A
vitória da direita traria graves prejuízos para a estabilidade política da
América do Sul e deitaria por terra a vitoriosa política brasileira de
aproximação com a África
Roberto
Amaral – Brasil de Fato
O
suicídio histórico está à mão de todos, inclusive dos partidos. Quantas
organizações já floresceram em nosso solo e nele encontraram seu féretro? Na
Europa de hoje vive-se a agonia dos antigos partidos socialdemocratas (como o
Partido Trabalhista inglês) e socialistas, como o lamentável Partido Socialista
francês ou o Partido Socialista Operário espanhol. Antes, se haviam desnaturado
os partidos comunistas ortodoxos, de especial o esperançoso Partido Comunista
Italiano de Gramsci e Togliatti. Uns e outros, e nós aqui, a esquerda de um
modo geral, não conseguimos nos desfazer, racionalmente, dos escombros do Muro
de Berlim. Mirando sem olhos para ver, sem engenho e arte (ou coragem),
renunciamos à missão de construir, ou pelo menos projetar, o socialismo do
século XXI. O passado nos prende e o futuro assusta.
O
fato de a ascensão do pensamento conservador ser hoje dominante nas
democracias ocidentais, a começar pelas europeias, torna ainda mais perniciosa
a ameaça de retrocesso do quadro político brasileiro, seja em face de seu
significado intrínseco – as implicações sobre o futuro de nosso País e de
nossa gente – seja em face de suas consequências geopolíticas. A vitória
da direita traria graves prejuízos para a estabilidade política da América do
Sul e deitaria por terra a vitoriosa política brasileira de aproximação com a
África, lá deixando o caminho aberto para os interesses da China e outros
concorrentes. Significaria ainda o retorno ao papel subordinado que nos
anos FHC desempenhou a política externa brasileira, a desarticulação do
Mercosul, a retomada da Alca em outros termos, o enfraquecimento do
BRICS – por fim, a renúncia a uma política soberana. O Brasil,
como anuncia o principal porta-voz do tucanato, o cônsul honorário de Wall
Street com escritório na Fiesp e espaço nos jornalões, voltaria a falar grosso
com a Bolívia e fininho, pianinho, com as grandes potências, às quais nossos
interesses – políticos, econômicos e estratégicos – estariam, de
novo, condicionados.
É
imperativo evitar tudo isso.
O
retorno do neoliberalismo significaria a renúncia ao
nacionaldesenvolvimentismo, com a recuperação da ortodoxia monetarista,
o arrocho fiscal que só pune o pobre, beneficia o sistema financeiro e o
capital improdutivo, o rentismo e a especulação, a roleta artificial das
bolsas. A velha e cediça lição do FMI da qual nos livrou o atual governo: corte
de gastos sociais, contenção dos juros e redução do crédito, tarifaço, arrocho
salarial, ‘flexibilização’ das leis trabalhistas. Já vimos isso aqui e estamos
vendo o que estão fazendo na Europa. Sabemos, pois, no que dá.
O
candidato da direita já anunciou quem seria seu ministro da Fazenda. Dúvidas,
portanto, não há. E não é sem motivos que a Economist, conspícua
representante do conservadorismo inglês, lhe anuncia apoio.
É
preciso cuidar, pois a emergência do pensamento conservador é a ata das
eleições encerradas no primeiro turno. Mas não é fenômeno puramente eleitoral;
bem ao contrário, esse declive reflete a nova paisagem ideológica do país,
tendente a se consolidar se a ela não reagirmos. Presente nos mais diversos
estratos sociais, quase sempre associado a preconceitos e ao primitivismo
ideológico, que na Europa já descambou para a xenofobia, percorre o vasto
tecido das relações político-sociais.
Dois
indicadores desse retrocesso: a candidatura tucana haver passado para o
segundo turno, e a composição da nova Câmara dos Deputados, que anuncia uma
legislatura ainda pior do que a atual. Tal tendência, reacionária, cujas
consequências ainda não podemos medir, não é obra pura da direita,
poderosíssima, mas de gritante mediocridade ideológica. Para esse reverso muito
contribuíram a degeneração dos partidos em geral, e, muito particularmente, a
vitória, nas chamadas hostes progressistas, do oportunismo batizado de pragmatismo
eleitoral, rompendo com compromissos históricos, alianças e programas. Essa
esquerda à qual me refiro confunde-se, no mundo objetivo, na prática do dia a
dia, com a direita e as forças conservadoras, pois, a exemplo
delas, adota como programa e meta, tática e estratégia, a política do
poder pelo poder, descasado dos fins e, assim, renuncia à praxis.
Revelação
do desconforto popular é o sentimento generalizado de que o voto não é
instrumento de mudanças. Dos cerca de 143 milhões de cidadãos aptos a votar no
primeiro turno, nada menos de 29% se abstiveram de votar, votaram nulo ou em
branco.
O
diagnóstico, porém, de nada valerá se a ele não se seguir a ação pronta das
forças progressistas e populares.
A
questão, afinal, é essa: não se explica a ascensão da direita sem por na mesa a
crise da esquerda. Ao mesmo tempo em que renegamos o passado, não nos
preparamos para a tarefa de construir o futuro, que bate à porta. Tudo
acriticamente. Sem formulação, perdemos a militância e, por fim, perdemos o
debate que não enfrentamos. Nunca a ausência de firmeza ideológica foi, como
presentemente entre nós, tão decisiva na paralisia da praxis. Lá e cá.
Aqui, o partido fundado para a pregação socialista democrática, de uma esquerda
avançada, livre da memória stalinista, associa-se à direita, renuncia a si
mesmo, suicida-se e renega a biografia de seus fundadores.
Independentemente
de filiação partidária, dispomos, a sociedade, de menos de uma semana para
enfrentar o vazio que nós mesmos, a esquerda orgânica, cavamos. Há muito o que
fazer e a principal tarefa é, contra a ascensão do conservadorismo, estimular a
participação popular.
Para
tanto é fundamental deixar claro que a escolha que interessa ao povo e ao País,
não está restrita a esse bipartidarismo de fancaria que, segundo os interesses
da classe dominante, opõe PT e PSDB. Não está mesmo em jogo a moralidade e o
zelo à coisa pública, embora o tema esteja a exigir a autocrítica dos
governantes. Ouso dizer, não estão em jogo nem mesmo as aptidões de Dilma e os
defeitos de Aécio. Joga-se no próximo dia 26 o destino deste País. Nas
urnas diremos se ainda perseguimos uma sociedade em busca da justiça social
que, sem ignorar os conflitos de classe, protege agora os pobres diminuindo as
distâncias sociais e aumentando as condições objetivas de ascensão social,
mediante a produção de riqueza e sua redistribuição – matizada, é certo,
pelo regime em que vivemos. Os últimos 12 anos mostraram que, não obstante essa
realidade miserável imposta pelo capitalismo, é possível governar tendo como
norte o interesse coletivo, a proteção do trabalho e dos trabalhadores, dos
assalariados em geral, e a primazia dos interesses dos pobres, dos mais pobres
e a extirpação da miséria, sem prejuízo do desenvolvimento.
Por
que e em nome de que renunciar a esse avanço histórico?
A
opção que se coloca para o eleitorado brasileiro é entre atraso e progresso,
passado e futuro, medo e esperança. Haveremos de apostar no melhor caminho.
*Texto
publicado originalmente na Carta
Capital.
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