Folha
8, 27 setembro 2014
Engenheiro
José Eduardo dos Santos. Parabéns senhor presidente!
(carta
datada de 21 setembro 2014)
Faz
exactamente, hoje, 35 anos, que por decisão do Comité Central do MPLA- PT, o
Senhor tomava posse nos cargos de Presidente do MPLA, Presidente da República e
Comandante em Chefe das extintas FAPLA, na sequência da morte, por doença, em
Moscovo, do então Presidente da República Popular de Angola, o Doutor
Agostinho Neto.
Eu,
tinha apenas 2 anos e hoje tenho a mesma idade que o Senhor, naquela altura; 37
anos de idade!
Nasci
em 1977, o fatídico ano que registou a maior chacina da história do nosso país,
no rescaldo dos trágicos acontecimentos do 27 de Maio, cuja Comissão de
Inquérito o Senhor chefiou, mas até aos nossos dias não se conhecem as
conclusões, nem as verdadeiras razões que estiveram na base do banho de sangue
que ceifou quase uma centena de milhar de angolanos!
Os
meus parabéns não são de regozijo, mas uma forma de exprimir o repúdio e,
também, a minha elevada preocupação pelos efeitos nefastos da longa governação
ditatorial assente no nepotismo, na corrupção, no clientelismo, e noutros males
que frenam o desenvolvimento de Angola e dos angolanos.
O
país está a braços com a maior crise sócio - política e económica de todos os
tempos fruto das más políticas e práticas que, de um lado excluem e submetem
milhões de angolanos a condição de indigentes e até mesmo miseráveis e, do
outro lado, beneficiam os filhos, amigos e membros da sua mouvance.
Segundo
o mais recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância, UNICEF,
publicado no dia 17 de Setembro 2014, Angola está no top de países com a mais
alta taxa de mortalidade infantil, devido a fraca capacidade do sistema de
saúde em garantir o acesso a cuidados básicos de saúde de qualidade, universal
e gratuitos às nossas crianças, bem como aos graves problemas de saneamento
básico, ao difícil acesso à água potável e a vergonhosos problemas
nutricionais!
Enquanto
isso, a sua filha, Isabel dos Santos, que diz ter começado a ganhar dinheiro a
vender ovos é apresentada pela conceituada revista norte- americana Forbes,
como sendo a mulher mais rica de África, com uma fortuna avaliada em milhões de
milhões de dólares, muitos deles sacados do erário público e outros ganhos
através de negócios monopolistas que exploram e roubam desavergonhadamente os
angolanos, a exemplo da UNITEL.
Ao
seu filho José Filomeno de Sousa dos Santos, sócio do misterioso Banco Kwanza
Invest, que não se sabe bem que papel desempenha nos sistemas financeiro e
bancário angolano, o senhor atribuiu, em 2012, sem concurso público, a gestão
do Fundo Soberano, com capital inicial de cinco mil milhões de dólares, cujos
actos de gestão não são fiscalizados pelo Tribunal de Contas nem pelo
Parlamento!
Aos
outros dois seus filhos, nomeadamente a Senhora Welwitschia Tchizé dos Santos e
ao seu irmão José Eduardo Paulino dos Santos, através de uma das suas várias
empresas, a Semba Comunicação, o senhor adjudicou, por ajuste directo, a gestão
do Canal 2 da Televisão Pública de Angola, violando a Lei da Contratação
Pública.
Em
suma, graças às ostensivas práticas de nepotismo, de pura promiscuidade e
improbidades na gestão da coisa pública, toda a sua prole goza de acesso
privilegiado a todos os recursos de que Angola dispõe e aos mais variados
negócios, desde o petróleo, passando pelos diamantes, banca, publicidade,
cimento até a recolha do lixo (!), tudo isto em contravenção ao que dispõe a
Constituição da República de Angola, em matéria de igualdade de tratamento de
todos os cidadãos, à Lei de Probidade Pública, bem como às mais elementares
regras éticas.
