sábado, 7 de dezembro de 2013

IMPÉRIO E CAPITAL: O IMPÉRIO DO CAPITAL E O CAPITAL DO IMPÉRIO

 


“Acabei de escrever estas linhas no momento em que foi anunciada a morte do Madiba. Pelo seu papel fundamental no derrube do apartheid racial na África do Sul, pela sua importância para África e pela sua memorável personalidade e incontornável vitalidade, deixo os meus pêsames aos povos do arco-íris sul-africano. Porque, afinal, Mandela também tem um papel fundamental na manutenção do apartheid social e na situação de subserviência do continente africano, deixo aos seus partidários acríticos as palavras acima escritas.” – em PS no final deste texto
 
Rui Peralta, Luanda
 
I - Existe uma tendência dominante nas práticas administrativas governamentais (nas atitudes e comportamentos do Estado), no sentido de considerar os cidadãos como “estrangeiros”, factores descartáveis, elementos negociáveis nos grandes jogos geoestratégicos e/ou geoeconómicos. Esta tendência é observável em todos os Estados e nas últimas décadas evoluiu de forma subtil, tão subtil que hoje algumas destas prácticas estão normalizadas.
 
A geoestratégia e a geoeconomia são armas do arsenal ideológico burguês, uma consequência do desenvolvimento orgânico do Estado-nação, desde o séculos XVIII até ao presente século XXI. Por serem armas do inimigo têm de ser estudadas e utilizadas por aqueles que não aceitam essa ordem das coisas e que pretendem a transformação dos actuais espaços históricos, que tentam a construção de um mundo diferente daquele com que nos debatemos hoje. O estudo e a utilização não são processos de assimilação, pelo contrário, a assimilação existe se esses conceitos não forem estudados. A ausência de estudo implica a aceitação pura e simples das situações e dos conceitos e impedem uma utilização dos conceitos em prol da autodeterminação dos cidadãos, da sua autonomia plena.
 
A denominada esquerda (aqueles que se sentam nas bancadas do lado esquerdo, nos parlamentos) é um destes processos complexos de assimilação bruta de valores alienígenas, de conceitos estranhos á sua origem pretensamente proletária (embora nunca tenha sido palpável e exacto que os proletários alguma vez se quisessem sentar no parlamento, ou que tivessem confiança suficiente em algum sector para o representar). As “razões geopolíticas” assim como as “razões de Estado” são sempre totalitárias e reveladoras de uma apetência de poder (são sempre de direita se quisermos aplicar a lógica – bipolar, ou tripolar, se acreditarmos na existência do centro - dos assentos parlamentares). E são-no por uma questão muito simples: implicam a ausência da participação cidadã, criando esferas de interesse nas quais os cidadãos encontram-se impedidos de participar e nas quais é vedado, às mais amplas camadas populacionais, o direito de conhecimento e de informação.
 
Desta forma, assente na ideia de que existem razões que implicam segredos, razões e assuntos que estão para além da sociedade e que, por implicarem a pretensa defesa da “Nação” – a integridade territorial, por exemplo - do “Estado” – a soberania nacional - ou do “Povo” - sempre defendido por uma elite que legitima os seus interesses como sendo “interesses nacionais” - os mecanismos democráticos de participação são espezinhados e colocados na gaveta (não vá ser necessário reutilizá-los, pelo menos ao nível do discurso). Mas para impedir o exercício participativo (a autonomia cidadã) torna-se necessário um aparelho de Estado que seja legitimado pela soberania popular, mas que simultaneamente, através da legitimação, retire á soberania popular importantes parcelas de poder, tornando-a apenas um mero apêndice da superestrutura das elites. A esse aparelho denomina-se “Estado de Direito”, sendo, geralmente, o “Direito” seguido ou procedido do “democrático” (no texto constitucional costuma ser Estado Democrático de Direito – implica que o “Estado Democrático” é de “Direito” - e na prosa jornalística e mediática (no aparelho de propaganda) aparece usualmente o “Estado de Direito Democrático” (ou seja o “Estado de Direito” é democrático, possivelmente para fugir a um mal-estar histórico – e académico - criado pelo prussiano “Estado da Lei”).
 
