José Goulão – Jornal de Angola, opinião
Estendeu-se por um
quarto de século o período de unipolaridade – e impunidade – na cena mundial
proporcionado pela queda do Muro de Berlim e a implosão da União Soviética Muros
conservaram-se, outros reforçaram-se, alguns nasceram e crescem desde que,
violando a Carta das Nações Unidas, os Estados Unidos cometeram a primeira
invasão do Iraque, em 1990, à frente de um rebanho de nações submissas.
Mas esta semana a situação alterou-se qualitativamente.
Pela primeira vez nos últimos 25 alguém disse “basta!” ao império e seus
servidores, sendo que estes não sabem o que fazer entre ameaçar grosso e
sancionar fininho – é arriscado apertar muito a economia dos outros porque no
estado em que está a própria o efeito de boomerang pode ser devastador.
Durante as últimas duas décadas e meia o império inventou e cultivou inimigos
de que se foi servindo e com os quais foi colaborando à medida da estratégia
que tem como único fim fazer guerras para dividir e ocupar – directamente ou
por interpostos gendarmes – de modo a reinar e explorar à vontade. Da cartola
dos inimigos, alguns dos quais também às vezes bons amigos, foram saindo Bin
Laden, os talibãs, Saddam Hussein, o terrorismo islâmico em geral, as mil e uma
caras da Al Qaeda, os ayatollahs do Irão, Bachar Assad, Muammar Khaddafi,
Milosevic... a lista podia ser alongada mas não vale a pena.
Agora a coisa fia mais fino. Da sepultura da União Soviética, restaurados que
estão os ademanes czaristas num sistema bem mais monárquico do que muitas
monarquias que dizem sê-lo, surge o primeiro inimigo que efectivamente o é. Não
aquele que se usa na propaganda para justificar o expansionismo aqui ou ali,
conforme as conveniências de recursos e riquezas naturais, mas o que resolveu
dizer “parem aí, porque daí para cá mandamos nós”. E o império unipolar estacou
perante uma alteração de fronteiras feita por outrem que não ele. Que
atrevimento!
Aumentaram os riscos de as guerras regionalizadas se irem fundindo numa única
de vastidões imprevisíveis? Provavelmente. Mas apesar de os que se definem como
faróis da democracia terem proporcionado o regresso de nazis ao governo de um
país europeu, reflictamos de modo a que os paralelismos não se fiquem na década
de trinta do século passado.
A situação económica mundial já o vinha indiciando, mas as crises síria e
ucraniana revelam que a alteração da relação de forças entre as facções
mundiais de poder entrou pelos campos geoestratégico e militar.
A existência de um regime económico dominante planetário, num estado
supremo de arbitrariedade, não esbate as contradições, pelo contrário
agudiza-as num nundo onde a bolha especulativa asfixia a produção de verdadeira
riqueza, onde os espaços de recursos naturais, de fontes de energia e
alimentares, de mão de obra barata ou mesmo escrava não coincidem com os de
grande consumo, tradição exportadora e poderio político imperial – colonial ou
neocolonial.
Não estamos perante um conflito ideológico entre sistemas sociais que se opõem.
O capitalismo reina com poder absoluto no mundo mas os interesses cada vez mais
antagónicos, letais até, corroem-no por dentro. O monstro já não tem apenas uma
cabeça. Há exactamente um século, numa fase bem mais recuada do capitalismo, a
Primeira Guerra Mundial foi travada entre impérios que transformaram as suas
disputas de interesses na chacina de milhões de seres humanos, já derrotados à
partida porque entre eles não existiam motivos de conflito, antes razões de
convergência contra os que, um de um lado e de outro, os mandavam matar-se.
Lembrem-se disto.
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