O
Senhor tem governado Angola sem legitimidade para tal, alías, basta recordar o
seu papel na subversão do Estado de Direito e na manipulação da vontade
soberana do povo, através de fraudes sistemáticas em toads as eleições até
aqui realizadas.
A
sua ilegitimidade é reforçada pela forma autoritária e discricionária como tem
exercido o poder marcada por recorrentes agressões e violações constantes à
Constituição e a lei que o Senhor jurou respeitar e defender.
São
disso exemplos, para além dos acima já mencionados, a violação grosseira dos
direitos, liberdades e garantias dos angolanos consagrados na Constituição da
República de Angola.
O
controlo e a manipulação dos meios de comunição social, a intolerância
política, o esbulho de terras, a excessiva violência contra as Zungueiras e
vendedores ambulantes, a brutalidade exercida na repressão de manifestações
pacíficas, a perseguição de activistas cívicos, as mortes por motivações
políticas em tempo de paz, fazem parte das práticas abusivas e reiteradas que
caracterizam o seu regime.
A
propósito, que conclusões é que o Senhor pretende que os angolanos tirem da
suposta promoção, à patente de Genaral, que o Senhor, na qualidade de
Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas- FAA terá procedido ao Senhor
António Gamboa Vieira Lopes, detido preventivamente, por mandado do Ministério
Público, pela sua implicação nas mortes dos activistas cívicos Alves Kamulingui
e Isaías Kassule?
Se
a cultura da morte não é prática do seu regime, o que nos dirá o Senhor sobre
as mortes de Ricardo de Melo, Nfulupinga Nlandu Victor, Alberto Chakussanga,
António Jaime, Armindo Sikaleta, Paulina Tchinossole, Zola Kamuku, Filipe
Chakussanga, Manuel Ganga e outros tantos que perderam as suas vidas sob seu
silêncio cúmplice?
A
corrupção tornou-se a maior instituição de Angola, cujo Quartel-general
encontra-se na Presidência da República.
O
Senhor sequestrou o país e usa os seus órgãos e instituições de forma
fraudulenta para se perpetuar ilegitimamente no poder, prática que configura
crime.
Escrevo-lhe,
pois esta missiva para exortá-lo a demitir-se, tanto não seja para que tanto o
Senhor, assim como os seus colaboradores que no uso indevido das prerrogativas
das funções que ocupam, envolveram-se em crimes de vária natureza, sejam
amnistiados e perdoados pelos males, dores e sofrimentos que durante décadas a
fio têm infringido à maioria esmagadora dos angolanos.
Numa
altura em o culto da sua personalidade atinge as raias de um ridículo
endeusamento, escrevo-lhe no exercício da minha cidadania e com
responsabilidade de um angolano preocupado com o presente, mas, sobretudo com o
porvir, julgo ser imperioso ter a coragem de ir à contramarcha e alertar, sem
curvas, para os perigos iminentes.
Não
tenho nada contra a sua pessoa e o que lhe escrevo nesta missiva é a expressão
de um sentimento generalizado, partilhado até por oportunistas e hipócritas que
o rodeiam e veneram, que tal como já o vimos noutros exemplos da história,
serão os primeiros a desembaraçar-se de si e, para lavar as mãos, quais Pôncio
Pilatus, inventarão estórias e até falsos testemunhos contra si.
Acho
que o Senhor vai a tempo de sair com alguma dignidade e garantir um futuro
tranquilo para si e para os seus. Não se tratará de um gesto de fraqueza, antes
pelo contrário, será um acto de patriótico de transcendental que pode
alavancar o País rumo a uma transição pacífica, nos marcos da Constituição da
República de Angola.
Acho,
igualmente, serem estes o momento e a única forma que lhe restam para ser
lembrado na história como “um bom patriota”, de acordo com o seu desejo,
expresso publicamente.
A
contento de todos, a sua demissão não só é desejável e possível, mas tão
necessária e, talvez muito mais, do que foi a substituição do Doutor Agostinho
Neto, há 35 anos!
Para
terminar, felicito-o pelo seu 72.º aniversário natalício.
Luanda,
aos 21 de Setembro de 2014.
Subscrevo-me
Alcibíades
Kopumi
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