domingo, 7 de setembro de 2014

Da Libéria à Coreia do Sul, epidemia de ebola é recebida com ignorância e paranoia



Abdoulaye Bah - Global Voices (*) – Opera Mundi – cartun de Carlos Latuff

Ignorância sobre como doença se espalha faz com que sobreviventes sejam estigmatizados; pessoas de origem africana enfrentam discriminação no exterior

A que tem sido descrita como a pior epidemia do ebola no mundo está trazendo o pior de algumas pessoas nos países afetados e ao redor do mundo.

A ignorância sobre como a doença se espalha faz com que sobreviventes estejam sendo estigmatizados em casa, enquanto pessoas de origem africana enfrentam discriminação no exterior. Conforme países vizinhos aos afetados fecham suas fronteiras, os trabalhadores sofrem consequências econômicas. Sem uma cura médica confirmada para o ebola, vigaristas estão vendendo suas supostas curas para pessoas desesperadas.

Desde o final de junho, o número de casos do ebola confirmados na África ocidental mais que quadruplicou, de 567 para 2615, de acordo com os últimos dados da Organização Mundial da Saúde. Um pouco mais da metade das pessoas que contraíram a doença, 1427 pessoas, morreram.

O blogueiro Boubacar Sanso Barry, no site de língua francesa Guinée Conakry Info descreveu a abordagem adotada por cada um dos países que fazem parte do esforço para conter a epidemia:

“Como resposta à nova epidemia do vírus ebola na África ocidental, os países estão adotando abordagens diferentes. Na Guiné, apesar das últimas estatísticas alarmantes, as autoridades continuam tentando manter a doença em perspectiva, enquanto na Libéria e em Serra Leoa, o Exército e forças de segurança foram literalmente requisitados para enfrentar o inimigo. No primeiro caso, pode-se dizer que o problema está sendo subestimado, mas, no segundo, pareceque as medidas tomadas pelas autoridades na Libéria e em Serra Leoa estão fora de proporção, e contribuem para a sensação geral de pânico.”

A ignorância sobre a doença está ainda difundida. A ONG local da Guiné Centro Comunitário para o Desenvolvimento Educacional  (Centre communautaire pour le développement de l’éducation ou CECODE, em francês) conduziu uma pesquisa de opinião em um distrito de Conacri, na Guiné, que registrou mais de 600 casos de ebola, para avaliar o conhecimento da população sobre a doença. Em resposta à pergunta: “O que a epidemia do ebola significa para você?”:

“Mais de 72% das pessoas entrevistadas consideram que a doença é ‘perigosa, contagiosa, séria e mortal’. Entretanto, 24% dos pesquisados dizem que a epidemia do ebola não significa nada para eles, enquanto 4% das pessoas continuam confusas.

Os comentários a seguir foram observados:

- “A epidemia do ebola não existe. Eu não acredito no que as pessoas estão dizendo”.
- “Essa doença não significa nada para mim porque eu não entendo nada sobre ela”.
- “Eu não tenho certeza se essa doença existe”.
- “Estou ansioso sobre ir a um hospital. Tenho medo”.
- “Eu não entendo nada sobre essa doença”.
- “É uma punição de Deus”.
- “É uma causa de preocupação”.
- “É para proteger os interesses do governo”
- “Eu vi pessoas na TV usando máscaras, para cuidar da população, ou é o que dizem”.
- “Eu não quero falar sobre isso”.
- “Um adulto me disse que essa doença não vem da floresta – se vier, nós todos vamos morrer”.
- “Uma punição divina”.

No dia 17 de agosto, na Libéria, o país que foi mais severamente afetado, um grupo de homens armados com facas e tacos, gritando não há ebola no país, atacaram um centro de quarentena montado em uma escola em West Point, um subúrbio de Monróvia, fazendo com que os pacientes fugissem. Foi somente no dia 20 de agosto que 17 dos pacientes que fugiram foram encontrados e transferidos para o novo centro de tratamento recém-instalado no hospital John F. Kennedy, na capital.

