Baptista-Bastos –
Diário de Notícias, opinião (ontem)
Assunção Esteves
não permitiu que um representante dos capitães de Abril, acaso Vasco Lourenço,
falasse no Parlamento, durante as comemorações dos 40 anos da Revolução. E
acrescentou: "Se não quiserem estar presentes nas cerimónias, o problema é
deles." Em duas penadas, a presidenta da Assembleia da República reduziu a
subnitrato a imagem de simpatia que conquistara e arrogou-se o triste e
subalterno papel de recoveira do Governo.
Os capitães de
Abril irão falar cá fora, porventura nas escadarias do majestoso edifício,
certamente vigiados e mantidos por cordões de polícias de choque e afins. No
hemiciclo, ouvir-se-ão os discursos mais ou menos veementes dos partidos, e a
habitual prosa fúnebre dita pelo dr. Cavaco, escrita por outro.
Reconheço que nesta
ocasião autorizar a subida ao púlpito de um representante dos capitães é um
risco perturbador. O País está de pantanas; este Governo desgraça-nos e ao
nosso futuro; a população passa fome; os nossos miúdos vão para a escola em
jejum; os suicídios aumentam; e a democracia das incertezas, habitada por uma
dinâmica de divisão nacional, realiza o acelerado retrocesso civilizacional. O
caos instalado criou múltiplas tensões latentes ou declaradas, e percebe-se que
basta uma pequena faísca para se registar uma grande explosão.
Por outro lado,
impedir a fala a um homem que nos proporcionou a liberdade sem caução constitui
sinal de fraqueza do Executivo, cujos membros já só saem à rua rodeados de
"gorilas" e no meio de gritarias protestatárias que chegam a ser
assustadoras pela qualidade das indignações. O Governo, este, que induziu o
medo e o horror de viver nos portugueses, está, ele mesmo, cheio de medo, um
medo múltiplo e viscoso. Assunção Esteves foi outra das demonstrações desse
medo, lamentavelmente expresso por uma mulher que parecia
"disagionata" desta irracionalidade que nos está a dizimar. Ramalho
Eanes disse, há dias, na Gulbenkian que a fome, o desemprego, a indeterminação
estão a cindir a coesão nacional. As afirmações foram feitas num colóquio que
levara o título, tão absurdo como ardiloso, de "Valeu a pena o 25 de
Abril?", cuja natureza mais parecia destinada a esfolar a Revolução do que
a celebrá-la. Mário Soares insurgiu-se com o carácter subterrâneo da pergunta,
acentuando que "tudo no 25 de Abril valeu a pena." O "dia
inicial/ inteiro e limpo", de Sophia, continua generoso e até permite
acções tão perversas como a de Assunção Esteves ou a velhacaria do tema do tal
colóquio.
Da inutilidade
compacta do bate-papo na Gulbenkian à decisão repressiva da presidenta vai o
pequeno espaço do nada. Numa recente sondagem, regista-se que a Revolução de
Abril mais do que valer a pena foi o incidente luminoso de um novo tempo, que
ainda não terminou.
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