Uma das mistificações da geopolítica é a irradicação da realidade da guerra de classes. Tudo é visto em função das dinâmicas externas (Estados, nações, relações internacionais, interesses nacionais) alienando completamente as dinâmicas internas. O resultado da quebra desta interactividade é desastroso e cria falsos cenários. Por exemplo: assistimos, na actualidade, ao retorno de uma volatilidade nas dinâmicas externas que coloca um ponto final á velha ordem estabelecida no pós II guerra Mundial – ordem que foi solidificada pela Guerra Fria – assente em premissas “democráticas” (Estado Social, Estado do Bem-Estar, lógicas económicas keynesianas, concertação social, etc., no âmbito das dinâmicas internas) e que restabelece um complexo de dinâmicas externas em tudo similares às ocorridas na I Guerra Mundial (crises económicas nacionais e globais, crises estruturais, crises financeiras crónicas, agudização da luta de classes, conflitos imperialistas, etc.). Explicar as dinâmicas externas, ignorando as dinâmicas internas, nãos as interrelacionando, cria falsos cenários e faz parecer confuso o que não o é. Vejamos: a Arábia Saudita demonstrou algum afastamento perante a evolução aparente dos USA em relação á Síria e ao Irão, renunciando ao seu lugar no Conselho de Segurança e ampliando as operações de financiamento aos grupos da extrema-direita islâmica. No entanto apoia o golpe militar no Egipto, posição em que é convergente com a Síria e com a Rússia. Em relação ao Irão, aparece ao lado de Israel, tornando-se num “sócio fiável” e “um novo aliado” para a elite sionista. Por sua vez o Irão, disposto a fazer concessões no respeitante ao seu programa nuclear, negoceia com os USA o estatuto da Síria. Explicar este cenário apenas por movimentos geoestratégicos (alinhamentos, alianças tácticas e reposicionamentos estratégicos) é o mesmo que contar a história da Carochinha sem incluir o João Ratão.
 
Na melhor das hipóteses os analistas passam a imagem da debilitação dos USA (impossível de explicar se as dinâmicas internas norte-americanas não forem analisadas), factor que, segundo a “Geo-qualquer-coisa” (politica, estratégia ou económica), faz com que Bashar al-Assad “permaneça no poder” (análise que ignora o vórtice provocado pelas campanhas de agressão á Síria) e que a Arábia Saudita e o Irão “afirmam a sua influência” (não equacionando os factores de instabilidade politica e social na Arabia Saudita e as clivagens sociais, no âmbito da guerra de classes, que dominam a sociedade iraniana) enquanto a “ditadura” é reforçada no Egipto (como se a Irmandade Muçulmana fosse a força responsável pela democratização, na impossibilidade dos testas de ferro dos USA em ascenderem ao poder) e a Rússia agiganta-se enquanto Israel deixa-se tentar pela “irresponsabilidade unilateral”. Tudo muito bem composto, um cenário bonito e arranjadinho para mostrar aos meninos na faculdade, mas absolutamente falso, uma mistificação criada pela montagem e clonagem de realidades aparentes.
 
Por explicar ficaram factores de dinâmica interna como o papel dos curdos, o impacto das aspirações palestinianas, a dificuldade das novas elites islâmicas em lidarem com as forças sindicais e com as revindicações dos trabalhadores, as fracturas existentes nos mecanismos de renovação das elites no mundo árabe, a bifurcação a que chegou a sociedade norte-americana, onde as movimentações sociais e o descontentamento de largas camadas da população choca com os interesses dominantes e reflecte-se nos aparelhos políticos imprescindíveis á manutenção do poder na sociedade norte-americana, às reivindicações feministas e homossexuais que surgem cada vez mais abertamente no seio das sociedades islâmicas, as aspirações dos trabalhadores russos e o seu forte sentimento nacional, bem compreendidas por Putin e sabiamente utilizadas na destruição das mafiosas elites de mercado, surgidas nos últimos tempos da decadência do “socialismo real” e que tentaram apoderar-se do aparelho de Estado na época Yeltsin.
 