Internacionalmente, cidadãos desses países estão sendo colocados sob uma crescentemente rigorosa quarentena, com fronteiras sendo fechadas e a maioria das companhias aéreas suspendendo voos para os países afetados. As famílias de diplomatas nesses países estão sendo repatriadas, conferências internacionais foram canceladas e eventos esportivos realocados.

Entretanto, um artigo publicado no Resistance Authentique, um blog francês que coleta “trend topics” [temas mais falados nas redes sociais], refletiu a opinião de muitos especialistas:

“O vírus é transmitido pelo contato direto com fluído corporal, tal como sangue, fezes ou vômito. Não há transmissão pelo ar. Em outras palavras (ao contrário do que pode ser lido por aí) o vírus ebola não se espalha pelo ar por uma pessoa falando ou tossindo”.

Longe da área afetada, o medo levou pessoas a recorrerem a medidas com segundas intenções mal escondidas. Na Coreia do Sul, por exemplo, um pub colocou o aviso mostrado nessa foto,publicada no Twitter e no MediaEqualizer, um site dos Estados Unidos de observatório dos meios de comunicação. Cerca de 800 comentários de leitores respondendo a ela ofereceram um vislumbre da visão negativa que muitos coreanos têm dos africanos.

“Nós nos desculpamos, mas, por causa do vírus ebola nós não estamos aceitando africanos no momento”. O aviso foi colocado na entrada do JR Pub em Seul.

Um leitor chamado Raptor escreveu um comentário no fórum Instinct de Survie (Instinto de Sobrevivência), uma plataforma pra proponentes de softwares livres, dando um contexto para a epidemia:

“O exemplo que eu sempre uso é esse: a gripe sazonal causa entre 1500 e 2000 mil mortes todos os anos no nosso país. Eu não quero fazer comparações, mas eu estou tentando colocar as coisas em perspectiva. Semelhantemente, durante o terremoto no Haiti, nós vimos epidemias de praga, cólera e tuberculose. Entretanto, o impacto internacional não foi muito notado. Com quase 700 mortes (no momento do post), nós estamos ainda muito longe de alcançar a escala das doenças que nos afetaram no passado (a peste negra, a gripe espanhola, entre outras).

Por essa razão, quando eu vejo artigos usando frases tais como “totalmente fora de controle” ou “epidemia sem precedentes”, me faz pensar se os meios de comunicação estão recorrendo ao sensacionalismo em vez de informações reais. O influxo de imigrantes regulares introduz coisas que nunca foram vistas antes na nossa parte do mundo e, mesmo assim, nós não estamos constantemente publicando crises de saúde.”

Quando países vizinhos fecham as fronteiras, ou mesmo apenas introduzem requerimentos de entrada mais rigorosos, provocam vários problemas econômicos sérios, especialmente para o comércio da fronteira. O site de notícias Actu224, da Guiné, postou os comentários de um oficial do sindicato de condutores de caminhões na fronteira de Guiné-Mali:

“Muitos malianos já abandonaram a estrada entre Bamako e Conakri por causa das suspeitas e incertezas que cercam a doença. Como você pode ver, a estação está cheia de veículos vazios. Os poucos que conseguem sair durante o dia estão lutando para encontrar clientes suficientes.

Infelizmente, com a pandemia do ebola, os malianos estão cada vez mais relutantes em ir para o interior da Guiné, apesar de as pessoas de lá ainda estarem frequentando feiras semanais em Mali”.

Enquanto esforços internacionais estão enviando para os países afetados todo tipo de ajuda, incluindo equipamento médico, dinheiro e vacinas que não estão ainda comercialmente disponíveis, líderes religiosos têm organizado sermões para sensibilizar o público e ajudar as pessoas a terem um entendimento melhor do que os trabalhadores da saúde estão fazendo.

O altamente controverso pastor nigeriano e milionário, TB Joshua, por sua vez, diz que uma água benta que ele desenvolveu pode curar pacientes que sofrem com o vírus ebola. Ele mandou 4 mil garrafas dessa água em seu próprio jato privativo para ajudar Sierra Leoa.

*Texto traduzido do inglês por Kelly Cristina e publicado originalmente no site Global Voices.

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