Raphael
Tsavkko Garcia, Bilbao – Opera Mundi
Em
ambos os casos, vale destacar o incentivo à democracia direta, mas um resultado
deverá ter pouca influência no outro
Em
18 de setembro, milhões de escoceses irão às urnas votar em um referendo pela
independência do país do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte. Pelas
pesquisas divulgadas até o momento é impossível saber qual será o resultado,
mas há a certeza de que a mera existência de tal referendo é um marco.
Caso semelhante de grande repercussão, o da separação do Quebec do Canadá, acabou com a vitória dos unionistas por pequena margem nos anos 90 e desde então o nacionalismo "quebequense" encontra-se em banho-maria.
A Escócia de William Wallace, famoso guerreiro pela liberdade de seu povo nos séculos XIII e XIV e retratado no grande sucesso do cinema "Coração Valente", de Mel Gibson, em 1995, nunca aceitou totalmente os acordos e arranjos reais que acabaram por uni-la definitivamente ao resto do Reino Unido (na concepção escocesa, unidos à Inglaterra, real "cabeça" deste emaranhado de nações). Chegou o momento de medir forças e buscar um novo caminho.
Alex Salmond, primeiro ministro da Escócia e principal líder do Scottish Nacional Party (SNP), batalhou para conseguir um acordo com Londres e pelo referendoem marcha. Na
visão dos ingleses, uma separação parecia improvável. Salmond propôs um
referendo com três questões: Sim, pela independência; Não, pela manutenção da
união; e uma terceira opção em que buscava mais autonomia.
Seguros da vitória do "não", lideranças inglesas impuseram um referendo com apenas duas alternativas, sim e não. Nas últimas semanas, porém, se viu um crescimento vertiginoso do "sim", que em ao menos uma pesquisa chegou a ultrapassar o "não" e por em perigo a união da Escócia com o resto do reino. Foi o momento de novas negociações e tentativas de convencer líderes escoceses de que, vejam, só, mais autonomia poderia ser garantida.
É muito tarde para recuar, no entanto.
A Catalunha, por sua vez, busca realizar uma consulta à população em 9 de novembro de 2014. Diferentemente da situação escocesa, a Espanha se nega a aceitar que os catalães exerçam este direito e a recusa tem acirrado os ânimos e explica em parte as previsões de uma vitória esmagadora da opção pela independência.
Unidos à força desde1714, a
relação da Espanha com a Catalunha sempre foi tumultuada, conflituosa. O
castelhano nunca foi totalmente assimilado pela população catalã, cuja maioria
absoluta emprega o catalão como língua veicular e o ensina nas escolas, pese
históricas tentativas de suprimi-lo, em especial durante a ditadura de Franco.
O "catalanismo" sempre foi um sentimento muito forte, mas a crise que
abalou a Europa e que ainda permanece como uma nuvem negra no horizonte acabou
por empurrar ainda mais os catalães em direção à rota da independência.
Há semelhanças entre as situações catalã e escocesa no que tange a questões econômicas e sociais. Recortes de benefícios sociais e o excesso de imposto pago por estas duas nações, respectivamente, a Londres e Madri fizeram crescer um sentimento de injustiça que, aliado a outras formas de opressão cultural e mesmo aliado à uma história larga de conflitos e conquista, acabaram por impulsionar o sentimento nacionalista.
Em ambos os casos há também semelhante o terrorismo praticado por bancos e grandes empresários que ameaçam mudar as sedes de suas empresas para Londres e Madri na tentativa de usar a pressão econômica para manipular e pressionar a vontade popular.
O fenômeno político do Podemos, partido de esquerda nascido dos movimentos de rua, dos Indignados e das mobilizações contra as políticas de austeridade durante o auge da crise econômica ajuda a explicar um pouco o que se passa com Escócia e Catalunha na questão da representação.
Tanto o Podemos quanto diversos movimentos pelo mundo, como os Occupy's iniciados nos EUA, a Primavera Árabe e mesmo os protestos de Junho de 2013 no Brasil demonstram uma guinada geral para um modelo mais participativo da e na política, por uma democracia (mais) direta e por menos poder nas mãos de políticos distantes.
