Pedro
Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
Estamos
no meio da pior das crises políticas: a que não nos permite discutir política.
Receio mesmo que a análise do fracasso absoluto da governação seja substituída
por uma discussão infindável sobre as qualidades pessoais e o passado de Passos
Coelho. E, apesar do triste espetáculo que tem protagonizado, estou capaz de
apostar que não há eventual mancha no seu passado que se compare à catástrofe
económica, social e política que provocou com a sua governação.
É
provável que haja uma faixa da população que se sinta mobilizada para vir
defender as estranhas falhas de memória, a manipulação do Ministério Público e
da Secretaria-Geral da Assembleia da República e a sua santíssima
prodigalidade, em nome duma imagem que criou de Passos Coelho e que, assim, se
distraia da realidade. Talvez seja isso que o primeiro-ministro quer: tudo, até
a sugestão de graves falhas, menos discutir o estado do País.
Seria
uma estratégia estranha e, admito, quase inverosímil, mas se pensarmos o que
foi a atuação do primeiro-ministro nestas últimas semanas, corremos o risco de
acreditar nela.
Não
é que não estejamos demasiado familiarizados com a falta de memória de Passos
Coelho, mas precisar de uma semana para se lembrar de que, durante três anos,
não lhe foi paga uma quantia, que a esmagadoríssima maioria da população
portuguesa não consegue arrecadar numa vida inteira, é, digamos, algo que
permite recomendar uma caixa inteira de Memofante.
Um
primeiro-ministro que não tem a certeza de ter cometido uma ilegalidade grave,
tem não só um problema, lá está, de memória, mas um desconhecimento da lei não
muito apropriada a um governante. Um líder do Executivo que recorre ao
Ministério Público para ser informado duma possível ilegalidade que ele sabe já
não poder ser investigada (claro que há sempre a tal possibilidade de os mais
simples conhecimentos legais lhe serem estranhos), ou confunde a instituição
com um balcão de informações ou quer manipular a PGR para que lhe ofereça uma
espécie de álibi. Prefiro a primeira opção.
Alguém
que não se recorda de ter assinado uma declaração de exclusividade, num local
onde esteve oito anos, e pede mesmo às pessoas que se dirijam aos serviços da
Assembleia da República para que o ajudem a avivar a memória, é capaz de não
servir para primeiro-ministro. Não por não ter qualidades para a tarefa, mas
por ser muito provável que não encontre todos os dias a porta de entrada da
residência oficial.
Uma
pessoa que afirma não ter sido remunerado por serviços prestados a uma
organização que tinha como saudável objetivo a busca do lucro, que mesmo não
tendo cargos executivos ou de representação (segundo Passos Coelho) viajava
para vários destinos, executava tarefas, tinha jantares de trabalho, parece
ser, sem dúvida, uma pessoa muito generosa. E ninguém pode dizer o contrário,
arriscando um processo de intenção que ninguém quer sugerir. Mas o que acho
estranho nesta prodigalidade é a opção. Ou seja, o primeiro-ministro, entre
prescindir da possibilidade de receber o subsídio de reintegração ou cobrar à
organização, preferiu dar uma borla aos privados. Entre poupar dinheiro ao
erário público ou ajudar os particulares, preferiu a rapaziada do privado. Que
diferença para o homem que tanto luta contra as gorduras do Estado.
Não,
não pode haver tantas falhas de memória, tantos equívocos, tantas confusões.
Talvez tenha mesmo de se acreditar na tal estratégia estranha, na tese
inverosímil, na que diz que Passos Coelho teve estes comportamentos exóticos
para que não se fale da governação. O contrário, por incrível que pareça, seria
ainda pior, muitíssimo pior.
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