Tomás Vasques –
jornal i, opinião
Para descansar os
credores, só falta reduzir o leque a dois partidos políticos e, depois de
eleições, uni-los na governação, sob o alto patrocínio do senhor Presidente da
República
A degenerescência
do nosso regime democrático acompanha o empobrecimento generalizado, a perda de
direitos laborais e sociais, a decomposição das responsabilidades do Estado na
segurança social, na saúde e na educação dos cidadãos. A pluralidade de
opiniões políticas é apontada como um mal do regime; a luta política
contundente é considerada um obstáculo ao "interesse nacional"; a
mentira e a falácia tomaram conta do discurso político dominante. Sobretudo nos
últimos três anos ganhou espaço público um conjunto de ideias que em nada
destoariam na "cultura política" marcelista. Já há quem se incomode
pelo facto de concorrerem dezasseis partidos às eleições de 25 de Maio e
pergunte ao Tribunal Constitucional se muitos destes partidos têm direito a
existir. Para descansar de vez os nossos credores, só falta reduzir o leque a
dois partidos políticos e, depois de eleições, uni-los na governação, sob o
alto patrocínio do senhor Presidente da República - um homem que conviveu bem
com a "cultura" do Estado Novo. Teríamos, então, a "democracia
perfeita" em que muitos dos nossos actuais protagonistas políticos e
alguns cronistas e comentadores se sentiriam como peixe na água.
Para além da falta
de transparência e da opacidade do discurso do poder, chegando ao caricato de
negar um aumento de imposto no momento em que o anuncia, há um embuste,
repetido até à exaustão, para justificar o voraz empobrecimento destes três
anos, assente em duas premissas falaciosas. A primeira: que os portugueses
viviam acima das suas possibilidades; a segunda: que o governo socialista foi o
responsável por essa situação. Nem uma, nem outra correspondem aos factos. Esta
"interpretação da realidade" é cada vez mais desmentida,
inclusivamente a partir da própria nomenclatura burocrática da União Europeia.
É o caso de Phillippe Legrain, conselheiro económico de Durão Barroso, durante
três anos. Ele, em entrevista ao "Público", diz o elementar: a
ganância do sistema bancário está na origem da denominada crise das
"dívidas soberanas" e a senhora Merkel está na origem de uma solução "inepta,
errada, irresponsável e contraproducente", para utilizar as suas palavras.
A dívida privada dos bancos portugueses ultrapassava, antes desta crise, os
200% do PIB, enquanto a dívida pública se situava nos 67%, ao mesmo nível da
Alemã. E acrescenta: "as instituições europeias transformaram o que
começou por ser uma crise bancária, numa crise que dividiu a Europa entre
países credores e países devedores". Com as consequências que conhecemos:
austeridade, recessão, aumento descontrolado da dívida pública, miséria. É este
embuste que ainda hoje enlameia o discurso do poder e que vamos ouvir bastas
vezes durante este mês de Maio.
Outro grande
embuste, em que assenta o discurso do poder, é o sucesso do programa ciosa e
ideologicamente aplicado pelo governo português sob a direcção da troika de
credores. As metas fixadas no memorando inicial, sobretudo quanto ao défice
orçamental e à divida pública, foram todas largamente ultrapassadas. O número
de empregos diminuiu nos últimos trimestres, sinal de que a economia não está a
recuperar, sendo os números do desemprego real propagandisticamente disfarçados
com a imigração e com a classificação contabilística de "inactivos".
A economia e a maioria dos portugueses estão muito pior do que há três anos e
as perspectivas de futuro não são animadoras. Mas, irresponsavelmente, o
governo faz a festa, atira os foguetes e corre atrás das canas, vendendo gato
por lebre, a coberto de uma efémera baixa das taxas de juro, para a qual não
deu o mínimo contributo. A euforia é tal que Paulo Rangel, desconhecendo a
pobreza em que o seu partido lançou os portugueses, diz: "nós, lista
PSD/CDS-PP, lista da coligação Aliança Portugal somos o rosto e somos a voz da
sensibilidade social." Será que esta propaganda produzirá efeitos
eleitorais? Penso que não. Concordo com o que escreveu Jonathan Littell, em
"As Benevolentes": "Apesar do matraquear da propaganda, as
pessoas continuam a ser capazes de formar as suas opiniões".
Jurista, escreve à
segunda-feira
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