precia ser mais ousado”, reforçou Lula,
acrescentando, de modo enfático:
“O país tem que fazer política externa como se fosse um mascate, precisa mapear
cada país e ver onde há complementariedades e onde o Brasil pode colocar seus
produtos. Precisamos pegar tudo o que o Brasil produz e mostrar ao mundo. E
temos que fazer isso propondo sociedades e parcerias, não querendo sufocar os
países menores”.
Lula destacou também, como condição necessária para o sucesso dessa política
externa, a necessidade de o Brasil manter sólidas relações com a Argentina. “A
Argentina e o Brasil tem que compreender que um país precisa do outro. Se as
relações entre Argentina e Brasil estiverem bem, o Mercosul e a Unasul estarão
bem. Se não estiverem, esses projetos de integração ficam enfraquecidos”. Além
disso, reforçou outro de seus temas prediletos nos últimos anos, que é a defesa
do aprofundamento das relações do Brasil com a África. “O Oceano Atlântico não
é nenhum empecilho para o Brasil”, ironizou. “Erroneamente, muita gente ainda
pensa que a África é um continente de miseráveis. A democracia na África está
se consolidando em quase todos os países. A Nigéria é um país que tem 170
milhões de habitantes e tem só 4.500 megawatts de energia. Ou colocamos nosso
pé lá ou outros colocarão”, acrescentou o ex-presidente, lembrando da forte e
crescente presença da China nesta região.
A metáfora do mascate empregada por Lula falar de sua proposta para a política
externa brasileira não a reduz a uma dimensão meramente comercial. Ele acredita
que essa é também uma solução política para a crise. “Em 2008, recebi muitas
críticas quando falei que a crise seria uma marolinha e pedi à população para
que consumisse. E a economia do país resistiu bem à crise, ao contrário do que
aconteceu em outros países”. Lula defende que uma das medidas para enfrentar a
crise política e econômica internacional é mais comercial, lembrando que os
debates na Organização Mundial do Comércio estão congelados há quatro anos. E
agora, um brasileiro estará na direção da OMC, o que não é um detalhe menor,
lembrou.
Precisamos revisar os manuais. A política exige mais velocidade, precisamos inovar
no comportamento, inovar na atitude”.
Fotos: Claudio Fachel/Palácio Piratini
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