Folha
8, 11 outubro 2014
Ao
certo não se sabe. A mais falada depois de muitas outras, é o Verão de 2015.
Mas a verdade é que, depois de muitos impasses, é sabido que a Sonae já está a
constituir equipa para acompanhar a abertura dos hipermercados Continente em Angola. Primei ro
foi necessário engolir uns tantos sapos, o que fez esgotar os stocks de “alka
seltzer” das próprias lojas. Depois seguiram-se doses industriais de hóstias
para tirar o pecado de negociar com um dos regimes mais corruptos do mundo.
O
projecto que marca a entrada do maior empregador privado português no
território angolano é fruto de uma parceria estabelecida entre o grupo e, como
não poderia deixar de ser e corresponde à Lei da Probidade do nosso país, a
empresária e não se sabe quantas vezes milionária Isabel dos Santos que, para
quem não saiba, é filha do presidente José Eduardo dos Santos.
Para
a eventualidade de algum leitor só agora ter chegado a este mundo, recorde-se
que José Eduardo dos Santos é o presidente de Angola desde 1979, sem nunca ter
sido nominalmente eleito, bem como do MPLA (partido que está no poder desde a
independência).
Hipermercados,
supermercados, lojas de conveniência, lojas de proximidade, restauração,
para-farmácias, livrarias, vestuário, desporto, electrónica, centros comerciais,
administração de imóveis, investimentos financeiros, telecomunicações,
software e sistemas de informação e media são as áreas do império fundado por
Belmiro de Azevedo, a Sonae.
Mas
como tudo na vida, Belmiro de Azevedo é muito diferente do seu sucessor
dinástico, o filho Paulo Azevedo. O pai, que nem ao domingo descansava, dizia a
a mesma coisa em qualquer dia de semana. Hoje a estratégia é diferente. O
filho diz às segundas, quartas e sextas uma coisa, às terças quintas e sábados
outra coisa. E ao domingo vai à missa.
O
acordo com a Condis – detida maioritariamente, como também não poderia deixar
de ser e sempre respeitando espírito e a letra da tal Lei da probidade, por
Isabel dos Santos – aconteceu ainda em 2011, sendo que o projecto prevê, ou
previa, a abertura de uma rede de hipermercados Continente nosso país.
João
Seara é apontado pelo Diário Económico como o homem forte do grupo para este
projecto, sendo que deverá ocupar o cargo de director executivo. A empresa não
adianta grandes pormenores sobre estas novas informações, dizendo apenas que
“não está definida nenhuma data em concreto, mas tanto a Sonae como a Condis
estão a envidar todos os esforços para proceder à abertura da primeira unidade
o mais breve possível”.
No
entanto, a mesma publicação aponta o Verão de 2015 como uma data de referência
para a abertura da primeira loja da marca Continente em Angola, acrescentando
mesmo que as equipas estão já mandatadas para começar a definir as gamas de
produtos que serão enviados para Luanda e que se juntarão a outros aqui
produzidos. Sabe-se também que a Condis iniciou já a construção de uma
infra-estrutura que acolherá as instalações do hipermercado.
A
entrada da Sonae em Angola tem sofrido alguns contratempos, explicando-se
assim a relutância do grupo português em avançar com uma data concreta. A
internacionalização da empresa para o nosso país está em desenvolvimento desde
2012, ano em que a Sonae e a ANIP assinaram um contrato de investimento no
valor de 100 milhões de dólares, com vista à abertura de cinco hipermercados.
Todos
os atrasos poderão ter a ver com o facto de, durante algum tempo, a Sonae ter
tido dificuldades em engolir as regras da corrupção angolana. Daí as coisas não
terem corrido tão bem como o inicialmente previsto, isto porque Paulo Azevedo
anunciara a 17 de Março de 2011 que a entrada da empresa no mercado angolano
poderia acontecer já nesse ano.
Fernando
Ulrich, presidente do BPI, banco presente em Angola desde 1996, poderá ter
tido um papel importante ao garantir a pés juntos que em Angola não há
corrupção. Ao ouvi-lo dizer que “o BPI nunca pagou nada a ninguém para obter
nada em troca como nem nunca ninguém nos pediu nada para fazer o que quer que
fosse em troca”, Paulo Azevedo (Belmiro não foi nessa) sorriu e mandou avançar
as suas tropas.
Angola
é um dos países lusófonos com a maior taxa de mortalidade infantil e materna e
de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas. Mas o que é que isso
importa? Importante é saber de facto que a Sonae vai avançar com o lançamento
dos hipermercados Continente, mesmo sabendo-se que o regime é um dos mais
corruptos do mundo. Ou será por isso mesmo?
Se
calhar é por isso mesmo. Recorde-se que o procurador português que em tempos
investigava o caso “BES Angola” ingressou no Banco Internacional de Crédito
(BIC), presidido pelo cavaquista Luís Mira Amaral, uma instituição de capitais
luso-angolanos que, mais uma vez, é dominada pela tal impoluta cidadã que é
filha do não menos impoluto cidadão, Isabel dos Santos e José Eduardo dos
Santos, respectivamente.
Seja
como for, o que conta é o “Hello tomorrow” (olá amanhã), rapidamente e em força
para... Angola.
Aliás,
muitos dos angolanos (muitos mesmo) vivem na miséria e raramente sabem o que
é uma refeição. Poderão, no entanto, fazer incursões ao Continente, ou melhor,
aos caixotes do lixo do Continente e lá encontrar restos quase novos de
comida. Cães não haverá porque esses são alimentados, como em tempos disse o
actual governador do Huambo, Kundi Paihama, pelos altos dignitários do regime,
todos eles verdadeiros filantropos.
A
Sonae, contudo, não é uma empresa filantrópica e, por isso, negoceia com os
donos do poder e, no caso de Angola, do país. E, como sempre, é muito mais
fácil negociar com dirigentes vitalícios do que com os que resultam de uma vida
democrática. Aliás, a família Azevedo gosta muito de viver em democracia. Já se
os outros vivem em ditadura, o problema é deles. O que importa é haver gente
com muitos dólares. E o regime tem fartura dessa espécie.
Também
é verdade que se a comunidade internacional não se preocupa com o facto de, em
Angola, poucos terem cada vez mais milhões e cada vez mais milhões terem pouco
ou nada, porque carga de chuva deveria ser a Sonae a preocupar-se?
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