Este cenário geopolítico, tosco, é apresentado pomposamente como o resultado de uma “nova ordem”. Mas os que reduzem as suas análises e decisões aos critérios da “real politik” (ou aos que entendem por macroeconomia o movimento das bolsas) não o fazem por “ignorância” ou por “esquecimento”, mas sim porque é esse o discurso ideológico das elites dominantes, sempre tendentes a desprezar as legitimas aspirações proletárias ou dos povos subjugados e sempre a iludir a sua “massa eleitoral” a “classe média” (para quem o cenário é montado), formada por proprietários sem propriedade efectiva, porque encontra-se endividada até á medula.
 
Estranho mundo, este, em que por detrás dos labirintos cobertos por véus, encontram-se labirintos decorados de ilusões…            
 
II - É bem conhecida a história do programa nuclear do Irão. Os USA, Israel e a UE queriam que o Irão suspendesse o seu programa nuclear. Foram impostas sanções económicas e o Irão sofreu diversos ataques informáticos, realizados às suas estruturas nucleares, para além de diversas acções de sabotagem e ameaças – veladas e anunciadas – de bombardeamento às instalações nucleares e dos assassinatos de cientistas iranianos, cometidos pelos serviços sionistas.                 
 
O Irão torneou as dificuldades e conseguiu negociar o processo (é a sabedoria diplomática dos estados milenares) obtendo um primeiro acordo provisório com os USA, Inglaterra, França e Alemanha, tendo a Rússia e a China como participantes. Este primeiro acordo obriga o Irão a abrandar os timings do seu programa nuclear e em contrapartida o Ocidente suaviza e levanta parcialmente as sanções económicas. 
 
Um acordo implica cedências para ambas as partes (e este não fugiu á regra). Este primeiro acordo provisório tem um vencedor implícito – o Irão – e um assumido derrotado – Israel – que nem sequer foi convidado a participar e acabou isolado, no seu discurso agressivo e nas suas intenções bélicas. Derrotados ficaram também os USA e a UE que vão ser obrigados ao diálogo com o Irão (com um Irão soberano, contrariando os planos do Ocidente para transformar o Irão num Estado subserviente). Vencedores foram, também, a Rússia e a China, que ao neutralizarem a guerra contra o Irão, afastam problemas nas suas fronteiras.  
 
O encontro ocorreu em Genebra, cidade que assistiu a três encontros anteriores. O Irão manteve a sua posição soberana e não renunciou ao seu direito legítimo de ter um programa nuclear, orientado para a produção energética. Este acordo é válido por seis meses, período no qual o Irão se compromete a cumprir as condições acordadas: que o processo de enriquecimento de uranio não ultrapasse os 5% (os níveis mínimos de enriquecimento do uranio, para produzir uma bomba nuclear, é de 90%) e que não aumentará as suas actuais reservas de uranio. O Irão comprometeu-se também a abrandar os trabalhos na central nuclear de Arak, onde processa água pesada e plutónio. A Organização Internacional de Energia Atómica será a identidade responsável pelas inspecções.  
 
O Ocidente comprometeu-se a não impor novas sanções durante os seis meses de vigência do acordo e levantar o embargo aos fundos iranianos provenientes das vendas de petróleo, depositados nos USA e na UE (cerca de oito mil milhões de USD). Levantadas serão também as sanções contra as exportações petrolíferas e petroquímicas iranianas, para além das exportações de ouro e metais preciosos e indústria de máquinas, automóveis e equipamentos. Serão, também, permitidas as importações de peças e sobressalentes para a aviação comercial.  
 
Quanto a Israel, o primeiro-ministro sionista Benjamin Netanyahu qualificou o acordo como “um erro histórico” e acrescenta: “ (a comunidade internacional) está cedendo demasiado a Teerão, que conservará a capacidade de produzir uma arma nuclear e de ameaçar Israel”. Os sionistas não se sentem obrigados ao cumprimento deste acordo, nem ao seu reconhecimento, deixando uma porta entreaberta ao bombardeamento das centrais iranianas (á semelhança do que já fizeram no Iraque e na Síria).
 
