Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
Cavaco, abençoado
seja, é um grande e inesgotável tema de comentário. Mas apresenta dificuldades:
manter um registo publicável num jornal e atualizada a lista de todas as suas
piruetas, contradições, sonsices e patifarias.
Temos pois agora o
não envio do OE 2014 para fiscalização da constitucionalidade: num dia diz que
é fundamental evitar novo resgate (ele que nada fez para evitar o primeiro) e
portanto a possível desconformidade do orçamento com a lei fundamental que se
coiso; no seguinte, que "tem pareceres" certificando que as normas
constantes do orçamento não são inconstitucionais. Realmente, para que
precisamos de um Tribunal Constitucional? Era o Presidente divulgar os seus
pareceres e ficava tudo esclarecido - a começar pelo quesito de saber quem os
assina, já que o que apareceu anteriormente lá dos juristas de Belém é pouco
parecido: "Quem tenha um nível de rendimento menor pode vir a ser
obrigado, em razão do seu estatuto de funcionário público, a fazer um esforço
contributivo sensivelmente maior do de quem tenha um nível de rendimento
superior, importando aferir se, nestes cenários de desigualdade, o referido
esforço contributivo é ou não excessivo, o que envolve a submissão da mesma
norma a um teste de proporcionalidade." Isto é, imagine-se, do seu pedido
de fiscalização do OE 2013. Portanto, em janeiro de 2013, os
"pareceres" de Belém achavam que tirar uma parte do subsídio de
férias - 220 euros - a um ordenado de 700 euros de um funcionário público só
por ser funcionário público suscitava dúvidas quanto aos princípios da
igualdade e proporcionalidade; em janeiro de 2014, tirar 313,6 euros anuais
(3,2%) ao mesmo ordenado não faz duvidar de nada.
O mesmo quanto ao
corte nas pensões de sobrevivência: em janeiro de 2013, Belém via "a lesão
do princípio da proteção da confiança" em reduções (a Contribuição
Extraordinária de Solidariedade) que "frustram de forma súbita, em muitos
casos exorbitante e carente de fundamento constitucional, as legítimas expectativas
dos pensionistas em auferirem uma pensão cujo valor efetivo não se afaste
excessivamente do valor esperado e calculado". Em novembro de 2013,
indignava-se com o diploma da convergência, que incluía cortes de 10% em
pensões de sobrevivência da CGA. Em janeiro de 2014, népias.
Pode o PR ter
mudado de juristas? Pode, claro. Pode até ter pedido em novembro a fiscalização
de um diploma cujo chumbo obriga já a um orçamento retificativo, para nem mês e
meio depois frisar que "o OE 2014 é um instrumento da maior relevância"
para evitar novo resgate e "se exige a todos" (juízes do TC
incluídos, naturalmente), "um sentido patriótico da
responsabilidade". Quer dizer: Cavaco pode tudo, parece. É mesmo isso,
quer parecer, que está decidido a provar - que é possível aparecer-nos um Presidente
assim, e restar-nos esperar que passe.
Leia mais opinião
relacionada em Página Global
Sem comentários:
Enviar um comentário