A
unanimidade no Conselho de segurança
contra o Emirado islâmico
(E.I.) e a votação da resolução 2170 não passam de uma atitude de fachada. Elas não conseguem fazer esquecer o apoio estatal
de que o E.I. dispôs até agora, e dispõe ainda.
Olhando
apenas para os recentes acontecimentos no Iraque, todos puderam constatar que
os seus combatentes entraram no país
a bordo de colunas de flamejantes Humvees, novos em folha, saídos directamente das fábrica norte-americanas da American Motors, e
armados de material de guerra ucraniano, igualmente novíssimo. Foi com este equipamento que eles
capturaram as armas americanas do Exército
iraquiano. Do mesmo modo toda a gente ficou espantada por este E.I. dispôr de administradores civis capazes de tomar
em mãos, instantaneamente, a
gestão dos territórios conquistados, e de especialistas em
comunicação aptos a promover a sua actuação
na Internet e na televisão; um
pessoal claramente formado em
Fort Bragg.
Embora
a censura norte-americana tenha interdito qualquer recensão sabemos, pela agência de notícias, britânica
Reuters, que uma sessão
secreta do Congresso votou, em janeiro 2014, o financiamento e armarmento do
Exército Sírio livre (E.S.L.), da Frente Islâmica, da Frente Al-Nosra e do Emirado Islâmico até 30 setembro de 2014 [1].
Alguns dias mais tarde a Al-Arabiya vangloriava-se que o príncipe Abdul Rahman era o verdadeiro chefe do
Emirado Islâmico [2].
Depois, a 6 de fevereiro, o secretário
da Segurança Interna dos EUA
reuniu com os principais ministros do Interior europeus, na Polónia, para lhes pedir para manter os
jihadistas europeus no Levante, impedindo-lhes o regresso aos seus países de origem, de modo a que o E.I. tivesse
suficientes efectivos para atacar o Iraque [3].
Finalmente,
em meados de fevereiro, um seminário
de dois dias juntou numa sessão
do Conselho Nacional de Segurança
dos EUA os chefes dos serviços
secretos aliados implicados na Síria,
claramente para preparar a ofensiva E.I. no Iraque [4].
(Reportagem
de Agosto de 2012 sobre o fanatismo religioso da suposta «oposição
democrática»)
É extremamente chocante observar os média (mídia-Br) internacionais, de repente, denunciarem os crimes dos
jihadistas quando estes se verificam, sem interrupção,
há três anos. Não há nada de
novo nas degolas em público e
nas crucificações: a título de exemplo, o Emirado Islâmico de Baba-Amr, em fevereiro de 2012, havia estabelecido um
«tribunal religioso» que condenou à
morte por degolamento mais de 150 pessoas, sem levantar a menor reacção
ocidental, ou das Nações Unidas [5].
Em maio de 2013, o comandante da Brigada Al-Farouk do Exército sírio livre (os famosos «moderados») difundiu um vídeo no decorrer do qual ele esquartejava um
soldado sírio e comia o seu
coração. À
época os Ocidentais
persistiram em apresentar estes jihadistas como «oposicionistas moderados» mas,
desesperados, batendo-se pela «democracia». A BBC ainda deu a palavra ao
canibal para que este se justificasse.
Não há
nenhuma dúvida que a diferença estabelecida por Laurent Fabius entre
jihadistas «moderados» (o Exército
Sírio livre e a Frente
Al-Nosra, isto é a al-Qaida,
até ao início de 2013) e jihadistas «extremistas» (a
frente Al-Nosra a partir de 2013, e o E.I.) é um puro artifício
de comunicação. O caso do califa Ibrahim é esclarecedor: em maio de 2013, aquando da
visita de John McCain ao E.S.L, ele era ao mesmo tempo um membro do estado-maior
«moderado» e líder da facção
«extremista» [6]. Identicamente, uma carta do general Salim Idriss, chefe do
estado maior do E.S.L, datada de 17 de janeiro de 2014, atesta que a França e a Turquia forneciam munições
na quantidade de um terço para
o E.S.L e dois terços para a
al-Qaida, via ESL. Apresentado pelo embaixador sírio no Conselho de Segurança, Bashar Jaafari, a autenticidade deste
documento não foi contestada
pela delegação Francesa [7].
Dito
isto, é evidente que a atitude
de algumas potências da Otan e
do CCG (Conselho de Cooperação do Golfo-ndT) mudou no decurso do mês de agosto de 2014, passando de um apoio
secreto, maciço e contínuo, para uma hostilidade declarada. Porquê?
