Baptista-Bastos
– Diário de Notícias, opinião
A
crise no PS talvez servisse para aclarar a natureza daquele partido e definir,
ideologicamente, o que ele representa, ou quer representar. Não creio que isso
vá acontecer. O PS, desde a fundação, anda numa deriva, não apenas doutrinária
como de carácter político. Aliou-se ao CDS, ao PSD, criou um
"centrão" indefinido e uma rede inextrincável de interesses que
invoca, constantemente, para justificar os seus processos e a racionalização
das escolhas orçamentais.
Teve,
por escasso tempo, um estribilho: "Partido Socialista / Partido
Marxista", o punho esquerdo cerrado, e a afirmação de que se destinava a
construir uma sociedade fraterna e, naturalmente, sem classes. A referência a
um qualquer bem comum e o desiderato de modificar o mundo para alterar a vida
"correspondiam ao ar do tempo", como futilmente
"esclareceu" um dos fundadores, para justificar as flutuações do
partido. Enfim: as coisas são como são, e até o PPD, actual PSD, afinou pelo mesmo
diapasão, chegando, mesmo, os seus militantes a tratar-se, amorosamente, por
"camaradas."
Esta
crise no PS, outra das muitas, resulta dessa ambiguidade ideológica, a que os
prosélitos mais conhecidos dissimulam com a retórica da
"pluralidade". Afinal, que é ser "socialista"?, num
universo dominado pelas leis do "mercado" e por um capitalismo
desregularizado (como se o capitalismo alguma vez se deixou ou deixasse
"regularizar"). A resposta só pode ser dúbia, porque a própria
característica das sociedades se tornou confusa. Mas chegar-se ao ponto em que
o étimo "socialismo" foi deliberadamente confrontado com as
incertezas trabalhadas pelo adversário, aí, tudo muda de figura. É verdade que
não foi o pobre Seguro o único responsável por tal mixurafada. Mas foi ele,
acaso por ignorância, acaso por tola ambição, quem transformou o PS num
decalque do PSD, sem ninguém saber, realmente, o que é, hoje, o PSD, se alguma
vez se soube. A balbúrdia é geral.
É
este imbróglio doutrinário, político e ideológico que tem determinado a fadiga
dos eleitores e a desconfiança ampliada do povo nos políticos. Seguro foi
vítima deste enredo, que ele próprio animou. E Costa, emergindo dos prudentes
silêncios, põe em causa a circulação do poder, assumindo o papel de salvador em
uma situação que me parece não ter salvação possível. A grande questão reside
no sistema (capitalista, bem entendido), e na inversão de uma política
predadora que se tornou endémica, previsão de Marx e, calcule-se!, de Aron no
ensaio Marxismes Imaginaires, Idées / Galimard (possuo a edição de Fevereiro de
1970).
Há
uma remodelação a fazer-se como um todo. É uma tarefa aparentemente impossível,
por abalar as estruturas centenárias e cristalizadas, até agora inabaláveis.
Até agora não quer dizer para sempre. E pure si muove.
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