Folha
8, 11 outubro 2014
Numa
democracia moderna, em Angola nem é moderna nem antiga – não existe, o poder
é atribuído em função de uma escolha popular no pressuposto de ser usado para
benefício da sociedade em geral, e não para benefício pessoal do indivíduo que
o detém, ou do seu clã de familiares e amigos. Só por aqui se vêm em que ponto
está o nosso país.
A
corrupção – abuso do poder público para fins privados – é intrinsecamente
contraditória e irreconciliável com a democracia. Isso não significa que a
corrupção não ocorra nos sistemas democráticos. A tentação continua a ser um
desafio em qualquer país e sistema do mundo. Daí a necessidade de lutar
permanentemente contra o abuso praticado por quem o Povo escolhe. Se é uma
árdua tarefa nas democracias, nos países totalitários ou nos que a democracia
só existe para consumo do marketing é uma missão impossível. Ou quase.
A
Transparência Internacional define a corrupção como o abuso de um poder
delegado para benefício próprio ou de terceiros (que podem ser familiares,
amigos, empresas, grupos políticos ou sociais).
Mas
há também comportamentos que, mesmo não sendo puníveis por lei, constituem
formas de corrupção. A título de exemplo, basta referir as situações de
conflito de interesses e favoritismos de variada natureza. Em resumo, a
corrupção manifesta-se de várias formas, mas todas elas têm o mesmo objectivo:
obter um privilégio pessoal ilegítimo que prejudica o bem comum.
Por
sua vez a transparência pode ser definida como o princípio que permite a
todos os que de alguma forma são afectados por decisões administrativas,
transacções de negócios ou trabalhos de caridade conhecer não só os factos e
os números mais elementares, mas também os mecanismos e processos envolvidos
naquelas acções.
Constitui
um dever alargado a funcionários públicos, gestores e administradores,
contribuindo para que estes ajam de uma forma perceptível, previsível e
compreensível. O exemplo deveria partir de cima para baixo.
Os
custos da corrupção são transversais a diversos campos: político, económico,
social e ambiental. No campo da política, a corrupção constitui um grande
obstáculo à democracia e ao Estado de Direito. Num sistema democrático, as
empresas e as instituições perdem a legitimidade quando são usadas de forma
abusiva para proveitos privados.
Uma
liderança política responsável não se pode desenvolver num clima corrupto.
Economicamente, a corrupção extenua a riqueza nacional, sendo muitas vezes
responsável pela canalização de recur sos públicos escassos para projectos de
alta visibilidade mas sem rentabilidade, em detrimento de projectos com menos
aparato, mas fundamentais para a qualidade de vida das populações, como
escolas, hospitais e estradas ou o fornecimento de energia e água a zonas
rurais.
Por
se tratar de uma actividade quase subterrânea, não é possível quantificar os
custos da corrupção. Alguns especialistas utilizam análises de regressão e
outros métodos empíricos para traduzir monetariamente os custos da corrupção.
No entanto, é praticamente impossível fazer estes cálculos, na medida em que os
pagamentos de subornos não são registados publicamente.
Ninguém
sabe exactamente quanto dinheiro é anualmente “investido” em funcionários,
dirigentes e outros dignitários corruptos. Além do mais, o próprio suborno não
se restringe à questão monetária: favores, “jeitinhos” e presentes são
práticas comuns. No máximo, é possível investigar a correlação entre os níveis
de corrupção e, digamos, de democratização, de desenvolvimento económico ou de
degradação ambiental.
Os
custos sociais da corrupção são ainda menos quantificáveis, na medida em que
seria inadequado medir a tragédia humana em termos de custos monetários. É,
portanto, justificável a existência de um cepticismo geral em relação à
tentativa de quantificar os custos da corrupção.
À
primeira vista, o Índice de Percepção da Corrupção (CPI) publicado anualmente
pela Transparência Internacional parece confirmar a ideia estereotipada de que
a corrupção é um problema que afecta predominantemente os países do Sul.
Enquanto os países escandinavos ocupam o topo do ranking da transparência, a
maioria dos lugares da base são ocupados por países da África Subsariana.
O
CPI não tem como objectivo, todavia, realçar determinados países ou fazer a
oposição Norte/Sul. Pelo contrário, é uma ferramenta de sensibilização da
opinião pública para o problema da corrupção e de promoção de uma melhor
governação.
A
corrupção é um problema transversal a todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento. Os
recentes escândalos na Alemanha, França, Japão, EUA ou Reino Unido confirmam
esta realidade. É a existência de um sistema de controlo, monitorização e
prevenção bem estabelecido que marca a diferença.
Em
qualquer país, as pessoas são tão corruptas quanto o sistema permite que
sejam. Onde a tentação é acompanhada pela permissividade, a corrupção
enraíza-se em larga escala. Até muito recentemente, os governos do Norte não
só toleravam estas práticas como as incentivavam, através do direito à dedução
de imposto. Felizmente, com a entrada em vigor da Convenção Anti-Suborno da
OCDE, em 1999, o suborno de funcionários públicos estrangeiros passou a
constituir uma ofensa criminal.
Alguns
críticos argumentam que a luta contra a corrupção representa mais um caso em
que o Norte tenta impor os seus pontos de vista e valores ao Sul. Muitos
poderão afirmar que o acto de dar e receber na esfera pública constitui uma
tradição normal em muitas culturas não-ocidentais.
Os
defensores do relativismo cultural poderão argumentar que onde não existem
conceitos como procedimentos de contratação pública, não existem subornos para
obter contratos de obras públicas. As normas e os valores estão vinculados ao
contexto e variam entre as culturas. As ofertas fazem parte da negociação e
construção de relações em algumas partes do mundo. No entanto, o relativismo
cultural termina onde a conta na Suíça, por exemplo, entra em cena.
Os
especialistas e activistas sediados em cada país sabem avaliar melhor do que
ninguém o que é uma mera tradição ou prática cultural e o que constitui uma
infracção à regra num determinado país. Desta forma, a rede Transparência
Internacional consegue ser mais eficaz na luta contra a corrupção e na promoção
da transparência e da boa governança. Mas, claramente, o abuso de poder para
proveito pessoal ou o desvio de recursos públicos para os bolsos privados são
inaceitáveis em qualquer cultura ou sociedade.
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