A
Casa Branca exige que Putin responda pela queda do MH17, mas defende os atos
israelenses na Faixa de Gaza
Roberto
Amaral – Carta Capital, opinião
O
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em discurso na Casa Branca, afirma
que a Rússia deve arcar com as consequências dos atos seus. Certo, todos devem
arcar com as consequências de seus atos. Os EUA inclusive. Quando, a
propósito, os EUA responderão pela destruição do Iraque? O sr. José Manuel
Mourão, da União Europeia, diz, em entrevista à Folha de S.Paulo em
17 de julho, que “A Rússia tem de decidir se quer fazer parte da comunidade
internacional – respeitando valores e princípios – ou se se quer isolar e
seguir um rumo diferente”. E quais são os "valores e
princípios" dessa comunidade internacional? Não disse e não lhe foi
perguntado.
Dizem
os EUA e a OTAN que a Rússia estimulou a insurgência que resultou no levante da
Crimeia e seu pedido de retorno ao território russo (ao qual pertencia
até 1974), reintegração que a Rússia aceitou de
pronto, formalizando-a em ato de seu Parlamento (algo que lembra a
anexação de quase metade do México pelos EUA…). Diz-se ainda que a Rússia alimenta
os insurgentes em Donetsk que permanecem em luta contra as tropas de
Kiev. Um avião da Malaysia Airlines foi abatido no espaço aéreo
ucraniano quando sobrevoava o território conflagrado, obra provável dos
rebeldes. Daí a condenação internacional, daí os embargos políticos e
econômicos que se acumulam contra o governo Putin. Assim a Rússia sofre
as consequências de seus atos.
Sabe-se
que Israel (protegido política e militarmente pelos EUA) ocupa territórios
de países como a Síria ao arrepio de resoluções do Conselho de Segurança e da
Assembleia Geral da ONU e de decisões da Corte Internacional de Justiça.
Israel
está, sistematicamente, instalando colonos em territórios árabes. Israel,
com sua moderna força aérea e sua marinha, está assassinando civis na faixa de
Gaza, bombardeando bairros residenciais densamente povoados, escolas e
hospitais. Bombardeou, até, uma praia na qual crianças se divertiam. Pode
chamar-se esse ataque de estratégia de defesa? Israel, com seus bravos soldados
dentro de potentes tanques de guerra, está invadindo a faixa de Gaza para
enfrentar (isto é, assassinar) civis desarmados.
Na
última incursão por terra (2009) Israel assassinou cerca de 1.300 palestinos.
Para a atual razzia Israel promete “uma estreita coordenação entre as
unidades militares, incluindo tanques, infantaria, corpo de engenheiros e
inteligência, combinado com apoio aéreo e naval. Mais 18 mil reservistas foram
convocados, além dos 48 mil já deslocados”, segundo o jornal O Globo. Repórter
da Rede Globo, presente no cenário das ações, fala em “um dos maiores aparatos
militares do mundo". Isto tudo para quê? Para enfrentar militantes
palestinos, ‘armados’ com fuzis. Esses ataques, diante da inércia criminosa do
‘mundo civilizado’, tornaram-se sistemáticos. Há anos. No ‘conflito’ deste mês
já morreram mais de 500 palestinos, na sua quase totalidade civis (75%
segundo a ONU), muitas mulheres e crianças, e morreu um único civil
israelense. A isso pode-se chamar de puro exercício do direito
à ‘legítima defesa’?
De
um lado, uma população pobre, de quem a tragédia histórica roubou a esperança;
de outro, uma nação rica e poderosamente armada, até com artefatos nucleares. A
desproporcionalidade de forças não causa horror. No lado palestino não morrem
nem europeus nem norte-americanos. Ninguém de olhos azuis. Morrem, apenas,
árabes, árabes pobres, quase sempre mal vestidos, e isso não conta para as
estatísticas de nosso humanismo cínico.
No
fundo, é terrível dizê-lo, há um quê de racismo.
Nem
Obama nem Manuel Mourão nos dizem que Israel deve assumir as consequências
de seus atos, pelos quais, aliás, jamais respondeu. Não foi por puro humanismo
– o fim da Guerra – que os EUA soltaram duas bombas atômicas sobre Hiroshima e
Nagasaki matando centenas de milhares de civis japoneses, quando a Guerra que
queriam terminar já havia terminado? Não foram os EUA que invadiram o Vietnã
(defendendo-se de quê?) e massacraram suas populações com bombardeios
indiscriminados e descargas de napalm? Quando assumirão as consequências de
seus atos? Melhor perguntando: quando a cínica ‘ordem mundial’ terá condições
morais de exigir que todos os criminosos – estadistas e países--, assumam as
consequências de seus atos?
Como
a União Europeia silencia diante do genocídio de nossos dias, conclui-se
que o genocídio não agride nem os ‘valores', nem os ‘princípios' da
‘comunidade internacional’, essa coisa abstrata e cínica.
O
primeiro-ministro de Israel é hoje um homem feliz; graças ao radicalismo do
Hamas (e da indiferença dos Estados árabes, acovardados) foi-lhe dado exercer
na plenitude seus instintos mais primitivos.
Não
se trata de defender o Hamas, mas de poupar o povo palestino: antes tiraram-lhe
a terra, depois a possibilidade de organizar-se como Estado. Agora retiram-lhe
o único bem que lhes resta, a vida. Na verdade, o massacre dos palestinos
começou imediatamente antes da fundação do Estado de Israel, quando milhares
foram obrigados a deixar suas casas.
Hoje,
Israel é um Estado marginal, pois vive à margem do direito internacional, à
margem das resoluções da Assembleia Geral da ONU, à margem das declarações
de direitos humanos, à margem do princípio da não-agressão, da não-intervenção,
um inimigo declarado da paz. Trata-se de Estado militarista, administrado
por fanáticos da direita mais obscura. A rigor, se não fosse um paradoxo, o que
se deveria afirmar é que esse Estado judeu nada tem a ver com a cultura e o
martírio de judeus na sua história de milênios.
E
que nos diz a ‘opinião pública’ internacional?
Existe
mesmo uma opinião pública internacional se o que se conhece é, no Brasil e em
todo o mundo, a opinião publicada, produto de uma imprensa crescentemente
(e perigosamente) internacionalizada, que, esquecida do passado, e assim quase
suicida, alimenta o que há de mais reacionário que possa existir sobre a face
da terra?
Que
fazer? Como enfrentar a monstruosa aliança da grande imprensa com o capitalismo
financeiro internacional e deste com o complexo industrial militar que depende
da Guerra – da destruição, dos assassinatos, da devastação de países e do
massacre de povos e nações – para sobreviver, ter lucros e alimentar o
capitalismo financeiro que alimenta a imprensa em todo o mundo?
Já
houve tempo em que o mundo se indignava, se horrorizava. Nesse tempo, um
filósofo de 90 anos – um inglês desarmado, preocupado com a vida e a moral, sir Bertrand
Russell – criou um Tribunal para julgar os crimes de Guerra dos EUA
contra o Vietnã. Esse Tribunal tinha mais força do que o de Nuremberg, pois não
precisava do poder das armas para ditar sentenças.
É
preciso, sempre, buscar razões para continuar alimentando esperanças.
Na
foto: Família palestina reage após o hospital em que estavam ser atingido por
uma bomba lançada por Israel
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