Manifestações
pacíficas reprimidas com doses ditatoriais de violência física e psicológica
que, entre outras formas, passam por prisões arbitrárias e por assassinatos,
mantêm Angola com o rastilho da implosão aceso e em progressão.
Orlando
Castro - Folha 8 Diário
Mas
ninguém, a não ser os oprimidos, parece estar preocupado. O petróleo e os
negócios a ele contíguos compram o silêncio da comunidade internacional. Em
África tem sido assim desde há dezenas de anos. Até um dia.
A
comunidade internacional, desde a ONU à CPLP, passando pelos EUA e pela União
Europeia, dão com a sua passividade (uma forma de varrer o lixo para debaixo do
tapete) razão ao que dizia o moçambicano Tomaz Salomão, secretário executivo da
SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), quando se referia
aos ditadores que pululam por África: “São ditadores, mas pronto, paciência…
são as pessoas que estão lá. E os critérios da liderança da organização não
obrigam à realização de eleições democráticas”.
Tirando
as organizações que defendem os direitos humanos, ninguém está especialmente
preocupado com o barril de pólvora em que Angola se encontra, nem mesmo quando as
prisões arbitrárias terminam em assassinatos, nem mesmo quando a simples
colagem de cartazes termina, como foi o caso, com a morte, com dois tiros, de
Manuel Hilberto Ganga, líder juvenil da CASA-CE, em que o seu autor foi um
membro da Guarda Presidencial.
Aliás,
como se não bastasse terem assassinado o jovem Ganga, as autoridades ainda
fizeram gala em levar para o funeral o seu amplo aparelho repressivo (gás
lacrimogéneo, canhões de água, polícia armada até aos dentes e helicópteros
militares). Talvez temessem que o morto ressuscitasse. Seja como for, de uma
coisa o regime tem, ainda tem, a certeza: a comunidade internacional continua
solidária com os criminosos, certamente convicta de que as vítimas não são
propriamente pessoas.
Em
declarações à Voz da Alemanha, o historiador e sociólogo suíço Jon Schubert,
doutorando em
Estudos Africanos pela Universidade de Edimburgo, na Escócia,
e que viveu 10 anos em Luanda, o posicionamento passivo das grandes potências
deve-se aos interesses económicos, especialmente por parte dos países europeus
em crise.
Jon
Schubert constata que “o poder angolano está a investir de uma maneira muito
forte na economia portuguesa”, por exemplo. Assim se explica, afirma, o “receio
por parte não só da política portuguesa mas também da própria União Europeia de
falar sobre a política interna e a situação socio-económica em Angola”.
O
especialista suíço com experiência directa em Angola crê que, “nesse clima de
crise e austeridade na Europa, os governos europeus estão mais dispostos a
fechar os olhos em troca de investimentos”.
Além
disso, existirá também a convicção racista e esclavagista de que, como advogam
alguns dos mais radicais membros do regime, as potenciais vítimas da repressão
e de uma purga étnica que já se vislumbra, são cidadãos menores que não
justificam qualquer preocupação. Aliás, de há muito que a comunidade
internacional aposta nas guerras e nos genocídios em África. E aposta porque
sabe que as pessoas podem morrer, mas têm a certeza de que as riquezas lá
continuam à espera das aves de rapina.
As
declarações internacionais mais contundentes contra as violentas repressões à
liberdade de expressão que se passaram sobretudo (mas não só) em Luanda vieram
da organização não- governamental Human Rights Watch, que exigiu das
autoridades uma investigação profunda do assassinato de Manuel Ganga e dos
excessos cometidos pela polícia. Também a secção portuguesa da Amnistia
Internacional apelou a investigações imparciais.
Quanto
a outras reacções institucionais… ficaram na gaveta. A qualquer tentativa de
condenação, o regime acena com o petróleo (entre outros negócios) e cala de
imediato os críticos, colocando-os na posição em que mais gosta de os ver: de
cócoras.
José
Eduardo dos Santos sabe, até pelos factos recentes do norte de África, que de
um momento para o outro pode passar de bestial a besta. Mas, enquanto isso não
acontece, continua a ser dono e senhor de um país materialmente rico e
socialmente paupérrimo.
Segundo
o especialista Jon Schubert, “noutros contextos, a comunidade internacional
mais facilmente ameaça com sanções, como aconteceu há poucos meses atrás com o
caso do Ruanda”. “O Governo angolano tem uma grande independência também graças
à produção de petróleo” pelo que, “torna-se muito mais difícil influenciar a
política interna angolana”, explica.
Apesar
da campanha global para lavar a imagem de José Eduardo dos Santos, procurando
apresentá-lo como um estadista impoluto e honorável, a realidade interna
demonstra um Presidente autoritário, rodeado pelos mais radicais membros do seu
partido e do regime que está no poder desde 1975, incapaz de perceber que não é
possível enganar e domesticar o Povo, mesmo quando este tem permanentemente a
barriga vazia. Fechado na redoma da corrupção, continua convencido que será
eterno. É isso, aliás, que lhe dizem os seus acólitos e até os dirigentes
europeus.
“Travar
uma manifestação pacífica, dispersar a população com o uso de gás, prender
manifestantes e matar activistas, tudo isto contradiz a intenção e a linguagem
do Presidente de Angola que se tenta projectar para fora como um Governo de
modelo democrático”, argumenta o especialista Jon Schubert.
As
autoridades angolanas justificaram a proibição das manifestações do dia 23 de
Novembro, e até mesmo a musculada presença no cortejo apeado de Manuel Ganga,
por considerarem haver uma ameaça à paz e a necessidade de se manter a
estabilidade conquistada.
Até
nisto o regime mostra que os fantasmas habitam em todas as esquinas do Poder. E
são tantos que, afinal, poderão não ser fantasmas mas, antes, a realidade bem
humana que tanto medo provoca.
Num
cenário em que vale tudo (sobretudo matar a sangue frio) para manter o poder e
em que os poucos que têm milhões continuam a ter cada vez mais milhões, e
muitos milhões não têm sequer o que comer, não custa a crer que a linguagem das
armas volte a ter muitos adeptos.
É
de crer que, vendo que a luta política democrática também foi assassinada pelo
regime, sejam cada vez mais os que pensam que para grandes males é preciso
encontrar grandes remédios. É certo que Eduardo dos Santos está à espera disso
mesmo. O MPLA presidencial, tal como o próprio Presidente, não sabem viver em democracia. E , por
isso, querem voltar à guerra. O nosso Povo mostrou que não quer essa opção. Não
quer, é certo. Mas se tiver de ser… De facto, se com este regime esclavagista
os angolanos são obrigados a viver sem comer, muitos pensarão que nada têm a
perder. E quando assim é…
E
é esse povo que, de barriga vazia, sem assistência médica, sem casas, sem
escolas, reclama por justiça e que a vê cada vez mais longe. E é esse povo que,
como disse o arcebispo do Huambo, D. José de Queirós Alves, não tem força mas tem
razão. Mas a força também se arranja, mesmo que com isso (como é o caso do
regime) se perca a razão.
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