Esquecem-se, as elites – do Ocidente e da região – que os trilhos por onde os profetas passaram, afinal, foram anteriormente trilhados pelos povos…por isso são sempre trilhos conducentes á paz.
 
III - Uma importante iniciativa, que poderá impor alguns limites á metafisica dos jogos estratégicos e ao Leviatã do Big Brother, foi tomada pela ONU que aprovou uma resolução sobre a “privacidade na era digital”, impulsionada pelo Brasil e pela Alemanha. Esta resolução, que será submetida a uma votação posterior na Assembleia Geral da ONU, é uma reacção aos recentes escândalos de espionagem da NSA, revelados por Edward Snowden. Embora a resolução tenha uma linguagem cautelosa que evita tocar directamente o tema e não aponte, especificamente, nenhum país ou agência, constitui um importante passo dado no caminho da democratização da informação e na imposição de regras às actividades de segurança de estado, ao considerar a vigilância e a intercepção de dados, por parte de governos e de empresas um “abuso ou violação dos direitos humanos”. USA, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia tentaram suavizar os termos da resolução, mas depararam com um forte contraditório por parte da Alemanha e do Brasil (apresentadores da moção).    
 
Por sua vez o parlamento brasileiro está em vias de criar um marco regulatório da Internet com o objectivo, entre outros, de proteger-se da espionagem internacional.
 
A proposta, denominada “Marco Civil da Internet” (MCI) assenta na neutralidade da rede, cabo e correio eletrónico próprio e servidores no território nacional, considerando “a liberdade de expressão, a privacidade dos indivíduos e o respeito pelos direitos humanos; governação aberta, multilateral e democrática; universalidade que assegure o desenvolvimento social e humano e a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória; e neutralidade da rede guiada apenas por critérios técnicos e éticos, fixando como inadmissível restringi-lo por aspectos políticos, comerciais ou religiosos” como referiu Dilma Roussef na Assembleia Geral da ONU, no passado dia 24 de Setembro, resumindo os princípios da legislação que o parlamento brasileiro pretende aprovar.
 
Por sua vez e em consequência do MCI, as autoridades técnicas brasileiras projectam construir um cabo submarino entre o Brasil e a Europa e entre o Brasil e os vizinhos sul-americanos, com o intuito de superar a via das actuais conexões que passam todas pelos USA. Outro aspecto em curso é o desenvolvimento de um serviço de correio eletrónico com o seu próprio sistema de cifra, de forma a substituir os grandes provedores como a GMail ou Yahoo, que por serem empresas norte-americanas, não conseguem defender a privacidade dos seus utentes, em virtude da legislação norte-americana (estuda-se também a hipótese de algumas destas empresas transferirem a sua sede – logo os seus servidores – para o Brasil e/ou outros países onde a legislação garanta o direito á privacidade dos dados). 
 
Desta forma, aprovando o MCI e alocando os meios necessários para a sua realização, o Brasil reconhece a inviolabilidade das comunicações, reservando ao Poder Judicial a capacidade de encerrar páginas web, devido ao seu conteúdo, mas proibindo qualquer acção por parte do poder executivo.
 
Vejamos para quando, a aprovação…talvez os direitos nas redes digitais imponham os direitos nas redes públicas de transportes colectivos, nas políticas de habitação social e redes urbanísticas, nas redes públicas de saúde e nas redes públicas de educação do Brasil…Será?
 
IV - A economia política mundial é um painel de mosaicos de texturas contraditórias, assente numa parede única: a deterioração das condições de vida da maioria e o enriquecimento das elites. A relação entre classes, estados e instituições são configurações globais de Poder, sendo que qualquer configuração de Poder depende das relações de força. Se é certo que as estruturas e os recursos materiais, as concentrações de riqueza, de armamento e de meios são vitais e estabelecem o marco dos detentores do Poder, não é menos certo que as estratégias de detenção ou de expansão de Poder dependem do tecido de alianças, do desenvolvimento dos conflitos e da capacidade de negociação. O Poder depende, essencialmente, da força e da amplitude das dinâmicas orgânicas que o geraram: economia produtiva, estado independente, politica externa sólida, assente nas relações pacificas e soberanas, elite com capacidade recolectora de recursos e consenso interno,
 
