sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Angola: CONTINENTE ESTÁ PARA CHEGAR, SÓ FALTA A BÊNÇÃO DA SANTA



Folha 8, 11 outubro 2014

Ao certo não se sabe. A mais falada depois de muitas ou­tras, é o Ve­rão de 2015. Mas a verdade é que, de­pois de muitos impasses, é sabido que a Sonae já está a constituir equipa para acompanhar a abertura dos hipermercados Conti­nente em Angola. Primei­ro foi necessário engolir uns tantos sapos, o que fez esgotar os stocks de “alka seltzer” das próprias lojas. Depois seguiram-se doses industriais de hóstias para tirar o pecado de negociar com um dos regimes mais corruptos do mundo.

O projecto que marca a en­trada do maior emprega­dor privado português no território angolano é fruto de uma parceria estabele­cida entre o grupo e, como não poderia deixar de ser e corresponde à Lei da Probidade do nosso país, a empresária e não se sabe quantas vezes milionária Isabel dos Santos que, para quem não saiba, é filha do presidente José Eduardo dos Santos.

Para a eventualidade de algum leitor só agora ter chegado a este mundo, re­corde-se que José Eduardo dos Santos é o presidente de Angola desde 1979, sem nunca ter sido nominal­mente eleito, bem como do MPLA (partido que está no poder desde a indepen­dência).

Hipermercados, super­mercados, lojas de con­veniência, lojas de pro­ximidade, restauração, para-farmácias, livrarias, vestuário, desporto, elec­trónica, centros comer­ciais, administração de imóveis, investimentos financeiros, telecomunica­ções, software e sistemas de informação e media são as áreas do império funda­do por Belmiro de Azeve­do, a Sonae.

Mas como tudo na vida, Belmiro de Azevedo é mui­to diferente do seu suces­sor dinástico, o filho Paulo Azevedo. O pai, que nem ao domingo descansava, dizia a a mesma coisa em qualquer dia de semana. Hoje a estratégia é diferen­te. O filho diz às segundas, quartas e sextas uma coisa, às terças quintas e sábados outra coisa. E ao domingo vai à missa.

O acordo com a Condis – detida maioritariamente, como também não poderia deixar de ser e sempre res­peitando espírito e a letra da tal Lei da probidade, por Isabel dos Santos – aconte­ceu ainda em 2011, sendo que o projecto prevê, ou previa, a abertura de uma rede de hipermercados Continente nosso país.

João Seara é apontado pelo Diário Económico como o homem forte do grupo para este projecto, sendo que deverá ocupar o cargo de director executivo. A empresa não adianta gran­des pormenores sobre es­tas novas informações, di­zendo apenas que “não está definida nenhuma data em concreto, mas tanto a So­nae como a Condis estão a envidar todos os esforços para proceder à abertura da primeira unidade o mais breve possível”.

No entanto, a mesma pu­blicação aponta o Verão de 2015 como uma data de referência para a abertura da primeira loja da marca Continente em Angola, acrescentando mesmo que as equipas estão já manda­tadas para começar a defi­nir as gamas de produtos que serão enviados para Luanda e que se juntarão a outros aqui produzidos. Sa­be-se também que a Con­dis iniciou já a construção de uma infra-estrutura que acolherá as instalações do hipermercado.

A entrada da Sonae em Angola tem sofrido alguns contratempos, explicando­-se assim a relutância do grupo português em avan­çar com uma data concre­ta. A internacionalização da empresa para o nosso país está em desenvolvi­mento desde 2012, ano em que a Sonae e a ANIP assi­naram um contrato de in­vestimento no valor de 100 milhões de dólares, com vista à abertura de cinco hipermercados.

Todos os atrasos poderão ter a ver com o facto de, durante algum tempo, a Sonae ter tido dificuldades em engolir as regras da corrupção angolana. Daí as coisas não terem corrido tão bem como o inicial­mente previsto, isto por­que Paulo Azevedo anun­ciara a 17 de Março de 2011 que a entrada da empresa no mercado angolano po­deria acontecer já nesse ano.

Fernando Ulrich, presi­dente do BPI, banco pre­sente em Angola desde 1996, poderá ter tido um papel importante ao ga­rantir a pés juntos que em Angola não há corrupção. Ao ouvi-lo dizer que “o BPI nunca pagou nada a ninguém para obter nada em troca como nem nunca ninguém nos pediu nada para fazer o que quer que fosse em troca”, Paulo Aze­vedo (Belmiro não foi nes­sa) sorriu e mandou avan­çar as suas tropas.

Angola é um dos países lu­sófonos com a maior taxa de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas. Mas o que é que isso importa? Impor­tante é saber de facto que a Sonae vai avançar com o lançamento dos hipermer­cados Continente, mesmo sabendo-se que o regime é um dos mais corruptos do mundo. Ou será por isso mesmo?

Se calhar é por isso mes­mo. Recorde-se que o pro­curador português que em tempos investigava o caso “BES Angola” ingressou no Banco Internacional de Crédito (BIC), presidido pelo cavaquista Luís Mira Amaral, uma instituição de capitais luso-angolanos que, mais uma vez, é do­minada pela tal impoluta cidadã que é filha do não menos impoluto cidadão, Isabel dos Santos e José Eduardo dos Santos, res­pectivamente.

Seja como for, o que conta é o “Hello tomorrow” (olá amanhã), rapidamente e em força para... Angola.

Aliás, muitos dos ango­lanos (muitos mesmo) vivem na miséria e rara­mente sabem o que é uma refeição. Poderão, no en­tanto, fazer incursões ao Continente, ou melhor, aos caixotes do lixo do Conti­nente e lá encontrar restos quase novos de comida. Cães não haverá porque esses são alimentados, como em tempos disse o actual governador do Huambo, Kundi Paihama, pelos altos dignitários do regime, todos eles verda­deiros filantropos.

A Sonae, contudo, não é uma empresa filantrópica e, por isso, negoceia com os donos do poder e, no caso de Angola, do país. E, como sempre, é muito mais fácil negociar com dirigentes vitalícios do que com os que resultam de uma vida democrática. Aliás, a família Azevedo gosta muito de viver em democracia. Já se os ou­tros vivem em ditadura, o problema é deles. O que importa é haver gente com muitos dólares. E o regime tem fartura dessa espécie.

Também é verdade que se a comunidade interna­cional não se preocupa com o facto de, em Ango­la, poucos terem cada vez mais milhões e cada vez mais milhões terem pouco ou nada, porque carga de chuva deveria ser a Sonae a preocupar-se?

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