Eduardo Guimarães –
Blog da Cidadania (com fotos)
Confesso que senti
medo ao sair de casa no sábado para cobrir a Marcha da Família Fascista que
ocorreu em São Paulo e que você, leitor, entre incrédulo e estupefato irá
conferir no texto, nas fotos e no vídeo (ao fim do texto) que este post contém.
Meu medo tinha duas
origens, uma subjetiva e outra objetiva. A subjetiva, por ver ocorrer de novo
em meu país uma demonstração tão grande de selvageria, de egoísmo e de um
desprezo surreal pela democracia. A objetiva, por medo de ser reconhecido pelos
fascistas.
A necessidade de
denunciar toda a loucura que sabia que encontraria, porém, falou mais alto.
Caminhei pelos
corredores da estação do metrô próxima de casa como quem caminha para o
cadafalso. Inconscientemente – depois me dei conta –, decidi passar primeiro na
marcha antifascista que ocorreria na Praça da Sé.
Foi a forma que
encontrei de postergar o sofrimento que me impus.
Na Sé, encontrei
menos gente do que esperava – cerca de 300 pessoas. Porém, depois a marcha
antifascista superaria a fascista em número.
A fauna
antifascista era a esperada. Antigos militantes de esquerda, estudantes, black
blocs, sindicalistas, intelectuais.
Se não fosse um
episódio que me fez criar coragem para ir logo à marcha fascista, teria ficado
até menos tempo. Não havia nada para ver lá que já não conhecesse e eu queria
era novidade. Como dizem, o cachorro morder o homem não é notícia; notícia é o
homem morder o cachorro.
Mas houve um
episódio digno de nota, sim.
Uma mulher da
marcha fascista foi até a marcha antifascista para provocar. Um estudante
discursava contra a ditadura quando ela, aos berros, passou a acusar a
manifestação adversária de querer transformar o Brasil em Cuba.
Vendo que dali em
diante só seria dito naquela manifestação o racional, tomei o caminho da Praça
da República para cumprir a missão que me impus.
Chego à República.
Os malucos estão diante do Colégio Caetano de Campos. Muita polícia. Umas dez
vezes mais do que na marcha antifascista. Depois descobriria que os fascistas
convocaram a PM para ir em peso “protegê-los”.
Mais tarde, veria
cenas de confraternização entre a PM e os organizadores da marcha fascista.
Conversavam ao pé do ouvido e trocavam informações. Vi um oficial falando ao
rádio e passando informações a um dos organizadores fascistas.
A primeira cena
bizarra que vi na marcha fascista foi justamente a que justifica esse adjetivo
para aquela gente. E quando digo que justifica, justifica mesmo. Confira por
que na foto abaixo.
Quem segurava
cartaz dizendo “Salve o fascismo era uma garota de cerca de vinte anos,
magricela, alta, cheia de piercings no rosto. Travei com ela o seguinte
diálogo:
– Vocês defendem o
fascismo?
– Sim, defendemos o
fascismo.
– O que é o
fascismo?
Nesse momento, a
garota me afastou com o braço, deu-me as costas e sumiu na multidão.
Caminho mais um
pouco por aquele hospício e encontro um jovem de uns 30 anos, talvez. Sua
manifestação você pode conferir na foto abaixo.
Novamente, cumpro a
pena que me impus e vou falar com ele.
– Você pode me
explicar essa questão da “intervenção militar”?
– Sim. Intervenção
militar é garantida pela Constituição Federal. É um recurso para derrubada de
presidente e é o que a gente está pedindo (…)
– Derrubar
presidente é permitido pela Constituição?
– Sim, pela
Constituição Federal.
– Tem algum artigo,
alguma coisa…?
– Artigo primeiro e
artigo, se não me engano, 42…
Reproduzo, abaixo,
o artigo 142 da Constituição de 1988, ao qual o indivíduo se refere:
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Art. 142. As Forças
Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na
hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
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Como se vê, não há
nada, absolutamente nada nesse texto que autorize a derrubada de um governo
pelas Forças Armadas. Muito pelo contrário: o texto constitucional diz que
essas Forças devem defender os poderes constitucionais, não derrubá-los.
Vendo a falta de
futuro também nessa conversa, vou à próxima.
Uma mulher de
meia-idade segurava um cartaz interessante.
Pergunto à
portadora do cartaz dizendo “Saímos do Facebook. Hahaha” o que o seu movimento
pretende. Resposta: “Eu pretendo acabar com o PT”.
Hospício é assim:
cheio de complexos de Napoleão.
Vejo, ao lado,
alguém que me parece menos delirante. Outro homem de meia-idade, mas parecendo
um pouco menos alucinado. Vejamos o diálogo.
– O que seria
“intervenção militar”?
– É, talvez, um
governo militar…
– Mas intervenção
quer dizer que eles vão intervir em alguma coisa.
– Se for
necessário, sim (…)
– O senhor acha que
alguma coisa assim aconteceria nos Estados Unidos, por exemplo?
– Não entendi…
– Por exemplo: se
alguém quiser derrubar o governo dos Estados Unidos, o que acontece? Se um
cidadão pegar e for pra rua e disser “Olha, vou derrubar o governo Obama”, o
que acontece? Acho que vai pra Guantánamo, não?
– Não sei… Não sei
o que aconteceria lá, porque lá a democracia é pra valer, né?
– Lá não pode pregar
“intervenção militar”, certo?
