Entrevista - A
visão de Silvina Sarmento, uma professora timorense a estagiar no Entroncamento
Silvina Sarmento é
professora de Geologia na escola secundária de Viqueque, cidade do Sul de
Timor. Está em Portugal integrada num grupo de 28 professores daquele país, ao
abrigo de um protocolo entre os ministérios de educação dos dois países. O seu
estágio tem decorrido no Agrupamento de Escolas Cidade do Entroncamento. A
alguns dias da partida conta como é a escola timorense e partilha as suas
opiniões sobre o que veio encontrar. Diz que os alunos do seu país têm muita
vontade de aprender, que a disciplina nas escolas é muito rígida e que o
português está em expansão. Confessa-se perplexa com o facto de os professores
trabalharem tanto em Portugal e com a quantidade de doces que comemos.
Como é que o povo
timorense vê os portugueses ?
Actualmente, o povo
timorense vê os portugueses de forma diferente do que sucedia no tempo
colonial. Durante séculos, em Timor, a presença portuguesa foi sobretudo
religiosa e militar. Poucas pessoas tiveram acesso à educação. Agora os
portugueses são considerados bons amigos e os timorenses não esquecem a ajuda
dos portugueses durante a ocupação Indonésia, sobretudo junto das organizações
internacionais. Pertencemos agora à CPLP (Comunidade de Países da Língua
Portuguesa), somos um país irmão de todos aqueles em que se fala Português.
Qual é o estado
actual da língua portuguesa em Timor?
Além do Tétum, a
língua portuguesa está consagrada na constituição da República Democrática de
Timor-Leste como língua oficial. Na altura da Resistência, usámos o Português
para lutar pela independência, foi a língua da resistência. Neste momento, a
língua portuguesa está, de facto, em grande expansão, há mesmo uma escola
portuguesa em Díli. A língua portuguesa é usada nas escolas, na comunicação
social, na administração pública e nos ministérios, no mundo empresarial, e até
nas igrejas se usa o Português, o que é muito importante porque somos um país
muito católico. Curiosamente, durante a ocupação indonésia, o Português
manteve-se no culto religioso. Hoje, as crianças e os jovens aprendem e falam
português, portanto, a língua está viva. A presença de professores portugueses
e brasileiros cooperantes no país contribui para consolidar a presença do
Português.
Familiarizou-se
rapidamente com o nosso modo de vida? O que é que estranhou mais?
Sinto-me muito bem
e nem sou capaz de expressar totalmente como me sinto contente por estar cá.
Sobre o modo de vida, cada país tem os seus hábitos, não é? Vivemos na era da
globalização e é bom continuar a haver diferenças culturais entre os povos. O
que mais estranho é o clima, que é muito frio. A comida é muito diferente,
porque alguns alimentos lá em Timor não existem. Mesmo com os mesmos alimentos,
aqui a maneira de os confeccionar é diferente. Também acho que em Portugal se
comem muitos doces, os portugueses são muito gulosos (risos). No entanto,
percebo que cada nação tem a sua gastronomia e já estou a habituar-me aos
sabores da comida portuguesa.
Tem 33 anos, é
professora de Geologia numa escola secundária de Timor. Como foi o seu percurso
académico e profissional?
Sou professora há 8
anos. Fiz o meu curso na Universidade Nacional de Timor-Leste, em Díli. No ano
seguinte trabalhei como professora voluntária em Viqueque, a partir daí fiquei
efectiva na escola desta cidade. Em Portugal, estou a ampliar o meu
conhecimento na área do ensino/aprendizagem da Geologia. Tenho observado as
práticas pedagógicas para aplicar na minha escola, tenho acesso aos
laboratórios e estou a aprender outra metodologia do ensino e a contactar com o
currículo do ensino em Portugal, que é mais aprofundado. Claro que desejo
também aperfeiçoar o meu conhecimento da língua portuguesa, que não é a minha
língua materna. Creio que, em Timor-Leste, vou contribuir com ideias
construtivas relacionadas com as práticas pedagógicas e a gestão escolar que
estou a aprender cá para melhorar o nosso sistema de ensino.
Como é que se está
a dar no Agrupamento de Escolas do Entroncamento? O ensino em Timor é muito
diferente do que está a conhecer aqui?
Sim, foi uma grande
surpresa para mim. Há grandes diferenças entre a escola do meu país e a
portuguesa: ao contrário de cá, os professores são quase todos homens, cada
escola tem o seu uniforme para os alunos. As meninas não podem usar saias
curtas e os rapazes não podem ter cabelo comprido. Lá, as regras de
comportamento são muito mais rígidas. Por exemplo, os alunos não podem fumar,
nem mesmo à porta da escola, e não se pode namorar no recinto escolar.
E os professores?
Quanto aos
professores, aqui quase vivem na escola, trabalham muito. Lá, só temos aulas
até ao meio dia e temos muito menos reuniões. No entanto, aos sábados, alguns
professores acompanham os alunos na escola, quando estes fazem a limpeza das
instalações. Há muitas diferenças. Isto para além das instalações e dos equipamentos,
que aqui são muitíssimo melhores. A minha escola é uma secundária com 485
alunos, cada turma tem no mínimo 28 alunos e no máximo 39. As salas têm muito
poucos recursos, mas os alunos têm vontade de aprender e, curiosamente, há
menos barulho do que aqui, tanto no recreio como nas aulas.
Deve ser difícil
ensinar em Português, quando não se domina inteiramente a língua e sobretudo
quando a maioria dos alunos fala outra língua materna. Os professores falam em
Português nas aulas, ou em Tétum?
Acho que não é
muito difícil ensinar em língua portuguesa, porque há muitas palavras
portuguesas em Tétum e os alunos começam a perceber bem o Português. É só uma
questão de tempo e de boa vontade para aprenderem a língua portuguesa, porque é
obrigatório aprender a falar em português. Em Timor há duas línguas oficiais,
então, os professores usam as duas. Primeiramente escrevem em Português e
depois explicam em língua tétum para os alunos compreenderem bem a matéria. Com
a língua portuguesa dá-se este fenómeno: os velhos ainda falam Português e
agora as crianças e os jovens também já falam. Os adultos, que cresceram nos
anos da ocupação indonésia, estão a aprender nas escolas e no local do
trabalho. A língua portuguesa está, de facto, em grande expansão em todo o território.
Se tivesse
oportunidade, ficaria por cá? Ou as saudades falam mais alto?
Se tivesse
oportunidade, queria ficar cá mais um tempo para aprender mais, especialmente a
língua portuguesa, porque, para mim, melhorar e aperfeiçoar o Português é
essencial para o transmitir aos jovens do meu país. Aproveito para agradecer a
todos os que me receberam no Agrupamento de Escolas Cidade do Entroncamento.
Não vou esquecer nunca esta magnífica experiência!
O Mirante – Entrevista
por Arnaldo Marques, professor
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