Paulo Ferreira –
Jornal de Notícias, opinião
É preciso dar
graças a Deus por não termos em Portugal uma extrema-direita suficientemente
estruturada, coisa para nos enegrecer ainda mais os dias, se é que isso é ainda
possível.
Olha-se para França
e aprende-se: a conjugação das crescentes dificuldades do cidadão anónimo com
um lifting semântico profissionalmente levado a cabo pela senhora Marine Le Pen
alcandorou a Frente Nacional até a um ponto há muito poucos anos inimaginável.
Olha-se para o resto da Europa e repara-se: da Finlândia à Grécia, passando
pela Noruega e pela Dinamarca, pela Holanda e pela Itália (só para citar alguns
exemplos), o fenómeno extremista cresce, sempre alimentado pelo imparável
descontentamento de um eleitorado que perdeu o que se julgava ser a âncora dos
sistemas democráticos: a crença de que no centro está a virtude.
Há um dado novo - e
perturbante - nesta equação. E, curiosamente, ele não vem do lado dos partidos
que vivem nos extremos. Esses sempre espetaram as suas bandeiras nos imigrantes
que tiram emprego aos locais, nos preguiçosos que não sabem fazer mais nada
senão viver à custa do Estado, que sorve cada vez mais impostos a quem trabalha
para sustentar quem supostamente não quer trabalhar. A novidade está no facto
de os governos europeus continuarem a entregar de bandeja um novo e poderoso
argumento aos partidos extremistas: ao esgadanharem o Estado social até dele
sacarem o último euro possível, os partidos do chamado arco do poder atiram-se
de cabeça para o abismo e, ao fazê-lo, deixam espaço político livre a quem está
nos extremos. O poder, como se sabe, é avesso ao vazio - e o vazio está a ser
ocupado rapidamente por gente indesejável, digamos assim.
Há uma espécie de
complexidade crescente no tabuleiro político europeu. Onde o Estado social
recua, avançam as forças extremistas. E esse avanço obriga a viragens mais ou
menos liberais que, no meio do desespero, apenas agudizam o problema.
Voltemos ao caso
francês. Quando o PSF se colocou à frente da batalha em defesa do Estado
social, ganhou. Quando começou a desmantelá-lo, perdeu (e de que maneira!).
Quer isto dizer que o Estado social é intocável? Nada disso. Quer dizer - e os
factos provam-no à saciedade - que os vários governos europeus não têm tido
arte nem engenho para lhe mexer com cuidado e contenção, com equilíbrio e
justiça. Não é isso que, em Portugal, o presidente da República quer dizer
quando assinala que está na altura de pedir mais sacrifícios a quem mais pode?
A circunstância de
a economia portuguesa dar sinais de retoma não deve aliviar-nos a alma. Mesmo
que a recuperação se torne efetiva mais depressa do que o esperado, a
destruição deixada pelo vendaval económico e financeiro dos últimos anos é
pasto muito fértil para partidos irmãos da Frente Nacional. É uma má notícia.
Convém não a esquecer.
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