Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Grande
parte dos socialistas e dos sociais-democratas europeus renderam-se ao
"realismo neoliberal" e lançaram borda fora o que lhes restava da sua
tradição histórica
Assistimos
ao lento desmoronar da ideia romântica de uma Europa Unida - federada, solidária
e democrática. A solução imposta pela Alemanha para gerir a "crise das
dívidas soberanas", desde 2010, expôs e ampliou, nalguns casos de forma
dramática, todas as fracturas que, desde o fim da II guerra mundial, se
procuravam calcificar. A descrença na Europa unida é total e velhos ódios
nacionais reacenderam-se. A maioria dos povos europeus, escaldada, está
completamente alheada do "projecto europeu". Olha com desdém para os
medíocres dirigentes europeus que nos conduziram até aqui e que, cegos, persistem
no mesmo rumo. A elevada abstenção nas "eleições europeias" é um
sinal inequívoco do desinteresse e da desmobilização dos povos europeus. De
desprezo ao desprezo a que foram votados.
Neste
desfecho, os socialistas e sociais-democratas europeus não podem sacudir a água
do capote. Não encontraram uma resposta capaz às questões que a globalização
colocou e, muito menos, uma resposta à revolução neoliberal que a direita tem
conduzido nas últimas décadas. Nem uma alternativa séria à austeridade, imposta
por Berlim, como solução à "crise das dívidas soberanas". No fundo,
grande parte dos socialistas e dos sociais-democratas europeus renderam-se ao
"realismo neoliberal" e lançaram pela borda fora o que lhes restava
da sua tradição histórica e dos seus pergaminhos ideológicos. A começar pelo
partido social-democrata alemão, agora coligado no governo com os falcões da
política europeia.
Não
é, pois, de estranhar que, neste trilho, enquanto o presidente francês, o
socialista François Hollande, passeia a sua desorientação política e a sua
impopularidade pela reabertura do museu Picasso, Manuel Valls, o
primeiro-ministro, também socialista, proponha a alteração do nome do partido
socialista e sua unificação política, orgânica e programática com as forças
políticas da direita francesa. Por este caminho, ao desfazer da União Europeia,
tal como foi projectada, somar-se-á o domínio avassalador de um pensamento
único, meio caminho andado para o totalitarismo.
A
falta de reflexão, de pensamento e de soluções práticas do socialismo
democrático, como alternativa à revolução neoliberal, não apareceram agora com
esta crise. Vêm de trás. Já em 1996, um ano antes do trabalhista Tony Blair, a
cara-metade de Bush, na aventura da invasão do Iraque, ter chegado ao poder na
Grã-Bretanha, com a sua "terceira via", Alain Touraine, numa carta
aos socialistas franceses, independentemente do que na altura propunha,
levantava muitas das questões que hoje se colocam aos socialistas europeus.
Escrevia Touraine: "A esquerda parece esquartejada entre uma política
realista de direita e um discurso que soa a vazio". Esta inclinação da
maioria dos socialistas e sociais-democratas europeus para pensar como a
direita; este acomodar ao "realismo" da ditadura do dinheiro sobre a
dignidade dos cidadãos, sobretudo os mais desprotegidos, não vai dar bons
resultados. Deixa milhões de pessoas, por essa Europa fora, sem esperança, nem
representatividade política. Se esta eutanásia acontecer, um turbilhão de novas
esperanças pode varrer os socialistas do mapa político da Europa. Citando a
última frase de "Cem Anos de Socialismo", de Donald Sassoon:
"Todos quantos têm mostrado simpatia para com o projecto socialista, que
têm sofrido com as múltiplas prevaricações, os constantes compromissos e as hesitações
estultas dos partidos organizados, não devem esquecer que, apesar de tudo,
esses partidos são a única esquerda que resta". Agora, cabe perguntar: até
quando?
PS
- O facto da direita portuguesa, o PSD e o CDS-PP, estar obrigada a concorrer
às próximas eleições coligada é uma boa notícia. O facto do PS mostrar
disponibilidade para dialogar com outros partidos e movimentos de esquerda,
tendo em atenção a formação do próximo governo, é outra boa notícia. É pouco,
mas é um caminho para a separação de águas.
Jurista.
Escreve à segunda-feira
Na
foto: Francois Hollande, socialista
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