Rui
Peralta, Luanda (continuação - ler anteriores)
IV
- O Zimbabwe ocupa uma área de cerca de 390 mil km quadrados, habitado por,
aproximadamente 10 milhões de pessoas. Não tem saída para o mar (o seu ponto
mais próximo do Oceano Indico dista 200 km ), sendo as suas fronteiras a Noroeste
com a Zâmbia, a Nordeste e a Este com Moçambique, a Sul com a África do Sul e a
Sudoeste com o Botswana. A maior parte do seu território encontra-se a 1400 m sobre o nível do mar,
mais baixo a Noroeste, descendo sobre o rio Zambeze e a Sudeste, nas margens do
Limpopo. O ponto de maior altitude, Inyangani, encontra-se a cerca de 2600 m do nível do mar. O
rio Zambeze traça a fronteira com a Zâmbia e as suas águas atravessam 2/3 do
território do Zimbabwe. Na estação das chuvas (de Novembro a Março), as
temperaturas variam entre os 22 e os 30 graus centígrados e na estação seca
entre os 14 e os 20. A
pluviosidade é de 1400 mm
na região montanhosa oriental e de 400 mm na região meridional. A floresta cede o
lugar á
savana e volta a reaparecer, como floresta tropical, no extremo oriental do
país. O solo é fértil e rico em depósitos minerais. §26% da população vive nos
centros urbanos (60% da população urbana concentra-se em Harare e Bulawayo). As
províncias orientais são as mais populosas. A grande maioria da população é
banto, sendo os Shona o grupo maioritário (76%), seguido dos Ndebele (16%),
concentrados no sudoeste. Quanto á população branca representa 1,5% do total
populacional.
Originalmente
a região era habitada pelos caçadores e recolectores bosquímanos. Entre o
século V e o século X da nossa estes territórios são colonizados por povos
bantos provenientes da região dos Grandes Lagos. A colonização banto empurrou
os bosquímanos para o deserto e zonas áridas. Os que permaneceram nos domínios
do colonizador foram escravizados e numa fase posterior, assimilados. Os
povos que colonizaram esta região originaram uma rica e diversificada
civilização, bastante complexa, denominada Zimbabwe devido às suas estruturas arquitectónicas
(Zimbabwe, grande casa de pedra) já conhecido, por nome pelos mercadores arabes
no século XV. Nesta civilização desenvolveram-se dois reinos: Monomotapa e
Changa mira, ambos visitados pelos portugueses no seculo XVI, tornando-se
estados vassalos da coroa portuguesa, situação que mantiveram até finais do
século XVII. No século XVIII a explosão demográfica sentida na África Austral
provocou grandes alterações políticas e sociais na região situação agravada no
século XIX, quando os Ndebele atravessaram o Limpopo, fugindo dos boers. Os
Ndebele estabeleceram-se no Zimbabwe e forçaram os Shona a movimentarem-se para
Norte, mas pouco tempo depois o Império Britânico, desde a colónia do Cabo,
penetra no território e ocupa terras aos dois grupos tribais.
Em
1894 esses territórios tornaram-se o Estado da Rodhésia, sob administração da
British
South
África Company, fundada em 1889 por Cecil Rhodes. Quatro anos depois o
território é dividido em três regiões, duas a Norte (em 1911 unificados na
Rodésia do Norte, actual Zâmbia) e uma a Sul, a Rodésia do Sul, que em 1923
torna-se colónia britânica. Trinta anos depois as duas Rodésias e a
Niassalândia (actual Malawi) formam a Federação da Africa Central, dissolvida
em 1963. Dois anos depois a população branca da Rodésia do Sul rompem com a
Grã-Bretanha e impõem um regime racista, formado pela minoria branca.
O
governo da Frente Rodesiana, liderado por Ian Smith, inicia um programa
de reconstrução económica. mas o carácter racista do novo regime
minoritário provocou a revolta da maioria negra, que iniciou os seus protestos
em 1957, com manifestações, greves, paralisações, sempre duramente reprimidas
pelo governo de Ian Smith e seus alcoólatras da racista Frente Rodesiana. Na
década de 60 duas organizações decidem passar á luta armada: a ZAPU (União do
Povo Africano do Zimbabwe, fundada em 1961 por Joshua Nkomo) e ZANU (União
Nacional Africana do Zimbabwe, fundada por Shitole, em 1963, á qual aderiu
Robert Mugabe, dissidente da ZAPU). Em 1976 os dois movimentos coligam-se na
Frente Patriótica (sob a égide do Presidente zambiano Kenneth Kaunda),
participando nas reuniões internacionais entre o governo de Salisbúria,
liderado por Ian Smith, do UK e dos diferentes sectores oposicionistas. Três
anos depois a Frente Patriótica (PF) não participa nas eleições, que também não
foram reconhecidas pela ONU.
