segunda-feira, 28 de julho de 2014

Cabo Verde - A convergência não chega: PAICV e os seus moinhos de vento



A Semana (cv)

Está aberto o processo para uma eventual convergência dos quatro candidatos – Cristina Fontes (CF), Felisberto Vieira (FV), Janira Hopffer Almada (JHA), Júlio Correia (JC) - para que o PAICV saia incólume da dura prova de fogo que vai enfrentar no dia 14 de Dezembro deste ano : a escolha de uma nova liderança consensual o quanto baste para manter as suas aspirações de partido do arco do poder. Até lá, uma grande questão está sobre a mesa: quem sacrificará o seu projecto político no altar dos "superiores" interesses do partido? O analista José Maria Semedo considera que a convergência só será possível com a desistência de dois candidatos – um de cada ala - o que, pelo andar da carruagem, se afigura uma hipótese cada vez mais remota. Já Geraldo Almeida acredita que o PAICV está frente a um dilema que, pendendo numa ou noutra direcção, vai implicar custos políticos para a sua imagem. Ou sacrifica a democracia interna, mandando para o "brejo" as primárias e nomeando o candidato que lhe dá mais garantias. Ou encara o partido tal como é: dividido em quatro alas com as suas imponderáveis consequências, a pouco mais de um ano das eleições gerais no país.

As notícias que vão chegando à nossa Redacção dizem que ninguém arreda pé. Filú, que além de confiar no seu domínio sobre o maior círculo eleitoral do país (Santiago-Sul, com 11 mil dos quase 30 mil membros com capacidade eleitoral activa a nível nacional) diz que tem com ele os maiores cabos eleitorais do PAICV, em todo o país. Portanto, "dja ganha dja".

Júlio conta com o "bastião tambarina do Fogo", mas também com Praia e os foguenses espalhados por todo o país e diáspora. A isso soma alguns históricos pesos-pesados do PAICV, muitos intelectuais, seus naturais simpatizantes e amigos para dizer que nem um terramoto lhe vai impedir a caminhada, alicerçada em "bases muito sólidas".

Cristina, segunda figura do actual governo, esgrime o seu percurso de governação, peso político e intelectual caldeados em mais de uma década na linha da frente de todos os combates do país, e finca a bandeira da experiência para dizer que o lugar é naturalmente seu. Ademais, diz que o apoio dos militantes não faz mais do que crescer à volta da sua"causa". E de forma exponencial, garante.

Já a irreverente e jovem Janira Hopffer Almada escuda-se numa sondagem que lhe estará concedendo 52 por cento das intenções de voto dos militantes, contra 38% do Filú e 8% da Cristina para sentir-se vitoriosa desde já. Tanto é assim que não vai negociar com ninguém, não precisa. Os outros que venham negociar com ela, se quiserem. O enigma que falta desvendar é se os muitos jovens militantes do PAICV que dizem apoiar Janira estão inscritos nos cadernos que vêm das últimas eleições de José Maria Neves – na sua última reunião, o Conselho Nacional decidiu que nesta altura do campeonato não podem ser mexidos, ou seja, os novos militantes vão ter que esperar para uma próxima oportunidade.

Mas se o PAICV vai estar tentado a eleger quem está melhor posicionado para lhe dar os votos da juventude e da comunidade pobre, a experiência é também um trunfo forte para um partido que, estando no poder, prefere jogar no seguro e não é muito dado a grandes aventuras. Portanto, no dia 14 de Dezembro os tambarinas terão que escolher entre a experiência e a renovação.

E é neste clima de "ku mi ka podedu" que os outros dirigentes do PAICV vão ter que encontrar o "meio termo", o caminho para os superiores interesses de um partido que pouco mais de um ano depois destas eleições internas terá que encontrar o seu lugar num país que vai a votos em 2016, para escolher os seus novos dirigentes.

Marcado que está para o final da primeira quinzena de Dezembro as eleições directas para a escolha do novo líder do PAICV, começam as movimentações com vista a uma possível convergência entre os quatro concorrentes ao cargo. Com os olhos postos nas legislativas de 2016, a ideia é tentar até ao último minuto um consenso que incentive a democracia interna, ao mesmo tempo que salvaguarda a coesão do partido. Tarefa difícil, a julgar pelo andar da carruagem.

O processo conheceu o seu primeiro grande impulso com uma reunião no passado dia 11, entre o líder cessante José Maria Neves e os quatro aspirantes à sua cadeira. A fazer fé nas informações recolhidas por este jornal, no encontro que decorreu na Praia, Neves pediu aos pré-candidatos para acautelarem a unidade interna, socializando um único ou dois candidatos à liderança do PAICV.

Para altos dirigentes do partido no poder, o mais provável é que Júlio Correia, cujo apoio não parece ser ainda tão notável a nível das estruturas, junte-se a Filú. Isto, atendendo à penetração deste último, conhecido como militante todo o terreno e um dos mais combativos dirigentes do PAICV, sobretudo na região de Santiago-Sul. Os responsáveis desejam ainda que o mesmo aconteça com as duas ministras concorrentes – Cristina Fontes e Janira Hopffer Almada – que podem fundir-se numa só candidatura. Almada mobiliza sobretudo os militantes mais jovens que apostam na renovação e Fontes conta principalmente com o apoio de quadros com funções de responsabilidade no aparelho do Estado e que estão próximos da elite no poder.

