quarta-feira, 2 de abril de 2014

ESTADO SOCIAL E EXTREMA DIREITA



Paulo Ferreira – Jornal de Notícias, opinião

É preciso dar graças a Deus por não termos em Portugal uma extrema-direita suficientemente estruturada, coisa para nos enegrecer ainda mais os dias, se é que isso é ainda possível.

Olha-se para França e aprende-se: a conjugação das crescentes dificuldades do cidadão anónimo com um lifting semântico profissionalmente levado a cabo pela senhora Marine Le Pen alcandorou a Frente Nacional até a um ponto há muito poucos anos inimaginável. Olha-se para o resto da Europa e repara-se: da Finlândia à Grécia, passando pela Noruega e pela Dinamarca, pela Holanda e pela Itália (só para citar alguns exemplos), o fenómeno extremista cresce, sempre alimentado pelo imparável descontentamento de um eleitorado que perdeu o que se julgava ser a âncora dos sistemas democráticos: a crença de que no centro está a virtude.

Há um dado novo - e perturbante - nesta equação. E, curiosamente, ele não vem do lado dos partidos que vivem nos extremos. Esses sempre espetaram as suas bandeiras nos imigrantes que tiram emprego aos locais, nos preguiçosos que não sabem fazer mais nada senão viver à custa do Estado, que sorve cada vez mais impostos a quem trabalha para sustentar quem supostamente não quer trabalhar. A novidade está no facto de os governos europeus continuarem a entregar de bandeja um novo e poderoso argumento aos partidos extremistas: ao esgadanharem o Estado social até dele sacarem o último euro possível, os partidos do chamado arco do poder atiram-se de cabeça para o abismo e, ao fazê-lo, deixam espaço político livre a quem está nos extremos. O poder, como se sabe, é avesso ao vazio - e o vazio está a ser ocupado rapidamente por gente indesejável, digamos assim.

Há uma espécie de complexidade crescente no tabuleiro político europeu. Onde o Estado social recua, avançam as forças extremistas. E esse avanço obriga a viragens mais ou menos liberais que, no meio do desespero, apenas agudizam o problema.

Voltemos ao caso francês. Quando o PSF se colocou à frente da batalha em defesa do Estado social, ganhou. Quando começou a desmantelá-lo, perdeu (e de que maneira!). Quer isto dizer que o Estado social é intocável? Nada disso. Quer dizer - e os factos provam-no à saciedade - que os vários governos europeus não têm tido arte nem engenho para lhe mexer com cuidado e contenção, com equilíbrio e justiça. Não é isso que, em Portugal, o presidente da República quer dizer quando assinala que está na altura de pedir mais sacrifícios a quem mais pode?

A circunstância de a economia portuguesa dar sinais de retoma não deve aliviar-nos a alma. Mesmo que a recuperação se torne efetiva mais depressa do que o esperado, a destruição deixada pelo vendaval económico e financeiro dos últimos anos é pasto muito fértil para partidos irmãos da Frente Nacional. É uma má notícia. Convém não a esquecer.

Sem comentários:

Mais lidas da semana