A
doutrina Brzezinki do jihadismo
É preciso, aqui, voltar 35 anos atrás para compreender a importância da viragem que a Arábia Saudita e, talvez, os Estados Unidos
estão fazendo. Após 1979, Washington por iniciativa do
conselheiro de Segurança
Nacional, Zbigniew Brzezinski, decidiu apoiar o Islão (Islã-Br) político
contra a influência soviética, revivendo a política adoptada no Egipto de apoio à Irmandade Muçulmana contra Gamal Abdel Nasser.
Brzezinski
decidiu lançar uma grande
«revolução islâmica»
do Afeganistão, (então governado pelo regime comunista de
Muhammad Taraki), e do Irão,
(onde ele próprio organizou o
retorno do imã Ruhollah
Khomeini).
Posteriormente
esta revolução islâmica
devia espalhar-se, por todo o mundo árabe,
e varrer os movimentos nacionalistas associados com a URSS. A operação
no Afeganistão foi um sucesso
inesperado: os jihadistas da Liga anti- comunista mundial (WACL) [8],
recrutados no seio dos Irmãos
muçulmanos e dirigidos pelo
bilionário anti-comunista
Osama bin Laden, lançaram uma
campanha terrorista que levou o governo a apelar para os soviéticos. O Exército Vermelho entrou no Afeganistão e ficou atolado lá por cinco anos, acelerando a queda da URSS.
A
operação no Irão foi, pelo contrário,
um desastre: Brzezinski ficou espantado ao constatar que Khomeini não era o homem que lhe tinham referido-um
velho aiatola tentando recuperar as suas propriedades rurais confiscadas pelo
Xá- mas, sim, um autêntico anti-imperialista. Considerando um
pouco tardiamente que a palavra «islamista» não tinha, de todo, o mesmo sentido para uns e para outros, ele
decidiu distinguir os bons sunitas (colaborantes) dos maus
xiitas(anti-imperialistas) e confiar a gestão dos primeiros à
Arábia Saudita.
Por
fim, considerando a renovação da aliança entre Washington e os Saud, o presidente Carter anunciou,
durante o seu discurso sobre o Estado da União a 23 de janeiro de 1980 que, daqui em diante, o acesso ao
petróleo do Golfo era um
objetivo da segurança nacional
dos EUA.
Desde
então, os jihadistas foram
encarregados de todos os os golpes sujos contra os Soviéticos, (depois os Russos), e contra os
regimes árabes nacionalistas
ou recalcitrantes. O período
indo da acusação lançada
contra os jihadistas, de ter fomentado e realizado os atentados do 11 de
setembro, até ao anúncio da pretensa morte de Osama bin Laden no
Paquistão (2001-11) complicou
as coisas. Tratava-se, ao mesmo tempo, de negar qualquer relação
com os jihadistas e de usá-los
como pretexto para intervenções. As coisas clarificaram-se em 2011, com a
colaboração oficial entre os jihadistas e a Otan na Líbia e na Síria.
A
viragem saudita de agosto de 2014
Durante
35 anos, a Arábia Saudita
financiou e armou todas as correntes políticas
muçulmanas desde que (1)
fossem sunitas, (2) que afirmassem o modelo económico dos Estados Unidos compatível com o Islão, e (3 ) que-no caso em que o seu país tivesse assinado um acordo com Israel-eles
não o questionassem.
Durante
35 anos, a grande maioria dos sunitas fechou os olhos para o conluio entre os
jihadistas e o imperialismo. Ela manifestou a sua solidariedade com tudo o que
eles fizeram e com tudo o que lhes atribuíram. Finalmente, legitimou o wahhabismo como uma forma autêntica do Islão, apesar da destruição dos locais santos na Arábia Saudita.
Observando
com surpresa a «Primavera Árabe»,
para cuja preparação ela não fora convidada, a Arábia
Saudita inquietou-se com o papel dado por Washington ao Catar e aos Irmãos muçulmanos.
Riade não demorou a entrar em
competição com Doha para patrocinar os jihadistas na
Líbia e, sobretudo, na Síria.
Assim,
tanto o rei Abdallah salvou a economia egípcia que, quando o general Abdel Fattah al-Sisi se tornou
presidente do Egito, enviou-lhe, e aos Emirados Árabes Unidos, a cópia completa dos registos (registros-Br)
policiais dos Irmãos Muçulmanos. Deste modo, no quadro da luta
contra a Irmandade, o general Al-Sissi descobriu e transmitiu, em fevereiro
2014, o plano detalhado da Irmandade para tomar o poder em Riade e em Abu Dhabi. Em alguns
dias os conspiradores foram presos e confessaram, enquanto a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos ameaçavam o Catar, o padrinho dos Irmãos, de o destruir, se ele não abandonasse imediatamente a irmandade.