Caso semelhante de grande repercussão, o da separação do Quebec do Canadá, acabou com a vitória dos unionistas por pequena margem nos anos 90 e desde então o nacionalismo "quebequense" encontra-se em banho-maria.
A Escócia de William Wallace, famoso guerreiro pela liberdade de seu povo nos séculos XIII e XIV e retratado no grande sucesso do cinema "Coração Valente", de Mel Gibson, em 1995, nunca aceitou totalmente os acordos e arranjos reais que acabaram por uni-la definitivamente ao resto do Reino Unido (na concepção escocesa, unidos à Inglaterra, real "cabeça" deste emaranhado de nações). Chegou o momento de medir forças e buscar um novo caminho.
Alex Salmond, primeiro ministro da Escócia e principal líder do Scottish Nacional Party (SNP), batalhou para conseguir um acordo com Londres e pelo referendo
Seguros da vitória do "não", lideranças inglesas impuseram um referendo com apenas duas alternativas, sim e não. Nas últimas semanas, porém, se viu um crescimento vertiginoso do "sim", que em ao menos uma pesquisa chegou a ultrapassar o "não" e por em perigo a união da Escócia com o resto do reino. Foi o momento de novas negociações e tentativas de convencer líderes escoceses de que, vejam, só, mais autonomia poderia ser garantida.
É muito tarde para recuar, no entanto.
A Catalunha, por sua vez, busca realizar uma consulta à população em 9 de novembro de 2014. Diferentemente da situação escocesa, a Espanha se nega a aceitar que os catalães exerçam este direito e a recusa tem acirrado os ânimos e explica em parte as previsões de uma vitória esmagadora da opção pela independência.
Unidos à força desde
Há semelhanças entre as situações catalã e escocesa no que tange a questões econômicas e sociais. Recortes de benefícios sociais e o excesso de imposto pago por estas duas nações, respectivamente, a Londres e Madri fizeram crescer um sentimento de injustiça que, aliado a outras formas de opressão cultural e mesmo aliado à uma história larga de conflitos e conquista, acabaram por impulsionar o sentimento nacionalista.
Em ambos os casos há também semelhante o terrorismo praticado por bancos e grandes empresários que ameaçam mudar as sedes de suas empresas para Londres e Madri na tentativa de usar a pressão econômica para manipular e pressionar a vontade popular.
O fenômeno político do Podemos, partido de esquerda nascido dos movimentos de rua, dos Indignados e das mobilizações contra as políticas de austeridade durante o auge da crise econômica ajuda a explicar um pouco o que se passa com Escócia e Catalunha na questão da representação.
Tanto o Podemos quanto diversos movimentos pelo mundo, como os Occupy's iniciados nos EUA, a Primavera Árabe e mesmo os protestos de Junho de 2013 no Brasil demonstram uma guinada geral para um modelo mais participativo da e na política, por uma democracia (mais) direta e por menos poder nas mãos de políticos distantes.
Escócia
e Catalunha têm o interesse de aproximar o centro de poder de seu povo,
aproximar o centro de decisões traçando linhas étnicas e culturais e acentuando
diferenças ao ponto de declarar que "os outros" não "nos"
entendem como "nós" nos entendemos.
É curioso notar, porém, que este sentimento nacionalista destas nações (e aqui inclui também o forte nacionalismo basco) não tem nada de xenófobo ou excludente. Pelo contrário. São movimentos que, em geral, têm grande apreço pelo imigrante que busca integrar-se - e estes são buscados a integrar-se -, que busca compreender o que se passa. São movimentos nacionalistas, baseados em identidades culturais e étnicas que, ao mesmo tempo, são abertos ao diferente e ao que vem de fora aproveitando uma sinergia entre os diferentes. Pode parecer contraditório, mas faz todo sentido, pois parte da força destes movimentos hoje vêm exatamente da maior participação social e horizontal que converge em um sentimento de identidade local.