Deste
acto eleitoral, ganho pelo bispo Abel Muzorewa, que liderou o governo durante
breves meses, nasceu o Zimbabwe-Rodésia. Muzorewa foi forçado a demitir-se,
devido ao recrudescimento da guerra civil e ao problema do reconhecimento
internacional (a ONU não reconheceu as eleições, logo o governo surgido dos
resultados eleitorais não tinha legitimidade internacional) e o pais foi
temporariamente
administrado pelo UK, até às eleições de 1980, ganhas pela ZANU, com 63% dos
votos (57 deputados entre os 100 lugares - dos quais 80 em disputa - que
formavam o Parlamento), contra 24% (20 deputados) da ZAPU e 8% (3 deputados) do
UANC (United African National Council) de Muzorewa. A Frente Rodesiana ficou
com os restantes 20 lugares, reservados pela Constituição, aprovada por todos
nas negociações ocorridas durante o mandato britânico, apos o breve e fugaz
governo de Muzorewa.
A
18 de Abril de 1980, o Zimbabwe proclamou a independência e assumiu o seu lugar
no quadro das nações. Com a independência o povo zimbabweno aprenderia uma
verdade dura, que os povos das outras nações já haviam aprendido: no âmbito do
Estado-Nação o problema reside no Estado. As soluções encontram-se, sempre, na
Nação...
V - A inflação é o aumento do nível geral de preços, medida pela taxa de inflação, ou seja, pela percentagem anual desse aumento. Podem ser considerados três níveis, ou graus. de inflação: 1) inflação moderada, quando o nível de preços regista uma subida que não distorce os preços e os rendimentos; 2) inflação galopante, que corresponde a uma taxa de 50% a 200%; 3 )hiperinflação, que é a inflação com taxas muito elevadas, por exemplo, a mil, 1 milhão , mil milhões por cento ao ano. Este nível é a distorção total da realidade económica e social.
Existem
processos de inflação continuada, que se tornam previsíveis (a inflação por
inércia), sendo a taxa incorporada nos contratos e nas expectativas das
economias. A inflação pode, também, ter a procura como causa (inflação pela
procura), ou a oferta (inflação pelos custos). Seja qual for o nível ou o tipo,
a inflação afecta sempre os rendimentos. Na actualidade os governos e os bancos
centrais
(nas economias onde os bancos centrais gozam de um estatuto de autonomia),
calculam a inflação recorrendo a índices de preços, médias ponderadas dos
preços de milhares de produtos diferentes. O IPC (Índice de Preços ao
Consumidor) quantifica o custo de um cabaz de produtos e serviços,
comparativamente com o custo desse cabaz num determinado ano base.
Os
dois níveis perigosos de inflação (galopante e híper) são autênticos pesadelos
para os povos e conduzem a fenómenos de regressão social. Argentina, Chile e
Brasil conheceram estes graus inflacionários nas décadas de 70 (inflação
galopante, com taxas de 50% a 200% ao ano) e 80 (hiperinflação, com taxas
que atingiram os 700% ao ano). A Rússia experimentou os seus efeitos nas
décadas de 20 e de 90 e os USA no seculo XIX (durante a Guerra Civil) e no
século XX, durante a Grande Depressão na década de 20. Na mesma decada a
Alemanha viu a irrealidade tomar conta do protestante espirito germânico (daí
ao pesadelo nazi, foi um pulo).
