quarta-feira, 12 de junho de 2024

Portugal | A riqueza do país já está bem distribuída?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

De repente nasceu esta tese quase unânime entre comentadores de atualidade política portuguesa: os resultados das eleições europeias em Portugal, ao confirmarem, três meses depois das legislativas, uma grande divisão do eleitorado português, colocando quase empatados os dois maiores partidos, PS e AD, resultam numa situação política que obrigará o primeiro-ministro Luís Montenegro e o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, a entenderem-se.

Pululam mesmo as interpretações de que a declaração de Montenegro, na noite eleitoral, a manifestar o apoio do governo da AD à candidatura do socialista António Costa à presidência do Conselho Europeu, seguida da resposta agradecida de Pedro Nuno, que adiantou que não seria o seu partido a contribuir para a ingovernabilidade do país, confirmam essa tese.

Para estes analistas isto significa que os dois maiores partidos devem negociar entre si e chegar a acordo em matérias como o Orçamento do Estado para 2025, justiça, imigração, corrupção, os novos nomes para o Conselho de Estado, Procuradoria-Geral da República e Conselho Económico e Social - e, de facto, este namoro teve ontem mais um episódio com o anúncio pelo governo de Luís Paes Antunes como candidato para a presidência desse CES, aparentemente com o acordo do PS.

Note-se como, de repente, parecem estar afastadas destes encenadores políticos as questões sociais, os aumentos salariais, as reduções de impostos, as revoluções “em 60 dias” de não sei quantas áreas, o bodo aos pobres que se prometera distribuir, a reestruturação do Serviço Nacional de Saúde – tudo isso, agora, não interessa nada.

Note-se como as preocupações desta hipotética governação de “centrão” informalmente renascida parece tornar secundário os processos reivindicativos de polícias, guardas, médicos, oficiais de justiça, professores (23 mil ficaram de fora do acordo que uma parte dos sindicatos assinou com o ministro da Educação) e tantos outros setores de atividade.

Note-se como mesmo antes das eleições europeias o prestimoso governador do Banco de Portugal, o socialista Mário Centeno, o antigo campeão das cativações, veio avisar que com as novas regras europeias que entram em vigor para o ano (e que PS e AD, como sempre, apoiaram) Portugal entra imediatamente em incumprimento e, portanto, vamos outra vez para a era do “olhe, não há dinheiro, não está a perceber?!”.

Note-se como, de repente, passou a ser pecado falar do superavit das contas do Estado português.

Note-se como até a verbosidade do Presidente da República limita agora o discurso público relevante à pressão para a aprovação do Orçamento do Estado.

Comparemos, por exemplo, o discurso do Chefe de Estado no Dia de Portugal deste ano (“que este 10 de Junho sirva para dizer que tragédias como a 2017 nunca mais”), com, por exemplo, o discurso do ano passado (“não podemos desistir nunca de criar mais riqueza, mais igualdade, mais coesão, distribuindo essa riqueza com mais justiça”) e constate-se a diferença do tipo de preocupações manifestada... 

...por acaso a “distribuição justa da riqueza” sublinhada por Marcelo há um ano já foi alcançada e, por isso, já não vale apena lançar para debate?

É para mim evidente que há uma elite que procura garantir que a classe política e a opinião pública portuguesas voltem a um estado de adormecimento conformado que permita prosseguir políticas que poderão ter os seus méritos económicos e geoestratégicos para quem domina, mas que não têm mérito algum para quem é desfavorecido, para quem vive de um salário e para quem anseie pela paz. Se o PS embarcar neste esquema volta, mais uma vez, a trair-se a si próprio.

* Jornalista

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