Celular
da premiê, espiões na inteligência e no Ministério da Defesa da Alemanha. Os
EUA querem controle total e acabam ofendendo os amigos. Isso é ruim, mas não
tem como mudar, opina articulista da DW Volker Wagener.
A
relação Alemanha-Estados Unidos é algo de especial. Os americanos foram os
vencedores da Segunda Guerra Mundial que vieram como amigos: chocolate para as
crianças, meias de nylon para as senhoras e democracia para todos. As verbas do
fundo para reconstrução econômica da Europa, conhecido como Plano Marshall,
jorraram, garantindo um milagre econômico no país arrasado pela guerra. Mais
tarde, os EUA protegeram a Alemanha em sua fronteira oriental. Como dito: uma
relação especial, mas não normal.
Com
certeza, toda a comoção em torno dos espiões da Agência de Segurança Nacional
(NSA) dos EUA na Alemanha também tem origem nessa história prévia. A fórmula é:
quem vivenciou tantas coisas boas partindo de Washington, reage ofendido e
ultrajado quando os benfeitores se tornam malfeitores. Dos russos e chineses,
os alemães esperam espionagem sistemática. Eles não pertencem à família
política, seria uma surpresa se esses dois países não estivessem interessados
no que, política e economicamente, a Alemanha pensa, planeja e também tenciona
fazer.
No
caso dos americanos, que comungam valores semelhantes aos dos alemães, a
situação é diferente: pressupõe-se que vão cooperar e perguntar. Mas não é esse
o caso. Eles não diferenciam entre amigo e inimigo, querem saber de tudo e o
conseguem de forma pouco diferente de Havana ou Pyongyang. Eles estão por aí,
os espiões americanos, só que ninguém nunca procurou por eles. Essa é uma
constatação surpreendentemente nova, que enfurece muito os alemães, pois é uma
coisa que eles nunca esperaram e contra a qual nada podem fazer. Que
ingenuidade a deles!
É
verdade que Estados não conhecem a categoria humana da amizade, eles têm
interesses. E os perseguirão com todos os meios possíveis. Transgressões e
danos colaterais políticos já são pré-contabilizados. E o que está acontecendo
agora é justamente um dano.
O
desmascaramento de um espião americano no Departamento Federal de Investigações
(BND, na sigla em alemão) e agora também de um informante no Ministério da
Defesa em Berlim, comprovam duas coisas: por um lado, além de descarados no
estilo, politicamente os monitoramentos vão de míopes a estúpidos. Washington
teria outros meios de satisfazer sua sede de conhecimento. Quem é aliado de tão
longa data, agindo lado a lado, pode perguntar, se quiser saber algo. Talvez
nem sempre se revele ao amigo tudo, abertamente, sem lacunas. Mas é difícil
imaginar que a Alemanha não revelasse aos seus parceiros mais próximos tudo o
que sabe, por exemplo, no combate ao terrorismo.
Em
segundo lugar, a espionagem dos EUA justamente em sua filha de criação, a
Alemanha, está fora de qualquer propósito, assumindo traços visivelmente
paranoicos. A conduta de Washington é ludibriar seus aliados, e isso em tempos
de desafios dramáticos em outras partes do mundo, quando a Rússia tenta se
apossar de regiões da Ucrânia, e o Oriente Médio está mais uma vez em chamas –
para só mencionar dois focos de conflito.
Os
EUA praticam política do poder como se não houvesse amanhã. E no entanto, há
muito a nação líder do século 20 anda no mau caminho. Não querer levar isso em
conta só faz aumentar o abismo entre aparência e realidade. Seria uma tarefa
para o Berlim advertir seu amigo dos perigos de uma política externa
excessivamente prepotente.
Certamente,
muitos dos excessos nas práticas de espionagem americanas têm sua origem nos
atentados terroristas de setembro de 2001. Os quais foram planejados em
Hamburgo, entre outros lugares. Desde então, uma certa dose de desconfiança
frente à Alemanha faz parte da psique americana – e de forma coletiva. Mas isso
não justifica tudo aquilo que tanto enfurece a chefe de governo alemã, os
paladinos das relações transatlântica e os cidadãos comuns.
Espionar
a comissão parlamentar alemã que investiga sobre a NSA é simplesmente uma
burrice. Há maneiras mais fáceis de obter quase todas as informações relevantes.
Por exemplo, através dos membros da comissão e de jornalistas. A política
americana de "elefante na loja de porcelana" alemã precisa ter um
rápido fim. É certo que a Alemanha não tem como responder à altura, pois lhe
faltam os instrumentos de poder. Contudo, já em médio prazo, paira a ameaça de
um decidido antiamericanismo. E isso, num país que tanto tem a agradecer aos
EUA.
Deutsche
Welle, opinião - Autoria: Volker Wagener (ca) – Edição: Augusto
Valente
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