domingo, 26 de outubro de 2014

O DESAPEGO PELA VIDA HUMANA



Roger Godwin – Jornal de Angola, opinião

Se há coisas em que os islamitas radicais se especializaram, sem dúvida que uma delas é o total desapego que mostram pelo valor da vida humana.

Seja a sua, que auto-sacrificam em defesa de valores que a compreensão não entende, ou de outros seus semelhantes que tiveram o azar de se cruzar com a sua incontida intolerância.

O grupo al-Shaba, que há décadas enferniza a vida do povo da Somália, e que se julga estar prestes a ser desbaratado, continua a não perder uma oportunidade para marcar com sangue os locais por onde passa.

A vítima mais recente da forma assassina como os radicais islâmicos da Somália tratam o povo que desgraçadamente controla é um jovem de 18 anos, que após um dos famosos julgamentos islâmicos foi condenado à morte, por apedrejamento, na sequência de acusações de que teria violado uma outra jovem de 28 anos de idade.

A execução da pena, feita imediatamente a seguir à leitura da sentença, contou com a presença de milhares de assistentes, não por vontade própria, mas que para isso foram obrigados pelas autoridades da aldeia onde o muito comentado caso ocorreu.

Na verdade, a acusação de violação nao foi feita pela suposta vítima, mas sim pelos seus familiares, que não gostavam do jovem em questão pelo facto deste pertencer a uma família de poucas posses financeiras.

Não obstante as declarações da jovem a dizer que não foi violada e que havia mantido relações com o rapaz de livre e expontânea vontade, a verdade é que a pena foi executada e o tribunal islâmico, mais uma vez, manchado com sangue de gente inocente.

Neste momento, na Somália, o governo que as Nações Unidas apoiaram para tomar posse em 2012 está a obter sucessivos e significativos sucessos militares na sua perseguição aos radicais islâmicos, sendo cada vez maior a faixa de território que lhes conseguiram recuperar.  No entanto, os avanços militares, infelizmente, não estão a ser acompanhados das necessárias acções de reinstalação da administração do Estado, o que deixa aberta a porta para que, em curto espaço de tempo, esses radicais se reorganizem e reocupem as posições anteriores.

A reocupação dessas posições por parte dos radicais, quase sempre, é acompanhada de campanhas de vingança que culminam com assassinatos em massa e com a imposição de uma série de castigos a todos os que apoiaram as investidas das forças do governo.

Uma das formas que os rebeldes do al-Shabab encontram para se vingar é a instalação dos temidos tribunais islâmicos, onde a arbitrariedade acontece de modo natural e a força da palavra é medida de acordo com a expressão do empenho da pessoa na luta contra os que apoiam os “infiéis”.

Foi assim, por exemplo, que numa aldeia para onde regressaram os homens do al-Shabab depois da saída das forças do governo, uma mulher foi também condenada à morte por apedrejamento por ter sido “provada” a acusação de que tinha cinco maridos ao mesmo tempo.

Essa mulher, veio a saber-se depois, era proprietária de uma casa de comidas onde capacetes azuis das Nações Unidas habitualmente tomavam as suas refeições e tinha 74 anos de idade sendo, até por isto, improvável que tivesse esses tais cinco maridos.

O actual governo da Somália, por muita vontade que tenha – e que, de facto parece ter – muito dificilmente terá capacidade prática para assumir sozinho a reinstalação da administração do Estado nos locais de onde consegue expulsar os rebeldes.

Sem o apoio dos países amigos e, especialmente daqueles com os quais compartilha as suas fronteiras, muito dificilmente poderá o governo acabar com o perigo do al-Shabab, correndo mesmo o risco de ser confrontado, a breve trecho, com o regresso a um tenebroso passado recente.

As forças das Nações Unidas e da União Africana que actualmente apoiam o governo da Somália, por seu lado, precisam de um mandato mais amplo e que requer outro tipo de meios logísticos e financeiros, para poder cumprir com eficiência a missão que deles esperam todos aqueles que entendem ser o radicalismo islâmico um perigo universal e que não se confina, apenas, aos países que neste momento mais directamente sentem os seus efeitos.

A natural fragilidade de um governo que depende da ajuda militar externa para poder continuar em funções é um motivo evidente para que sejam desenvolvidos esforços e e beneficie dos devidos apoios da comunidade internacional, que tem a responsabilidade moral e política de auxiliar os países mais fragilizados em termos de capacidade para fazer face aos desafios que enfrentam.

A expansão do radicalismo islâmico no continente africano é um problema que está muito longe de estar em vias de solução e que carece da atenção generalizada e atenta de todos.

Combater o radicalismo lá, onde ele se manifesta de forma mais violenta, é o melhor método para evitar que ele se expanda e ganhe uma força irreversível.

Esperar que o azer nos bata à porta para depois então agir não será a forma mais adequada de evitar que o problema se agrave e aumente até atingir proporções verdadeiramente irreversíveis.

Os exemplos aqui dados em relação aos tribunais islâmicos na Somália são apenas decorativos, para se saber os problemas com que cada país africano se poderá confrontar se nada for já feito.

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