Na avaliação da posição de um Estado na configuração global de Poder é necessário analisar as relações políticas e económicas a dois níveis: por região e por esfera de poder, atendendo sempre às dinâmicas internas e externas de cada processo. A História não segue um padrão regular, nem ciclos lineares. A decadência económica em algumas esferas e regiões podem ser compensadas por avanços noutros sectores ou em outras regiões. Há que interpretar os resultados regionais e sectoriais, extraindo a tendências e as estruturas emergentes da configuração do Poder global, para realizar uma análise final e não cair no erro de marcar os resultados num tabuleiro ou de realizar um somatório de avanços e recuos, ou de vitórias e de derrotas.
 
A grande maioria dos analistas de esquerda sustêm que na década passada os USA sofreram importantes derrotas diplomáticas, militares e económicas e que no presente enfrentam uma séria concorrência, um bloco de competidores mais fortes e estruturados e que a probabilidade de novas e desastrosas derrotas militares são evidentes. A evidência desta análise parece ser redundante, se atendermos á invasão no Iraque a outras aventuras militares norte-americanas.
 
A guerra do Iraque representou um preço demasiado elevado para a economia dos USA, incrementou as despesas militares e os deficits da balança comercial, para além de ter diminuído os níveis de vida dos norte-americanos, sem trazer grandes benefícios externos, o mesmo acontecendo com a invasão ao Afeganistão. A agressão á Líbia causou a destruição da mais próspera economia do Norte de África, a desintegração do Estado e a destruturação da sociedade líbia, não resultando em benefícios para os USA, ficando o gás e o petróleo líbios mais onerosos, porque maiores são os custos de operação num país em guerra. Beneficiaram, em última analise, é certo, os sectores da indústria de segurança (serviços e equipamento). O mesmo é válido na agressão á Síria.
 
As guerras imperialistas levadas a cabo pelos USA causaram o descalabro económico, a instabilidade política, mas sem ganhos militares evidentes para o Imperio, segundo esta análise (alguns caem na fantasmagórica visão direitista e no fundamentalismo conservador, afirmando que quem ganhou foi o “fundamentalismo islâmico”, manifestando uma completa ignorância das turbulentas dinâmicas do mundo islâmico e do mosaico da Ásia Ocidental e das suas relações com o Ocidente, e com o Norte de África através do Mediterrâneo).   
 
Tudo isto parece acertado, se caminharmos sobre as evidências da linearidade do presente, esquecendo a irregularidade do passado, ou transformando os ciclos históricos em linhas rectas. O que falta no acerto desta visão é um factor relacionado com a esfera central de Poder nos USA: o mecanismo de reprodução das elites, um factor inerente á dinâmica interna. A ausência deste factor, na análise da grande maioria da bem pensante esquerda, não é uma questão ideológica (apenas), mas uma falha na interpretação e na leitura (um “esquecimento”, talvez porque muita da esquerda tem vergonha destas referências e demonstra um pudor relutante em referir a guerra de classes). São ilusórias formulações de quem assumiu o seu lugar na História: o de mero assento parlamentar (não menosprezando a importância do cargo de representante do povo, ou da nação, conforme o discurso e a circunstância), o de deputados que devido ao lugar em que se sentam, para observarem a mesa da Assembleia, têm de virar o pescoço para o lado direito.
 
Claro que existe, também, uma pequena maioria, á esquerda, com muito menos expressão e audiência, que faz o oposto, caindo numa realidade virtual que apenas existe no seu quarto de adolescente. O mesmo tipo de erro (mas pela via e argumentação oposta) é feito pela direita e pelos fazedores de opinião barata, na indústria mediática e pelos obtusos analistas políticos, militares e económicos das “altas esferas”, que teimam apenas em ver uma realidade parcial (ou uma ilusão opiácea), muitas vezes criadas nos corredores mediáticos ou nos gabinetes do Poder.
 