Já estava começando
a me sentir meio maluco, também. Porém, a preocupação diminuiu porque aquele
bando de doidos decidiu marchar. Conforme foram deixando a praça, começam os
berros: “Fora, PT! Fora, PT!”.
Menos mal. Fora PT,
fora Dilma, fora Lula é direito deles pedir.
Ou não?
Seja como for,
pareceu-me menos maluco do que os diálogos que acabara de travar. Contudo, o
surrealismo não tinha terminado.
Alguns metros mais
e vejo uma cena ainda mais inusitada: dois rapazes de batina começam a rezar e
logo a multidão toda abandona o “fora, PT” e se junta a eles.
Aproximo-me dos
“padres” para saber se eram mesmo religiosos ou se estavam apenas fantasiados.
– Vocês são padres
mesmo?
– Seminaristas.
(…)
– Vocês apoiam a
“intervenção militar”?
– Se for a solução.
– Vocês apoiam um
golpe militar?
– Se for a solução,
mas não chamaria um golpe. Chamaria (…) de parar o governo para voltar ao
início, aonde começou o erro.
(…)
— Mas você, um
religioso… Você ficou sabendo de torturas, de assassinatos que a ditadura
cometeu?
– Infelizmente
fiquei sabendo, sim. Mas tem contrapartes (…)
– Mas você apoia
que o Estado brasileiro torture pessoas, mate…
– Jamais.
– Mas foi o que
aconteceu. Foi isso que a primeira marcha fez.
– Não foi cem por
cento e não foi a marcha (…)
– Mas foi uma
ditadura que durou vinte anos, em que mulheres foram estupradas diante dos
maridos…
– O senhor está
olhando só o lado negativo (…)
Sem entender como
pode haver algo positivo em um regime que torturava, estuprava e assassinava
pessoas, troco mais algumas palavras de cortesia e me mando de perto de quem,
talvez, fosse o mais maluco, ali…
Enquanto tento
fugir do hospício por alguns momentos para recuperar o fôlego – ou a razão – a
tropa enlouquece de vez. Para de rezar e começa a berrar: “Ô Dilma, safada! Ô
Dilma, Safada!”.
Juro que saí
correndo. Ultrapassei a manifestação e dela me afastei até que não estivesse
tão próxima. Sentei-me em uma mureta, pus o rosto entre as mãos, respirei fundo
e disse a mim mesmo: você vai até o fim.
E lá fui eu.
Mas precisava de um
pouco de sanidade. Via que as pessoas às portas dos comércios que não tinham
fechado pareciam embasbacadas vendo aquele bando de doidos. Escolhi uma senhora
e uma jovem à porta do metrô Anhangabaú que, aparentemente, estavam juntas.
Já orava por não
ouvir mais maluquices. Não sei se Deus estava na manifestação, mas Ele me
ouviu.
– O que vocês acham
da proposta de uma “intervenção militar” no Brasil?
– Intervenção
militar no Brasil – repete a senhora, fazendo um ar grave.
– É o que eles
estão pedindo. Estão pedindo uma “intervenção militar”, ou seja, igual à que
foi feita em 1964, quando os militares derrubaram o Jango Goulart.
– É, e eles
governaram o Brasil, né?
– Por vinte anos…
– Não, isso não!
Não!
A jovem entra na
conversa: “Isso é um absurdo”.
Resolvi ficar com o
pouco de lucidez que tinha. Dali, parei a entrevista e fui caminhando
calmamente para a praça da Sé, junto com os fascistas. Mas sem falar com mais
ninguém.
Quando chegamos à
Sé, sinto-me culpado. Estava ali para ouvir os doidos. Tinha que prosseguir.
Tentei fazer mais
algumas entrevistas, mas ao chegarem lá os fascistas pareceram ter ficado mais
arredios.
Naquele momento,
começa uma correria. Fui atrás. Os PM’s cercaram uma loja de eletrodomésticos
onde manifestantes antifascistas se abrigaram. Pelo que pude entender, em meio
à confusão, tinham ido devolver provocações e começou uma briga.
A PM controla logo
a confusão. Volto para perto do protesto fascista, que agora jazia aos pés da
Catedral da Sé.
Aproximo-me de uma
senhora com o rosto pintado de verde e amarelo. Começo a falar, mas ela não
responde. Fica me olhando longamente. De repente, começa a gritar e apontar
para mim: “Blogueiro do PT! Blogueiro do PT! Cuidado, blogueiro do PT!”.
Fiquei sem ação por
alguns segundos, mas logo notei três homens corpulentos que comentaram algo
entre si e começaram a caminhar em minha direção. Eram enormes. Um deles,
completamente careca. Não tinham cara de quem vinha pedir autógrafo.
Comecei a me
afastar lentamente. Dei as costas à manifestação e apressei o passo. Olho para
trás e vejo os três homens ainda vindo em minha direção. E também apressando o
passo. Começo a correr. Olho para trás e eles estão correndo também.
Chego à escadaria
do metrô antes deles. Ao passar pelos seguranças, eles desistem. Desço afobado
a escadaria e passo como um raio pela catraca.
Estou no trem.
Escrevo no Facebook a perseguição. Ainda contaminado pelos psicopatas, achei
que se me pegassem na saída do metrô pelo menos as pessoas saberiam onde e como
eu fora trucidado.
Enquanto me dirijo
para casa, a frase que escrevi após ser perseguido no hospício em que os
fascistas transformaram São Paulo não me sai da cabeça: que merda é essa que
estão fazendo com o nosso país?
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