Para integrante da
UNEAFRO, "o racismo é a marca do governo Alckmin". O estado de SP é o
mais atrasado em adotar cotas raciais nas universidades estaduais
Natália Natarelli –
Carta Maior
Em 7 de julho de
1978, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU) convocou
um ato contra o racismo em frente às escadarias do Teatro Municipal, em São
Paulo. O protesto se deu em resposta à discriminação sofrida por quatro meninos
negros do time infantil de vôlei do Clube de Regatas Tietê e à prisão e tortura
de Robson Silveira da Luz, um feirante negro de 27 anos, acusado de roubar
frutas em seu local de trabalho. Levado para o 44º departamento de polícia de
Guaianazes, zona leste de São Paulo, foi torturado e morto por policiais
militares.
Passados 36 anos, o movimento negro continua lutando contra o racismo e a
desigualdade existente no Brasil. Em alusão aos acontecimentos de 1978, a
Frente Pró-Cotas Raciais Estadual de São Paulo voltou a ocupar os arredores do
Teatro Municipal nesta sexta-feira, 21 de março, dia internacional de luta pela
discriminação racial. Ao som de Racionais MC’s, o ato convocava as pessoas a
assinar o Projeto de Lei de iniciativa popular por cotas raciais nas
universidades públicas paulistas (USP, UNESP e Unicamp).
São necessárias 200
mil assinaturas no estado de São Paulo para que o projeto entre na pauta da
Assembleia Legislativa. A iniciativa da “Frente” existe porque o tema das cotas
raciais avançou no país inteiro, mas não em São Paulo. “O racismo é uma marca
do governo Alckmin. O estado de São Paulo é tradicionalmente marcado pelo
racismo e pelo conservadorismo, pela própria natureza de sua construção, por
ser o pólo econômico principal do país. O Alckmin radicaliza isso quando ele,
por um lado, diminui as condições de oportunidade, de acesso a direitos pela
população negra como um todo, e inclusive, o acesso à universidade”, diz
Douglas Belchior, integrante da UNEAFRO, uma das entidades que compõe a “Frente”.
Em 2013, o governo
de São Paulo apresentou um projeto de inclusão chamado Programa de
Inclusão com Mérito no Ensino Superior Paulista (PIMESP) que previa a
reserva de 50% das vagas para alunos oriundos de escolas públicas e, dentro
desse percentual, 35% de vagas para pretos, pardos e indígenas
(PPI’s). Entretanto, esses alunos não iriam direto para o ensino superior
numa das três faculdades públicas do estado (USP, UNESP e Unicamp), mas teriam
que fazer dois anos de estudos obrigatórios (semipresenciais) para só depois, a
depender do seu bom desempenho, ingressarem na universidade. O projeto gerou
polêmica e a proposta foi rejeitada devido à pressão do movimento negro.
Mas a luta por
cotas continuou. O projeto de lei proposto pela “Frente” é, inclusive, mais
avançado do que o existente nas universidades federais. “O nosso projeto
pressupõe 25% de cotas para negros autodeclarados, mais 25% para alunos de
escola pública independente da origem étnica, com recorte de renda, e mais 5%
para pessoas com deficiência. Ou seja, significa 55% de cotas, que incide sobre
100% das vagas. A cota federal estabelece cotas para estudantes de escola
pública. Não é cota racial. O que vem primeiro: 50% de cota para estudante de
escola pública. Os outros 50% continuam sendo vagas do vestibular. Desse
montante de escola pública, 37% é para negros, no estado de São Paulo. No final
das contas, o percentual de negros é de 17%, porque são 37% em cima da metade
das vagas. Então, é uma proposta importante, no contexto geral, para a luta
histórica, mas ainda está aquém do que o movimento negro reivindica. A
universidade precisa reproduzir em seu interior o que a sociedade tem aqui fora
e a sociedade brasileira é composta por maioria de população negra. É uma
questão de justiça”, comenta Belchior.
Ampliar o acesso
dos negros na universidade também ajuda a começar a mudar o quadro da enorme
desigualdade que existe no Brasil entre negros e não-negros. “O acesso à
universidade e à produção de conhecimento significa o empoderamento da
população negra. Infelizmente o vestibular é um grande funil social que impede
que pobres, pretos, periféricos acessem esse espaço de produção de
conhecimento”, disse Joselicio Jr, o Juninho, do Círculo Palmarino.
O ato também contou com a presença de militantes de outros países, como a
colombiana Ofir Muñoz Vásquez da Asociación Casa Cultural El Chantadino de
Cali. Em sua fala, explicitou que a luta pelo racismo é internacional e que os
mesmos casos que acontecem aqui se reproduzem em outros lugares. Na sua cidade,
Cali, a única universidade pública possui apenas 4% de cotas para
afrodescendentes e indígenas e mesmo que os negros entrem na universidade,
poucos conseguem se formar por falta de assistência estudantil. “Em Cali, nós
também estamos lutando para ter melhores condições de vida, porque não queremos
mais sobreviver. Queremos viver. E o racismo é o centro disso. Mesmo que digam
que não há raças, que somos todos seres humanos, a cor da pele é levada em
conta para o acesso à universidade e para ter um emprego. E nós, mulheres,
ainda lutamos no movimento negro e lutamos também como mulheres”, completou a
colombiana.
O objetivo da Frente Pró-Cotas Raciais, a partir deste ato, é continuar com a
coleta de assinaturas pela cidade e conseguir cada vez mais apoio de movimentos
sociais diferentes, que entendem que a luta do movimento negro é uma luta
coletiva por igualdade. A expectativa é conseguir as 200 mil assinaturas até o
final deste ano.
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