sábado, 7 de dezembro de 2013

“Os professores portugueses trabalham muito e alguns quase vivem na escola”

 


Entrevista - A visão de Silvina Sarmento, uma professora timorense a estagiar no Entroncamento 
 
Silvina Sarmento é professora de Geologia na escola secundária de Viqueque, cidade do Sul de Timor. Está em Portugal integrada num grupo de 28 professores daquele país, ao abrigo de um protocolo entre os ministérios de educação dos dois países. O seu estágio tem decorrido no Agrupamento de Escolas Cidade do Entroncamento. A alguns dias da partida conta como é a escola timorense e partilha as suas opiniões sobre o que veio encontrar. Diz que os alunos do seu país têm muita vontade de aprender, que a disciplina nas escolas é muito rígida e que o português está em expansão. Confessa-se perplexa com o facto de os professores trabalharem tanto em Portugal e com a quantidade de doces que comemos.
 
Como é que o povo timorense vê os portugueses ?
 
Actualmente, o povo timorense vê os portugueses de forma diferente do que sucedia no tempo colonial. Durante séculos, em Timor, a presença portuguesa foi sobretudo religiosa e militar. Poucas pessoas tiveram acesso à educação. Agora os portugueses são considerados bons amigos e os timorenses não esquecem a ajuda dos portugueses durante a ocupação Indonésia, sobretudo junto das organizações internacionais. Pertencemos agora à CPLP (Comunidade de Países da Língua Portuguesa), somos um país irmão de todos aqueles em que se fala Português.
 
Qual é o estado actual da língua portuguesa em Timor?
 
Além do Tétum, a língua portuguesa está consagrada na constituição da República Democrática de Timor-Leste como língua oficial. Na altura da Resistência, usámos o Português para lutar pela independência, foi a língua da resistência. Neste momento, a língua portuguesa está, de facto, em grande expansão, há mesmo uma escola portuguesa em Díli. A língua portuguesa é usada nas escolas, na comunicação social, na administração pública e nos ministérios, no mundo empresarial, e até nas igrejas se usa o Português, o que é muito importante porque somos um país muito católico. Curiosamente, durante a ocupação indonésia, o Português manteve-se no culto religioso. Hoje, as crianças e os jovens aprendem e falam português, portanto, a língua está viva. A presença de professores portugueses e brasileiros cooperantes no país contribui para consolidar a presença do Português.
 
Familiarizou-se rapidamente com o nosso modo de vida? O que é que estranhou mais?
 
Sinto-me muito bem e nem sou capaz de expressar totalmente como me sinto contente por estar cá. Sobre o modo de vida, cada país tem os seus hábitos, não é? Vivemos na era da globalização e é bom continuar a haver diferenças culturais entre os povos. O que mais estranho é o clima, que é muito frio. A comida é muito diferente, porque alguns alimentos lá em Timor não existem. Mesmo com os mesmos alimentos, aqui a maneira de os confeccionar é diferente. Também acho que em Portugal se comem muitos doces, os portugueses são muito gulosos (risos). No entanto, percebo que cada nação tem a sua gastronomia e já estou a habituar-me aos sabores da comida portuguesa.
 
Tem 33 anos, é professora de Geologia numa escola secundária de Timor. Como foi o seu percurso académico e profissional?
 
Sou professora há 8 anos. Fiz o meu curso na Universidade Nacional de Timor-Leste, em Díli. No ano seguinte trabalhei como professora voluntária em Viqueque, a partir daí fiquei efectiva na escola desta cidade. Em Portugal, estou a ampliar o meu conhecimento na área do ensino/aprendizagem da Geologia. Tenho observado as práticas pedagógicas para aplicar na minha escola, tenho acesso aos laboratórios e estou a aprender outra metodologia do ensino e a contactar com o currículo do ensino em Portugal, que é mais aprofundado. Claro que desejo também aperfeiçoar o meu conhecimento da língua portuguesa, que não é a minha língua materna. Creio que, em Timor-Leste, vou contribuir com ideias construtivas relacionadas com as práticas pedagógicas e a gestão escolar que estou a aprender cá para melhorar o nosso sistema de ensino.
 
Como é que se está a dar no Agrupamento de Escolas do Entroncamento? O ensino em Timor é muito diferente do que está a conhecer aqui?
 
Sim, foi uma grande surpresa para mim. Há grandes diferenças entre a escola do meu país e a portuguesa: ao contrário de cá, os professores são quase todos homens, cada escola tem o seu uniforme para os alunos. As meninas não podem usar saias curtas e os rapazes não podem ter cabelo comprido. Lá, as regras de comportamento são muito mais rígidas. Por exemplo, os alunos não podem fumar, nem mesmo à porta da escola, e não se pode namorar no recinto escolar.
 
E os professores?
 
Quanto aos professores, aqui quase vivem na escola, trabalham muito. Lá, só temos aulas até ao meio dia e temos muito menos reuniões. No entanto, aos sábados, alguns professores acompanham os alunos na escola, quando estes fazem a limpeza das instalações. Há muitas diferenças. Isto para além das instalações e dos equipamentos, que aqui são muitíssimo melhores. A minha escola é uma secundária com 485 alunos, cada turma tem no mínimo 28 alunos e no máximo 39. As salas têm muito poucos recursos, mas os alunos têm vontade de aprender e, curiosamente, há menos barulho do que aqui, tanto no recreio como nas aulas.
 
Deve ser difícil ensinar em Português, quando não se domina inteiramente a língua e sobretudo quando a maioria dos alunos fala outra língua materna. Os professores falam em Português nas aulas, ou em Tétum?
 
Acho que não é muito difícil ensinar em língua portuguesa, porque há muitas palavras portuguesas em Tétum e os alunos começam a perceber bem o Português. É só uma questão de tempo e de boa vontade para aprenderem a língua portuguesa, porque é obrigatório aprender a falar em português. Em Timor há duas línguas oficiais, então, os professores usam as duas. Primeiramente escrevem em Português e depois explicam em língua tétum para os alunos compreenderem bem a matéria. Com a língua portuguesa dá-se este fenómeno: os velhos ainda falam Português e agora as crianças e os jovens também já falam. Os adultos, que cresceram nos anos da ocupação indonésia, estão a aprender nas escolas e no local do trabalho. A língua portuguesa está, de facto, em grande expansão em todo o território.
 
Se tivesse oportunidade, ficaria por cá? Ou as saudades falam mais alto?
 
Se tivesse oportunidade, queria ficar cá mais um tempo para aprender mais, especialmente a língua portuguesa, porque, para mim, melhorar e aperfeiçoar o Português é essencial para o transmitir aos jovens do meu país. Aproveito para agradecer a todos os que me receberam no Agrupamento de Escolas Cidade do Entroncamento. Não vou esquecer nunca esta magnífica experiência!
 
O Mirante – Entrevista por Arnaldo Marques, professor
 

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