Perspectiva bem diferente têm os observadores independentes ouvidos por este jornal. Estes advogam que tudo vai depender de vários factores e de quem vai sacrificar o seu projecto político em nome dos interesses em jogo, sejam eles partidários ou de carácter pessoal.

Convergência Júlio-Filú

Para Geraldo Almeida, o cenário de convergência entre Júlio Correia e Felisberto Vieira é mais fácil e depende unicamente da vontade deles. «São ambos dirigentes históricos do PAICV, têm uma trajectória humanista, às vezes romântica, da política como no caso de FV, o que não é necessariamente negativo. Por isso, a convergência JC e FV é fácil».

Porém, Almeida vê com mais dificuldade uma aproximação entre Cristina Fontes e Janira Hopffer Almada. «Cristina Fontes representa a ala conservadora do partido. É uma das principais responsáveis pela não concretização de medidas que podiam ter contribuído para uma maior democratização deste país, quais sejam a instalação do Tribunal Constitucional, a reforma do contencioso administrativo que regista um atraso considerável na sua implementação». Por outro lado, acredita que Janira Hopffer Almada tem uma visão e postura diferente nestas e noutras matérias. «Janira é pela instalação imediata do TC, advoga uma reforma do contencioso administrativo que reduza substancialmente as prerrogativas do Estado e o coloca ao lado das empresas - veja a aproximação da Janira aos empresários», sustenta este jurista.

Geraldo sublinha ainda que Janira tem «uma visão progressista», às vezes até com algum exagero, como tem acontecido com as normas que tem proposto em sede de revisão da legislação laboral. «Só neste ponto tem faltado à Janira uma visão realista que busque o equilíbrio entre a dimensão social e a dimensão económica. Não obstante isso, uma eventual aproximação entre Cristina e Janira só faria sentido enquanto casamento de conveniência para projectar a candidata mais jovem», entende o interlocutor deste jornal, para quem pela aceitação que já granjeou junto da massa jovem, das famílias, dos movimentos de solidariedade e da comunidade empresarial «jamais Janira Hopffer Almada irá aceitar sacrificar-se no Altar dos Deuses a favor de Cristina Fontes».

Perigo de balcanização

No contraponto, Geraldo Almeida já não está tão seguro quanto à infalibilidade do factor juventude da Janira. Para este analista político que navega mais à vontade nas águas democratas-cristãs da UCID, a face jovem da Janira representa um pau de dois bicos: entre os militantes muitos acham que ela é ainda jovem demais para liderar um partido com o peso histórico do PAICV e, no seio da juventude, aparece como representante da comunidade jovem. «O PAICV vai ter, portanto, que ponderar entre eleger quem está melhor posicionado para lhe dar os votos da juventude e da comunidade pobre ou fazer a cooptação - nomear um candidato», comenta GA.

Já José Maria Semedo considera que a hipótese da convergência só será possível mediante a desistência de pelo menos dois concorrentes – um de cada ala. Uma possibilidade que diz ser pouco exequível, por considerar que existem quatro interessados firmes no posto em disputa.

«Na ala Felisberto Vieira – Júlio Correia seguramente irá ponderar o peso do Filú na Praia, que ficou, no entanto, fragilizado com a sua derrota frente ao actual líder do MpD e presidente da Câmara da Praia(Ulisses Correia e Silva), onde mantém certa força. O Júlio Correia está menos desgastado na Praia - o maior círculo eleitoral do País -, embora possa estar um pouco queimado na ilha do Fogo», avança.

Referindo-se à dupla constituída pelas duas mulheres, José Maria Semedo faz questão de realçar que «compete registar a longa experiência de Cristina Fontes, que poderá ter liderança no partido, mas menos na sociedade civil». Sobre este particular, diz o analista que «tudo vai depender da aceitação da Janira Hopffer Almada junto da camada jovem, já que é considerada inexperiente, apesar de mostrar muita garra nas disputas eleitorais e capacidade de luta pelos objectivos».

Diante de tudo isto, Semedo diz que, apesar dos pesares de cada um, não é de se descartar um outro cenário possível: a disputa final entre Júlio e Janira. Isto «porque Filú estaria em desvantagem no maior círculo eleitoral do País e Cristina tem pouca liderança na sociedade civil», o que pode de certa forma influenciar o voto dos militantes na hora de escolherem o seu candidato a primeiro-ministro.

O comentarista defende que a convergência entre os quatro candidatos evitaria a balcanização do PAICV. «A convergência entre os quatro candidatos seria mais saudável para o PAICV, evitando a balcanização do partido, tanto a nível dos militantes como a nível da sociedade civil».

É que, segundo fundamenta José Maria Semedo, atendendo à tradição das campanhas eleitorais em Cabo Verde, podem surgir troca de acusações com base nos pontos fracos de cada um, que serão levadas à praça pública. «Por isso, entre dois candidatos as convergências seriam maiores, embora persistisse o confronto frente a frente», pontua.

Geraldo Almeida remata, por seu lado, considerando improvável que o PAICV repita o erro das últimas presidenciais, que está ainda muito vivo na memória dos militantes. «Penso que os militantes não cometerão o mesmo erro de deixar José Maria Neves escolher o seu sucessor. Por isso, vejo com mais facilidade uma convergência entre Felisberto Vieira, Júlio Correia e Janira Hopffer Almada, com sacrifício dos dinossauros. E a favor de Janira Hopffer Almada. Sendo assim, Filú e Júlio abdicariam a favor da Janira, sendo seus vices, permanecendo aquilo que já são: referências morais e humanistas do PAICV», conclui Almeida.

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