Luka
Franca - BiDê Brasil, São Paulo – Opera Mundi
Processo
de estigmatização dos negros pelo mundo quando há surtos epidêmicos só reforça
o quanto a saúde sofre de um profundo racismo institucional
A epidemia
de ebola que assola há décadas o continente africano começou a
preocupar o mundo. E essa preocupação tem muito pouca relação com o espírito
humanitário dos outros continentes e é mais um estigma histórico que é imposto
ao continente mais negro do mundo e com mais disparidades sociais.
No
Brasil, a preocupação apareceu após a suspeita de contagio por ebola de um
imigrante africano. Nos EUA, a preocupação surgiu um pouco antes, quando houve
suspeita de contagio por parte de um homem no Texas. O que vemos acontecer hoje
com o ebola não se difere em muito com o processo de estigmatização sofrido por
homossexuais, haitianos, usuários de heroína e hemofílicos quando a Aids
começou a aparecer fora da África. Ah! A África, este continente que irradia
doenças e retrocessos para o resto do mundo, lar de boa parte dos marginalizados
sociais e que, pra onde quer que seus herdeiros vão, carregam em si uma espécie
de marca maligna que justifica perseguição, estigmatização e violência.
Esse
processo de estigmatização dos negros pelo mundo quando há surtos epidêmicos só
reforça o quanto a saúde sofre de um profundo racismo institucional.
Já
nos perfis das redes sociais, os comentários eram os piores, expondo um racismo
latente. Na página “Brasileiríssimos”, um participante publicou um comentário
em que afirmava não ser racista, mas que achava que “este NEGRO que está com
Ebola no Rio de Janeiro deveria ser sacrificado”. Numa outra publicação num
perfil particular, uma jovem dizia que todos os africanos deveriam morrer
porque eles só trazem doenças. No Twitter, um usuário pedia que fossem jogadas
três bombas no continente africano, já que fora da África há poucos casos de
infectados e que tinha como controlar a doença. Outro post pedia que matassem
logo o africano, pois “melhor morrer um do que morrerem mil”. (ALLEMAND, Márcio. Suspeita de ebola em africano gera
comentários racistas nas redes sociais)
O
fato é que o estado burguês e racista vem estruturando pelo mundo uma
organização social que coloca os negros, os marginais sociais em situação de
maior vulnerabilidade. Tanto hoje o apavoro que se coloca sobre o ebola, quanto
o que foi feito com a Aids demonstra uma organização em escala mundial do
racismo institucional na saúde. Não é menor o fato de que os maiores óbitos até
hoje das duas doenças são no continente africano e não em qualquer outro.
Talvez este seja uma das mais cruéis heranças que Faetonte tenha legado ao continente africano: a estigmatização
por ser negro.
O
fato é que as políticas de isolar os países africanos que sofrem há décadas com
o ebola é também uma forma de impor aquela população uma política genocida e de
campo de concentração. O processo estruturado de empobrecimento que tem em seu
cume a segregação racial resvala também no processo de marginalização cada vez
profundo no sistema capitalista, tendo recorte inclusive no sistema de
encarceramento em massa.
“Nos primeiros dias da epidemia de
Aids nos EUA, o medo, o estigma, a recusa de tratar as
pessoas, de tocar as pessoas, foi um grande desafio”,
disse Kates à Newsweek. “Já existem histórias de medo
e preocupação sobre quem tem visitado países na África
Ocidental”.
Kates compara isso
às atitudes expressas para com o povo do
Haiti, nos primeiros dias da epidemia
de aids. Haitianos passaram a fazer parte dos “quatro H” de
“homossexuais, viciados em heroína, hemofílicos e haitianos”, segundo a Avert, uma
organização internacional sem fins lucrativos para
combater HIV e Aids. (WESTCOTT, Lucy. Resposta americana ao ebola faz eco dos
primeiros dias da epidemia de Aids)
Em “Antiblack Racism and the AIDS Epidemic”, Adam M. Geary
aponta o quanto o processo de segregação dos negros nos EUA facilitou a nos
tornar mais vulneráveis a uma transmissão em massa de HIV. Geary faz uma
avaliação apenas levando em conta os negros estadunidenses infectados pelo HIV
e como a organização racista do Estado naquele país garantia que os ghettos ajudassem
na proliferação da epidemia. Os países africanos hoje com o ebola, assim como
foi com a Aids, são estes ghettos mundiais: estados nacionais
organizados para a proliferação e opressão de toda uma população negra e que,
de tempos em tempos, é profundamente estigmatizada por conta de problemas de
saúde que não são intrinsecamente ligados a raça ou pobreza.
Na
melhor das hipóteses, a associação de epidemias com a pobreza é estático. Na
pior das hipóteses, é enganosa. Nas sociedades capitalistas, onde a pobreza é
construída para preservar a apropriação privada do excedente social do
trabalho, a condição dos pobres, incluindo a saúde, é um produto dinâmico de
sua relação com a riqueza, não uma função da própria pobreza. (STARK, Evan.
Passagem usada na página 71 de “Antiblck Racism and the AIDS Epidemic”)
Em
uma sociedade capitalista e racista a forma como estão organizadas as
periferias dos países e as periferias do mundo são catalisadores importantes
para a transmissão em massa de epidemias, criando eternos espaços
marginalizados, estigmatizados e, principalmente, vulneráveis a toda forma de
racismo institucional quando surge a ameaça das epidemias saírem dos espaços
onde “naturalmente” elas existiriam e matariam os alertas e o pavor criado em
torno estas epidemias dá vazão ao mais vil preconceito.
O
que vemos hoje acontecer no mundo é o atestado de como estamos falidos
humanitariamente. A tardia preocupação com o ebola foi também a tardia
preocupação com o HIV e hoje o processo desembocado no Brasil, onde africanos e
haitianos tem sido estigmatizados como possíveis portadores do ebola apenas
coroa esse processo todo de racismo existente no mundo. Inclusive por que tomar
medidas preventivas nos países mais centrais, sem resolver realmente o drama
existente junto ao marginalizados na África, só coroará ainda mais uma
perspectiva racista e genocida de tratar aquele continente.
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