Riade
não demorou muito para
descobrir que o Emirado Islâmico
também estava contaminado e se
aprestava a atacá-la, depois
de se ter apoderado de um terço
do Iraque.
O
ferrolho ideológico,
pacientemente construído
durante 35 anos, foi pulverizado pelos Emirados Árabes Unidos e pelo Egito. A 11 de agosto, o
grande imã da universidade
Al-Azhar, Ahmad al-Tayyeb, condenou severamente o Emirado Islâmico e a al-Qaida. Ele foi seguido, no dia
seguinte, pelo grande mufti do Egipto, Shawki Allam [9].
A
18 de agosto, e novamente a 22, o Abu Dhabi bombardeou, com a assistência do Cairo, terroristas em Tripoli (Líbia). Pela primeira vez, dois estados
sunitas aliaram- se para atacar extremistas sunitas num terceiro Estado sunita.
O seu alvo, não era outro senão, uma aliança incluindo Abdelhakim Belhaj, antigo número três da Al Qaida, nomeado governador militar de Trípoli pela Otan [10].
Parece que esta ação foi realizada sem Washington ter sido
disso, préviamente, informado.
A
19 de agosto, o grande mufti da Arábia
Saudita, o xeque Abdul-Aziz Al al-Sheikh, decidiu-se-por fim- qualificar os
jihadistas do Emirado Islâmico
e da al-Qaida «de inimigos número
1 do Islão» [11].
As
consequências da reviravolta
saudita
A
reviravolta da Arábia Saudita
foi tão rápida que os actores regionais não tiveram tempo de se adaptar e, portanto,
apresentam posições contraditórias, segundo os diferentes dossiês. Em geral, os aliados de Washington
condenam o Emirado Islâmico no
Iraque, mas ainda não na Síria.
Mais
surpreendentemente, enquanto o Conselho de Segurança condenava o Emirado Islâmico, na sua declaração
presidencial de 28 de Julho e na sua resolução 2170 de 15
de Agosto, ficava claro que a organização jihadista dispunha, ainda, de apoios de
Estados: em violação dos princípios anunciados, ou relembrados, por estes textos, o petróleo iraquiano pilhado pelo E.I. transita
pela Turquia. Ele é bombeado
no porto de Ceyhan para petroleiros que fazem escala em Israel e, depois,
voltam a partir para a Europa. Por enquanto, o nome das sociedades comanditárias não foi estabelecido, mas a responsabilidade da Turquia e de
Israel é óbvia.
Por
seu turno, o Catar, que continua a acolher muitas personalidades da Irmandade
Muçulmana, nega apoiar ainda o
Emirado Islâmico.
Reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita, dos Emirados árabes unidos, do Egipto e... do Catar em
Jeddah, a 24 de agosto de 2014, para fazer face ao Emirado islâmico. A Jordânia estava representada nesta cimeira.
Aquando
das conferências de imprensa
coordenadas, os ministros das Relações Exteriores(Negócios Estrangeiros-Pt) russo e sírio, Sergey Lavrov e Walid Moallem, apelaram
para a construção de uma coligação
(coalizão-Br) internacional
contra o terrorismo. No entanto, os Estados Unidos, preparando operações
terrestres em território sírio, junto com os britânicos (a «força de intervenção
Negra-Black» [12]),
recusou aliar-se com a República
Árabe da Síria e persiste em exigir a demissão do presidente eleito Bashar al-Assad.
O
choque que acaba de pôr fim a
35 anos de política saudita
transforma-se em confronto entre Riade e Ancara. Desde logo o partido curdo
turco e sírio, o PKK, que
ainda é considerado por
Washington e Bruxelas como uma organização terrorista, é apoiado pelo Pentágono contra o Emirado Islâmico. Com efeito, e contrariamente às apresentações
equivocadas da imprensa atlantista, são
estes combatentes do PKK turcos e sírios,
e não os peshmergas(nome lendário dos combatentes curdos-ndT) iraquianos,
do Governo Local do Curdistão,
que repeliram o Emirado Islâmico
nestes últimos dias, com a
ajuda da Aviação norte-americana.
Conclusão provisória
É difícil
saber se a situação actual é uma encenação ou é
realidade. Têm os Estados
Unidos realmente a intenção de destruir o Emirado Islâmico que eles próprios formaram, e que lhes teria escapado,
ou será que eles vão, simplesmente, enfraquecê- lo e mantê-lo como um instrumento de política regional? Ancara e Telavive apoiam o E.I. por conta de
Washington ou contra, ou, ainda, jogam eles com dissidências internas nos Estados Unidos? Irão os Saud, para salvar a monarquia, até à
aliança com o Irão e a Síria derrubando o dispositivo de proteção
de Israel?
Tradução:
Alva
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