sábado, 2 de agosto de 2014

Angola: QUANDO OS ENTEADOS SE UNIREM O LEÃO VAI MESMO PASSAR FOME



Orlando Castro – Folha 8, 02 agosto 2014 (reedição)

Mesmo saben­do que o regime o consi­dera de segunda (o que será, com certeza, um privilégio distintivo daqueles catalogados ofi­cialmente como de pri­meira), o cidadão William Tonet reivindica, no qua­dro do seu direito consti­tucional, o que está sinte­tizado como princípio de igualdade, plasmado no art.º 23 da Constituição da República de Angola. Ou seja, que “todos são iguais perante a Consti­tuição e a Lei”. Na prática, quando a Constituição é republicana mas o regi­me é monárquico, como é o caso, há sempre uns que são mais iguais do outros. Mesmo as­sim, inconformado com a colagem no Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional, das efígies de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, por sinal, dois presidentes do MPLA, que foram - reco­nheçamos - competente­mente incompetentes na criação de símbolos ver­dadeiramente nacionais, decidiu manifestar-se publicamente, ao abrigo do art.º 47º da tal Cons­tituição republicana que a monarquia usa como quer, para demonstrar a sua indignação.

A manifestação está mar­cada para os dias 27 e 28 de Agosto de 2014. Embo­ra seja um direito legal, a mesma colide com a lei do regime que nada tem a ver com a Lei do país. Uma coisa é o embrulho criado para enganar os incautos ou corruptos, outra é o conteúdo que não corresponde mini­mamente ao anunciado. Por outras palavras, o em­brulho diz “olhai para o que dizemos”, enquanto o conteúdo esclarece “que o que fazemos é outra coisa”.

Assim sendo, e assim é, o regime reagiu à anun­ciada manifestação com uma das suas monárqui­cas regras. Como forma de coacção, coincidência ou não, eis que o dito ci­dadão foi notificado no passado dia 23 para uma audiência judicial, na 2ª Secção da Sala dos Cri­mes Comuns, do Tribunal Provincial de Luanda, no Palácio Ana Joaquina.

Ao dispor do regime está uma imensa panóplia de crimes passível de ser usada de acordo com as conveniências. Desta vez, o “crime” é calúnia e difa­mação, queixa apresenta­da por generais, face à de­núncia de terem minas de diamantes. Embora seja verdade, esta tem nuan­ces próprias de quem a pinta ao gosto do cliente, à medida e por medida. O mesmo caso já havia sido julgado na 7.ª Secção, para onde na altura todos os processos foram encami­nhados, para não se julga­rem vezes sem conta os mesmos factos.

Mas é assim. Sobre os mesmos factos surge um novo julgamento. O cida­dão interroga-se se é pos­sível ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo “crime”. Numa democra­cia, num Estado de Direi­to, não era possível. Mas Angola não é nem uma nem outra coisa, muito menos as duas. Por isso, o cidadão será julgado tantas vezes quantas o regime quiser, por tudo e por nada, como estabele­ce a sui generis regra de que, por cá, até prova em contrário todos somos culpados.

“Estou preparado para continuar a lutar por prin­cípios e valores adquiri­dos no MPLA original, como elemento de es­querda do mercado social, ainda que me montem to­das estas cabalas”, diz Wi­lliam Tonet, certamente esperançado que a matriz histórica do partido que, por força da desmedida ambição de muitos dos seus dirigentes actuais, degenerou no que hoje se conhece, possa ainda aju­dar os angolanos a serem de facto todos iguais.

“O que gostaria de saber do Presidente José Eduar­do dos Santos as razões para a sua apetência e es­pecial gozo em despojar­-me de todos os direitos”, diz William Tonet, dizen­do que o Presidente lhe “retirou a carteira profis­sional, pondo em cheque o meu diploma, quando nunca ninguém pôs em cheque o dele, outorgado, por um país que já não existe: União Soviética, na ex-província da Ucrâ­nia, e que ninguém sabe de que engenharia de pe­tróleo se trata”.

Mas há mais: “Não me outorga a reforma a que tenho direito, como ex­-militar e chefe de Esta­do-Maior das Comunica­ções das Forças Armadas, tudo por eu rejeitar ser enquadrado como ex-mi­litar do fraccionismo”. Mas, como é público e notório, há mais uma vas­ta enciclopédia de atro­pelos, desde logo a “não autorização da concessão da licença de rádio e de televisão, pedida há mais de 20 anos, embora tenha oferecido dois canais de televisão pública aos fi­lhos, sem experiência no ramo”.

É caso para concluir que filhos são… filhos e o res­to, na melhor das hipó­teses, enteados. Aliás, se um dia os enteados se unirem, bem que o leão vai mesmo passar muita fome.

Com todo este cenário, William Tonet gostava que o regime o informas­se onde deverá montar o escritório, ou a cama, aventando-se como hipó­teses o Tribunal, a DNIC ou a cadeia. Esperemos pela resposta.

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