PAULO
PENA - Público
Proposta dos
partidos do Governo, que vai a votos esta quinta-feira, levanta dúvidas de
constitucionalidade à Procuradoria-Geral da República e à Ordem dos Advogados.
Pacote de "reforma das secretas", afinal, vai ser debatido em
conjunto.
“Poder-se-á estar a
alargar um regime de segredo particularmente severo (…) a matérias que
simplesmente sejam desagradáveis a determinados interesses instalados e que
dessa forma possam ir contra o próprio funcionamento do Estado de direito.”
Esta é uma das várias críticas ao projecto- lei que altera as regras do segredo
de Estado, subscrito pelo PSD e pelo CDS, expressas num parecer da
Procuradoria-Geral da República (PGR), de 14 de Janeiro.
Ao longo de 29
páginas, o parecer da PGR apresenta várias “dúvidas sobre a legitimidade de
sujeitar a segredo de Estado matérias que, numa primeira análise, nada tenham a
ver” com o núcleo central de “segredos” a proteger. Isto porque a proposta dos
partidos que apoiam o Governo pretende alterar de uma forma radical a definição
do que deve estar protegido. E é isso que justifica estas preocupações da PGR:
a introdução de uma nova categoria, a dos “interesses fundamentais do Estado”.
“Consideram-se
interesses fundamentais do Estado os relativos à independência nacional, à
unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna e externa, à
preservação das instituições políticas, bem como os recursos afectos à defesa e
à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional e dos cidadãos
em Portugal e no estrangeiro, à preservação do ambiente, à preservação e
segurança dos recursos energéticos fundamentais, à preservação do potencial
científico e dos recursos económicos e à defesa do património cultural”,
pormenoriza o Projecto-lei nº465.
Também a Ordem dos
Advogados (OA) considera esta nova definição do que deve estar sujeito ao crivo
do segredo de Estado demasiado “vaga”. E perigosa… “O conceito vago e fluido de
'interesses fundamentais do Estado' (…) é modelável e varia ao sabor das
interpretações e das conveniências das maiorias políticas do momento”, lê-se
num parecer entregue ao Parlamento.
Quer a PGR, quer a
OA acreditam que, tal como está, este diploma corre o risco de ser
inconstitucional. Sobretudo porque deixa de exigir qualquer “fundamentação”
para a classificação de um documento, ou acto, como segredo de Estado.
Outro dos pontos
mais criticados – que também é proposto no diploma do PS – é a prorrogação, até
30 anos, da classificação. “Injustificado e manifestamente excessivo”, defendem
os advogados, “deveras excepcional”, aponta a PGR.
“O segredo de
Estado tem carácter excepcional face ao princípio da administração aberta e ao
direito à informação dos cidadãos”, enfatiza a Ordem. E esta alteração a um
diploma, que data de 1994, “aponta num sentido inequívoco, um alargamento
substancial dos poderes do Estado no acto de classificar matérias como
segredo”, sublinha a PGR.
Além das críticas
destes dois pareceres, também a oposição se manifesta surpresa com esta
proposta. O segredo de Estado é uma matéria que, tradicionalmente, motiva o
consenso dos dois maiores partidos. A lei actual foi aprovada pelo PSD, pelo PS
e pelo CDS. A única alteração posterior, tentada na maioria absoluta do PS, foi
vetada por Cavaco Silva.
Desta vez, o efeito
do “caso Jorge Silva Carvalho” parece ser evidente. Há uma disposição que
limita a defesa judicial que parece querer responder ao pedido, feito pelo
anterior dirigente do SIED, para que lhe fosse dada autorização para revelar
factos abrangidos pelo segredo de Estado. A PGR aponta esse risco. E o Conselho
Superior da Magistratura, noutro parecer, “sublinha que, todavia, a solução
estabelecida lhe parece susceptível de gerar dúvidas, estando em causa o
exercício do direito de defesa em processo-crime”.
Mais ou menos
duros, os pareceres criticam o “desacerto” e a “marca antidemocrática” (OA) da
proposta e avançam “sérias dúvidas de aceitação constitucional” (PGR) de alguns
dos seus artigos.
O PÚBLICO tentou
recolher, sem êxito, a opinião da primeira signatária desta proposta, a deputada
do PSD Teresa Leal Coelho. De acordo com a convicção de vários deputados, pode
ainda haver alterações, nos trabalhos da comissão parlamentar, que venham a
minorar estes problemas apontados.
Teresa Leal Coelho
vence uma batalha
Já existe um princípio de acordo entre os partidos para que todos os projectos
de reforma dos serviços secretos apresentados baixem à primeira comissão. Os
partidos da maioria tinham agendado para esta quinta-feira o debate de apenas
dois dos projectos-lei que constituem este pacote legislativo, aqueles que
mudam as regras do segredo de Estado. Porém, de repente, tudo mudou. Durante o
dia de terça-feira, a conferência de líderes decidiu levar ao plenário, no dia
17, todos os projectos, incluindo os que alteram a lei-quadro do Sistema de
Informações da República e a orgânica das secretas. Essa era uma velha batalha
da deputada do PSD Teresa Leal Coelho.
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