No
nível galopante surgem graves distorções económicas. A maioria dos contratos
fica indexada ao IPC ou a moeda estrangeira (geralmente o dólar). A moeda
nacional perde valor muito rapidamente, sendo apenas utilizada para as
transações diárias e os mercados financeiros esvaziam-se com a fuga de capitais
para o exterior. No entanto a inflação galopante, por muito destrutiva que
seja, em nada se compara ao poder destruidor da hiperinflação, quando a
quantidade real de moeda (quantidade de moeda dividida pelo nível de preços)
reduz-se rapidamente e por sua vez os preços tornam-se extremamente instáveis,
deixando a estrutura económica em ruínas e o tecido social em estado de decomposição. As enormes flutuações nos preços e nos salários causam distorções
drásticas e profundas desigualdades, rapidamente aproveitadas pelas elites, que
através destes choques violentos rejuvenescem-se compulsivamente, sendo os seus
extractos menos desenvolvidos - que em condições normais seriam apenas
extractos residuais - os que assumem o poder, ou ficam em melhor posição,
impondo aos restantes sectores as suas políticas. É nesse exacto momento que a
regressão se institucionaliza e que muitas
vezes assume uma forma continuada, que
ultrapassa os limites temporais do processo inflacionário, tornando-se
normal.
Foi
dessa forma que Mugabe ampliou os seus poderes, ignorou a Constituição (algo
que não pertence ao seu vocabulário composto apenas por monossílabos e palavras
onomatopaicas), livrou-se dos seus concorrentes directos (sindicatos e
fazendeiros brancos) e encurralou o poder judicial. Tudo isso sobre as cinzas
da terra que queimou.
VI
- As políticas sociais estão sempre na mira das elites políticas e económicas
que as utilizam como um trunfo na manga, quando as economias estão a funcionar
normalmente, servindo de soporífero e sustentando a estabilidade. Existem
diversas variantes deste truque de ilusionismo que é o modelo keynesiano:
Estado Social, Mercado Social, Responsabilidade Social, Estado-Providência,
etc.. Em Africa estas figuras, por um conjunto de circunstâncias e
especificidades, limitam-se ao discurso do Poder. No mundo islâmico, os
integristas utilizam as políticas sociais da mesma forma e com o mesmo intuito
dos Nazis na Alemanha antes da II Guerra Mundial (com os seus espectaculares
serviços sociais, que impressionaram os operários social-democratas e comunistas)
e os fascistas italianos, na Itália dos inícios da década de 30, com a reforma
do trabalho, que tanto impressionou os sectores mais reformistas da
social-democracia). Outra forma de lidar com o assunto têm as actuais elites
europeias, que abriram concurso de "tiro ao prato social" para
eliminarem os direitos sociais, autênticos pilares da cidadania. É aí que as
políticas sociais são a razão de todos os males e as mães da inflação.
No
Zimbabwe as coisas não foram diferentes, mas com algumas especificidades. O
bando de Mugabe não atacou directamente as conquistas sociais da independência,
mas utilizou-as e desmantelou-as com a desculpa da situação económica, acusando
os seus adversários, internos e externos, pelo que estava a acontecer. Os
responsáveis eram os brancos, os sindicatos, a oposição, o poder judicial, os
australianos. Houve, no entanto, um sector onde as conquistas da independência
se mantiveram firmes, apesar de todos os constrangimentos: o sector da Saúde
Publica.
Foi
ao nível dos cuidados primários que esta conquista se revelou quase
irreversível. Ao nível das comunidades rurais foram criadas duas componentes: 1) Operadores Sanitários de Aldeia (VHW), Assistentes de Parto
Tradicional (TBA, ou TA) e a Central de Distribuição (CBD); 2) Centros Rurais
Sanitários (RHC).Após a adopção da Estratégia dos Cuidados Primários, 55 (um em
cada distrito) escolas de Operadores Sanitários de Aldeia (VHM) foram erguidas.
Os VHM formam a ligação entre a aldeia e o serviço local de saúde. As suas
funções principais são a prevenção, educação sanitária, informação e
mobilização da comunidade em torno dos assuntos ambientais, higiene, nutrição e
cuidados materno-infantis.
Antes
da proclamação da independência do Zimbabwe, as unidades mais periféricas dos
serviços rurais de saúde eram as clinicas, administradas pelas autoridades
locais. As clinicas funcionavam, normalmente, com uma ou duas enfermeiras
qualificadas ou com pessoal auxiliar não qualificado. Apos a independência,
esta função foi alargada e optimizada com a criação dos Centros Rurais de Saúde
(RHC). As velhas clínicas foram reapetrechadas e construídas novas estruturas,
tornando os cuidados de saúde mais acessíveis. Os RHC são constituídos por duas
enfermeiras qualificadas e por um Assistente de Saúde, formado. Os RHC fornecem
os serviços de prevenção, terapia e reabilitação nas áreas do planeamento
familiar, cuidados materno-infantis, saúde ambiental e higiene pública,
nutrição, controlo de epidemias, saúde mental e cuidados neurológicos e
serviços terapêuticos gerais.