É curioso notar, porém, que este sentimento nacionalista destas nações (e aqui inclui também o forte nacionalismo basco) não tem nada de xenófobo ou excludente. Pelo contrário. São movimentos que, em geral, têm grande apreço pelo imigrante que busca integrar-se - e estes são buscados a integrar-se -, que busca compreender o que se passa. São movimentos nacionalistas, baseados em identidades culturais e étnicas que, ao mesmo tempo, são abertos ao diferente e ao que vem de fora aproveitando uma sinergia entre os diferentes. Pode parecer contraditório, mas faz todo sentido, pois parte da força destes movimentos hoje vêm exatamente da maior participação social e horizontal que converge em um sentimento de identidade local.
O direito de decidir é parte do processo democrático, é horizontal, é agregador, ao passo que busca corrigir erros históricos e imposições horizontais vindas de longe. Quanto mais proibição, maior se torna o movimento e mais inclusivo também. A intenção de catalães e escoceses é buscar um caminho próprio, mas não excludente.
Porém, Catalunha e Escócia sustentam diferenças significativas. A principal delas sendo o modelo de decisão. O referendo escocês é legal, irá acontecer com o apoio de Londres e seu resoltado será respeitado (acredita-se). No caso catalão uma consulta seria ilegal, feita na base da desobediência civil e seu resultado dificilmente seria respeitado pela Espanha, trazendo incertezas inúmeras.
Se por um lado é fato que a principal razão para que o referendo aconteça na Escócia seja ou tenha sido a certeza inglesa de que o "não" venceria (e não em si um respeito pela democracia), por outro o referendo sairá e a democracia foi respeitada - a decisão final cabe à população escocesa.
Já na Catalunha, partidos "espanholistas" como o PP catalão, setores do PSC (PSOE catalão) e Ciutadans apoiam a decisão de Mariano Rajoy, primeiro ministro espanhol, do PP, de se recusar a permitir a consulta, decisão respaldada também pelos tribunais. Apesar dos discursos de que tais partidos respeitam a democracia, não são capazes de aceitar que a população exerça livremente seu direito ao voto, ou seja, trata-se de uma democracia apenas em relação ao que o governo permite.
Para além das diferenças e semelhanças básicas, fica a questão sobre qual efeito terá a consulta escocesa sobre o eleitorado catalão e, mais além, se o governo catalão - Generalitat - capitaneado por Artur Mas, irá levar adiante uma consulta baseada no princípio da desobediência civil - opção apoiada por forças de esquerda nacionalista.
A vitória do "sim" na Escócia poderia ter junto à população catalã o mesmo efeito que jogar gasolina no fogo, mas ao mesmo tempo poderia tornar ainda mais intransigentes as lideranças espanholas em seu rechaço ao exercício democrático. Ao contrário da Escócia, onde o "não" é o favorito, a ampla maioria social catalã apoia a independência. Uma virada do "sim" na Escócia, baseado no princípio democrático, acenderia a luz vermelha na Espanha, demonstrando que a opção por impedir o processo democrático estaria "correta".
Por outro lado, uma vitória do "não" na Escócia teria pouco efeito tanto na Catalunha quanto na Espanha, dado que dificilmente o insucesso de um processo em que desde o começo o "não" liderava faria com que população catalã ou governo espanhol mudasse de posição.
O fato de um referendo ser legal e outro (no caso, uma consulta) ser ilegal acaba por, na prática, diminuir os efeitos - positivos ou negativos - de um sobre o outro. Em outras palavras, o referendo escocês teria a capacidade de traçar um caminho para muitas nações e minorias europeias, ao mesmo tempo em que também iria elevar os alertas de governos estatais que porventura sintam sua unidade ameaçada, mas teria pouco efeito prático sobre a vontade catalã e o rechaço espanhol.
*Raphael
Tsavkko Garcia é jornalista. Mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e Doutorando
em Direitos Humanos
(Universidad de Deusto)
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