As novas elites em formação nos USA e as actuais elites dominantes transformaram os palcos internos e externos dos USA num palco único de conflito. Como não há uma definição no Poder Central, não são os interesses do Imperio que interessam (porque o interesse nacional é sempre o interesse da elite dominante), mas os interesses das elites em confronto. E se os palcos de confronto foram transformados num palco único (na História dos USA é a segunda vez que acontece: a primeira foi a Guerra Civil, no século XIX), tal deve-se a um factor provocado pela dinâmica externa: a deslocação do centro financeiro (ou seja, as elites imperiais do Capital, tentam gerir as ruinas do Imperio, mas em função da reprodução dos interesses do Capital, deslocando os factores embrionários do imperialismo, para uma região onde justifique centralizar os mercados e redefinir os mercados periféricos).
 
Na Ásia, a China consolida e expande os seus vínculos económicos, reposiciona a economia asiática no Mundo, através da sua expansão económica no continente, enquanto os USA centram-se principalmente em redor dos assentamentos militares no Japão, Coreia do Sul, Indonésia, Austrália e Filipinas. Para os mais incautos isto representará a bussola da deslocação. Mas é bom lembrar os incautos e os apressados (á esquerda, á direita e ao centro e aos que se consideram – por teimosia, por credo, ou por acefalia – outsiders e “independentes”) que os movimentos de expansão da China, que provocam a expansão económica da Ásia, pertencem, afinal, á esfera dos mecanismos de reprodução de capital dos USA. E como? Ao financiar o déficit da balança comercial norte-americana, revitalizando a economía dos USA. E porquê? Porque ao transformar-se numa sociedade assente na macroeconomia capitalista (em função das politicas de desenvolvimento) a China representa o parceiro perfeito, para que o Capital possa (como aconteceu na fase de transição entre a I e a II Guerra Mundial, em que a sede financeira foi transferida da Grã-Bretanha para os USA), redefinir um longo ciclo de criação de periferias e um longo ciclo de transição que possa melhor definir os novos mercados centrais, em função não dos níveis de produtividade (resolvidos pela panaceia tecnológica), mas dos níveis de consumo.
 
África é um excelente exemplo desta realidade. Neste continente as forças militares norte-americanas levam a cabo operações de promoção de conflitos armados, de intensificação da instabilidade e do estabelecimento de novas realidades fronteiriças e administrativas. Quem financia os custos destas operações? Os capitalistas asiáticos, através dos grandes investimentos estratégicos nas infraestruturas africanas, recolhendo os benefícios da expansão dos mercados, para melhorem refinanciarem a economia central do Imperio (não são as suas reservas em dólares?)       
 
As estruturas fundamentais do imperialismo seguem intactas. A NATO amplia a sua lista de sócios e expande o seu campo de operações. A Aliança Trans-Pacifico (TPP) é liderada pelos USA, expandindo os seus sócios entre os países andinos e debilitando o MERCOSUL e a ALBA, que excluem Washington e procuram alternativas (ténues) á fórmula capitalista de desenvolvimento. A TPP é, assim, um balão de ensaio, que tem como objectivo testar as novas redes logísticas em função do Pacifico, onde o Atlântico perderá papel primordial, tornando-se um Oceano Receptor, e o Indico tornar-se-á um Oceano Intermediário, factores que serão determinantes na redefinição das periferias e na assunção das economias emergentes.
 
Não pega pois a história do capitalista anti-imperialista. Não existe (para infortúnio dos BRICS e dos restantes emergentes)! È que por detrás do Imperio está o Capital, que assenta as suas bagagens na capital do Imperio do Capital.
 
PS: Acabei de escrever estas linhas no momento em que foi anunciada a morte do Madiba. Pelo seu papel fundamental no derrube do apartheid racial na África do Sul, pela sua importância para África e pela sua memorável personalidade e incontornável vitalidade, deixo os meus pêsames aos povos do arco-íris sul-africano. Porque, afinal, Mandela também tem um papel fundamental na manutenção do apartheid social e na situação de subserviência do continente africano, deixo aos seus partidários acríticos as palavras acima escritas.
 
Imagem: Salvador Dali
 
Fontes
The Guardian November, 21, 2013
The Guardian June, 06, 2013
The Washington Post, June, 06, 2013
 

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