Estas
estruturas são um alicerce de um Serviço Nacional de Saúde, essencial ao
bem-estar da população e ao desenvolvimento social.§ Estes e outros projectos
sociais são reivindicações históricas, direitos sociais assumidos que não podem
ser renegados e colocados no caixote de lixo. Não são estes projectos e estas
abordagens estratégicas os causadores de processos inflacionários. Antes pelo
contrário, eles são estruturas de combate ao desperdício de recursos, esse sim,
um dos viveiros inflacionistas, que adicionados á demagogia, aos instintos
predatórios das elites e á inépcia dos aparelhos de Estado (com os seus
intermináveis e kafkianos corredores onde se passeiam estranhas multidões de
funcionários disfuncionais) são os grandes impulsionadores dos descalabros
hiperinflacionários.
Os
alquimistas do Estado-Nação esconjuram nos seus sumptuosos gabinetes os ardis
utilizados para camuflar esta elementar contradição: o que a Nação cria, o
Estado suga! Curiosa e alquímica simbiose, esta, do Estado-Nação...será porque
sendo o Estado, nozes (o "Estado somos nós" é apenas um eco do
"Estado sou eu", do absolutismo), na Nação somos apenas vozes?
VII
- No Zimbabwe, os ténues sinais de recuperação (sempre publicitados como se
fossem proezas impares) apenas levantam a névoa que paira sobre os escombros.
Mas uma certeza permanece: não será desta que os seguidores de Rhodes irão construir o seu império do Cabo ao Cairo...Os povos africanos (mesmo
famintos, esqueléticos e destruturados), não deixam! Não é, afinal, Africa, a
Grande Nação, meus senhores?
VIII
- (...) Grita e grita. / Quem se esforçou não perdeu / mas ainda não ganhou. /
Lento, carregado e cruel / o trem africano...(Agostinho Neto, Trem Africano, in
Sagrada Esperança).
PS:
Tenho seguido - por motivos profissionais - a questão do presidente queniano
com o Tribunal Penal Internacional. Considero positivo a existência do TPI, não
partilho a opinião dos que consideram que o TPI é anti-africano ou que exista
algum tipo de "neocolonialismo judicial" (este conceito até seria
interessante e merecedor de um estudo aprofundado, não fosse apregoado pelos
bandos de lacaios do imperialismo e do neocolonialismo, os moços de recados do
capitalismo em África, que arvorados em nacionalistas referem o neocolonialismo
em jeito de birra, porque o dono deu-lhes um puxão de orelhas e coloca-os de
castigo com orelhas de burro, a um canto da sala). Vão muitos líderes africanos
ao TPI? Não me parece...(ainda não vi por lá o senhor Mugabe, por exemplo). Se
estão preocupados com o facto do clã Bush não ser chamado, ou lideres
sionistas, como Ariel Sharon, não serem chamados, ou pelos responsáveis dos
acontecimentos na praça Tiananmen não serem chamados, ou pelos corruptos
lideres europeus que mergulharam os seus países no descalabro, ou pelos
responsáveis dos bombardeamentos na Indochina, durante a guerra do Vietname, ou
das autoridades da imigração nos USA e por aí fora, numa lista interminável
(mas a que chegaríamos ao fim e essa é a nossa obrigação cidadã) têm razão em
estar preocupados e há que levar essa gente a julgamento, mas não tapem o sol
com a peneira! Lutem para que isso aconteça, (de certeza que aí, nessa ocasião,
estamos juntos) em vez de se porem em fila, vestidos com os novos e milionários
fatos, para receberem os líderes ocidentais, ou aparecerem nas revistas do Jet
Set ao lado de Obama. Quanto ao resto... Talvez se roubarem menos, se não
andarem a estragar os negócios dos cidadãos, ou se não andarem sempre a
monopolizar a vida económica e politica...
Há
uma "coisa" chamada democracia... Não, camaradas, manos e irmãos, não
são só eleições…
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