Orlando
Castro – Folha 8, 02 agosto 2014 (reedição)
Mesmo
sabendo que o regime o considera de segunda (o que será, com certeza, um
privilégio distintivo daqueles catalogados oficialmente como de primeira), o
cidadão William Tonet reivindica, no quadro do seu direito constitucional, o
que está sintetizado como princípio de igualdade, plasmado no art.º 23 da
Constituição da República de Angola. Ou
seja, que “todos são iguais perante a Constituição e a Lei”. Na prática,
quando a Constituição é republicana mas o regime é monárquico, como é o caso,
há sempre uns que são mais iguais do outros. Mesmo assim, inconformado com a
colagem no Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional, das efígies de Agostinho
Neto e José Eduardo dos Santos, por sinal, dois presidentes do MPLA, que foram
- reconheçamos - competentemente incompetentes na criação de símbolos verdadeiramente
nacionais, decidiu manifestar-se publicamente, ao abrigo do art.º 47º da tal
Constituição republicana que a monarquia usa como quer, para demonstrar a sua
indignação.
A
manifestação está marcada para os dias 27 e 28 de Agosto de 2014. Embora seja
um direito legal, a mesma colide com a lei do regime que nada tem a ver com a
Lei do país. Uma coisa é o embrulho criado para enganar os incautos ou
corruptos, outra é o conteúdo que não corresponde minimamente ao anunciado.
Por outras palavras, o embrulho diz “olhai para o que dizemos”, enquanto o
conteúdo esclarece “que o que fazemos é outra coisa”.
Assim
sendo, e assim é, o regime reagiu à anunciada manifestação com uma das suas
monárquicas regras. Como forma de coacção, coincidência ou não, eis que o dito
cidadão foi notificado no passado dia 23 para uma audiência judicial, na 2ª
Secção da Sala dos Crimes Comuns, do Tribunal Provincial de Luanda, no Palácio
Ana Joaquina.
Ao
dispor do regime está uma imensa panóplia de crimes passível de ser usada de
acordo com as conveniências. Desta vez, o “crime” é calúnia e difamação,
queixa apresentada por generais, face à denúncia de terem minas de diamantes.
Embora seja verdade, esta tem nuances próprias de quem a pinta ao gosto do
cliente, à medida e por medida. O mesmo caso já havia sido julgado na 7.ª
Secção, para onde na altura todos os processos foram encaminhados, para não se
julgarem vezes sem conta os mesmos factos.
Mas
é assim. Sobre os mesmos factos surge um novo julgamento. O cidadão
interroga-se se é possível ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo “crime”.
Numa democracia, num Estado de Direito, não era possível. Mas Angola não é
nem uma nem outra coisa, muito menos as duas. Por isso, o cidadão será julgado
tantas vezes quantas o regime quiser, por tudo e por nada, como estabelece a
sui generis regra de que, por cá, até prova em contrário todos somos culpados.
“Estou
preparado para continuar a lutar por princípios e valores adquiridos no MPLA
original, como elemento de esquerda do mercado social, ainda que me montem todas
estas cabalas”, diz William Tonet, certamente esperançado que a matriz
histórica do partido que, por força da desmedida ambição de muitos dos seus
dirigentes actuais, degenerou no que hoje se conhece, possa ainda ajudar os
angolanos a serem de facto todos iguais.
“O
que gostaria de saber do Presidente José Eduardo dos Santos as razões para a
sua apetência e especial gozo em despojar-me de todos os direitos”, diz
William Tonet, dizendo que o Presidente lhe “retirou a carteira profissional,
pondo em cheque o meu diploma, quando nunca ninguém pôs em cheque o dele,
outorgado, por um país que já não existe: União Soviética, na ex-província da
Ucrânia, e que ninguém sabe de que engenharia de petróleo se trata”.
Mas
há mais: “Não me outorga a reforma a que tenho direito, como ex-militar e
chefe de Estado-Maior das Comunicações das Forças Armadas, tudo por eu
rejeitar ser enquadrado como ex-militar do fraccionismo”. Mas, como é público
e notório, há mais uma vasta enciclopédia de atropelos, desde logo a “não autorização
da concessão da licença de rádio e de televisão, pedida há mais de 20 anos,
embora tenha oferecido dois canais de televisão pública aos filhos, sem
experiência no ramo”.
É
caso para concluir que filhos são… filhos e o resto, na melhor das hipóteses,
enteados. Aliás, se um dia os enteados se unirem, bem que o leão vai mesmo
passar muita fome.
Com
todo este cenário, William Tonet gostava que o regime o informasse onde deverá
montar o escritório, ou a cama, aventando-se como hipóteses o Tribunal, a DNIC
ou a cadeia. Esperemos pela resposta.
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