sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A CORRUPÇÃO TAMBÉM DEFINE OS NÍVEIS DE DEMOCRATICIDADE



Folha 8, 11 outubro 2014

Numa demo­cracia mo­derna, em Angola nem é moderna nem antiga – não exis­te, o poder é atribuído em função de uma escolha popular no pressuposto de ser usado para benefício da sociedade em geral, e não para benefício pessoal do indivíduo que o detém, ou do seu clã de familiares e amigos. Só por aqui se vêm em que ponto está o nosso país.

A corrupção – abuso do poder público para fins pri­vados – é intrinsecamente contraditória e irreconci­liável com a democracia. Isso não significa que a corrupção não ocorra nos sistemas democráticos. A tentação continua a ser um desafio em qualquer país e sistema do mun­do. Daí a necessidade de lutar permanentemente contra o abuso praticado por quem o Povo escolhe. Se é uma árdua tarefa nas democracias, nos países totalitários ou nos que a democracia só existe para consumo do marketing é uma missão impossível. Ou quase.

A Transparência Interna­cional define a corrupção como o abuso de um po­der delegado para benefí­cio próprio ou de terceiros (que podem ser familiares, amigos, empresas, grupos políticos ou sociais).

Mas há também compor­tamentos que, mesmo não sendo puníveis por lei, constituem formas de corrupção. A título de exemplo, basta referir as situações de conflito de interesses e favoritis­mos de variada natureza. Em resumo, a corrupção manifesta-se de várias for­mas, mas todas elas têm o mesmo objectivo: ob­ter um privilégio pessoal ilegítimo que prejudica o bem comum.

Por sua vez a transpa­rência pode ser definida como o princípio que per­mite a todos os que de al­guma forma são afectados por decisões administrati­vas, transacções de negó­cios ou trabalhos de cari­dade conhecer não só os factos e os números mais elementares, mas também os mecanismos e proces­sos envolvidos naquelas acções.

Constitui um dever alar­gado a funcionários públi­cos, gestores e administra­dores, contribuindo para que estes ajam de uma forma perceptível, previ­sível e compreensível. O exemplo deveria partir de cima para baixo.

Os custos da corrupção são transversais a diver­sos campos: político, eco­nómico, social e ambien­tal. No campo da política, a corrupção constitui um grande obstáculo à de­mocracia e ao Estado de Direito. Num sistema de­mocrático, as empresas e as instituições perdem a legitimidade quando são usadas de forma abusiva para proveitos privados.

Uma liderança política responsável não se pode desenvolver num clima corrupto. Economicamen­te, a corrupção extenua a riqueza nacional, sendo muitas vezes responsável pela canalização de recur­ sos públicos escassos para projectos de alta visibilida­de mas sem rentabilidade, em detrimento de projec­tos com menos aparato, mas fundamentais para a qualidade de vida das po­pulações, como escolas, hospitais e estradas ou o fornecimento de energia e água a zonas rurais.

Por se tratar de uma acti­vidade quase subterrânea, não é possível quantificar os custos da corrupção. Alguns especialistas utili­zam análises de regressão e outros métodos empíri­cos para traduzir mone­tariamente os custos da corrupção. No entanto, é praticamente impossível fazer estes cálculos, na medida em que os paga­mentos de subornos não são registados publica­mente.

Ninguém sabe exacta­mente quanto dinheiro é anualmente “investido” em funcionários, dirigen­tes e outros dignitários corruptos. Além do mais, o próprio suborno não se restringe à questão mone­tária: favores, “jeitinhos” e presentes são práticas comuns. No máximo, é possível investigar a cor­relação entre os níveis de corrupção e, digamos, de democratização, de desen­volvimento económico ou de degradação ambiental.

Os custos sociais da cor­rupção são ainda menos quantificáveis, na medida em que seria inadequado medir a tragédia huma­na em termos de custos monetários. É, portanto, justificável a existência de um cepticismo geral em relação à tentativa de quantificar os custos da corrupção.

À primeira vista, o Índice de Percepção da Corrup­ção (CPI) publicado anual­mente pela Transparência Internacional parece con­firmar a ideia estereotipa­da de que a corrupção é um problema que afecta predominantemente os países do Sul. Enquanto os países escandinavos ocu­pam o topo do ranking da transparência, a maioria dos lugares da base são ocupados por países da África Subsariana.

O CPI não tem como ob­jectivo, todavia, realçar determinados países ou fazer a oposição Norte/Sul. Pelo contrário, é uma ferramenta de sensibili­zação da opinião pública para o problema da cor­rupção e de promoção de uma melhor governação.

A corrupção é um proble­ma transversal a todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento. Os recentes escândalos na Alemanha, França, Japão, EUA ou Reino Unido con­firmam esta realidade. É a existência de um siste­ma de controlo, monito­rização e prevenção bem estabelecido que marca a diferença.

Em qualquer país, as pes­soas são tão corruptas quanto o sistema permite que sejam. Onde a tenta­ção é acompanhada pela permissividade, a corrup­ção enraíza-se em larga escala. Até muito recen­temente, os governos do Norte não só toleravam estas práticas como as incentivavam, através do direito à dedução de im­posto. Felizmente, com a entrada em vigor da Con­venção Anti-Suborno da OCDE, em 1999, o subor­no de funcionários públi­cos estrangeiros passou a constituir uma ofensa criminal.

Alguns críticos argumen­tam que a luta contra a corrupção representa mais um caso em que o Norte tenta impor os seus pontos de vista e valores ao Sul. Muitos poderão afirmar que o acto de dar e receber na esfera públi­ca constitui uma tradição normal em muitas cultu­ras não-ocidentais.

Os defensores do relati­vismo cultural poderão argumentar que onde não existem conceitos como procedimentos de contratação pública, não existem subornos para obter contratos de obras públicas. As normas e os valores estão vinculados ao contexto e variam en­tre as culturas. As ofertas fazem parte da negociação e construção de relações em algumas partes do mundo. No entanto, o re­lativismo cultural termina onde a conta na Suíça, por exemplo, entra em cena.

Os especialistas e activis­tas sediados em cada país sabem avaliar melhor do que ninguém o que é uma mera tradição ou prática cultural e o que consti­tui uma infracção à regra num determinado país. Desta forma, a rede Trans­parência Internacional consegue ser mais eficaz na luta contra a corrupção e na promoção da trans­parência e da boa gover­nança. Mas, claramente, o abuso de poder para pro­veito pessoal ou o desvio de recursos públicos para os bolsos privados são inaceitáveis em qualquer cultura ou sociedade.

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