sexta-feira, 20 de junho de 2014

Passos: conflitos sucessivos até à crise política



Eduardo Oliveira Silva – jornal i, opinião

Afinal onde estão os interesses dos portugueses perante o quadro de tensão que vivemos?
Além de fazer cortes de toda a espécie sob as mais diversas formas, o governo não tem propriamente governado, como ontem assinalava José Pacheco Pereira na crónica da “Sábado”. 

A esta constatação pode somar-se outra: Passos lidera uma sucessão de episódios de conflitualidade que podem permitir-lhe abrir uma crise política, pensando que isso favorece o PSD e a coligação, por poder justificar eleições antecipadas num momento em que o PS está fragilizado.

A crise pode concretizar-se no momento em que o Tribunal Constitucional decida sobre questões como a CES, que está em análise no orçamento rectificativo. Uma eventual decisão desfavorável tem duas respostas potenciais com algumas variantes secundárias: um aumento imediato de impostos ou o governo fazer crer que deixou de ter condições para cumprir o seu projecto (como se ele existisse). 

Nos últimos tempos o governo tem afrontado o Tribunal Constitucional e, o que é inédito, os seus membros individualmente, não se limitando às decisões colegiais. Passou até a uma fase em que responsabilizou o TC por discriminar funcionários públicos quando na realidade quem estava a criar o problema era o executivo. Num lampejo de lucidez, a certa altura da tarde de ontem lá anunciou que afinal os subsídios dos funcionários públicos terão regularização homogénea, faltando resolver o problema do sector empresarial do Estado (como se houvesse diferença). Poiares Maduro tinha dito o contrário na véspera. Repetiu o ridículo dos briefings, provando que em termos de coordenação política Relvas faz muita falta. E assim entrámos na fase da pura guerra de guerrilha institucional. 

Paralelamente, o governo iniciou um processo de condicionamento do Presidente da República quando fez saber (violando o sigilo das reuniões de trabalho entre Cavaco e Passos) que solicitou que as medidas referentes à austeridade sejam objecto de fiscalização prévia do Tribunal Constitucional. Parece um pedido banal, mas substancialmente é uma forma de condicionar o Presidente, a quem competem essas decisões.

Com esta manobra o governo procura apresentar Cavaco Silva como protagonista sistemático de uma luta política que já envolve um órgão de soberania como o Tribunal Constitucional. Se manda, Cavaco é pró-governo; se não manda, é pró-Tribunal. Resultado prático: há mais uma instituição metida ao barulho, o que é mau. Falta ver a reacção de Belém, ou a falta dela. 

Eleições lá para Outubro/Novembro são um cenário susceptível de agradar a um governo que não pode ter a certeza de chegar ao fim do seu ciclo numa situação económica melhor que a actual. 

A dinâmica do Verão e o impacto positivo do turismo, a par do facto de parte das pessoas terem mais dinheiro no bolso pela reposição salarial e eventuais reembolsos de IRS, podem dar ao governo a ilusão de que seria favorecido num confronto eleitoral, desde que não acarrete totalmente com as culpas políticas de uma crise que leve o país às urnas.

Sobra a questão do Orçamento de 2015, mas a verdade é que, sendo uma situação complexa, não é a maior das desgraças, uma vez que haveria a possibilidade de governar um mês ou dois por duodécimos.

Evidentemente que estamos no domínio da futurologia, mas a realidade do quotidiano não permite afastar uma aceleração política, como o próprio primeiro-ministro admitiu, ao ponto de ter anulado uma ida relâmpago ao Brasil, o que certamente não  terá como única causa o facto de não gostar de futebol. 

Perante este cenário global, é caso para perguntar onde entram os interesses dos portugueses e do país, cuja situação ainda há poucos dias o governo dramatizava invocando a necessidade de credibilidade externa.

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