sexta-feira, 14 de novembro de 2014

G20 - Putin em entrevista: orientamo-nos por interesses, e não por simpatias ou antipatias




No sábado, na cidade australiana de Brisbane, a cúpula do G20 inicia os seus trabalhos. Aí, dirigentes dos 19 maiores países do mundo e da UE irão resolver tarefas da economia global. Na véspera da partida para a Austrália, O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em uma entrevista exclusiva à Tass, abordou as questões que planeja levantar nos encontros com os seus colegas.

O senhor presidente vai participar em mais uma cúpula do G20. Até que ponto este formato continua sendo necessário, atual e até que ponto é lógico que países do G20, ao mesmo que tentam cooperar e desenvolver a economia global, impõem sanções a um dos membros do G20?

Esse formato é necessário ou não? Penso que sim. Por quê? Porque o G20 é o lugar ou o palco onde nos podemos encontrar, analisar também as relações bilaterais, os problemas globais e pelo menos chegar a uma compreensão comum sobre a essência do problema e como o resolver, mostrar a via do trabalho conjunto.

Isto é o principal, porque é absolutamente irrealista esperar que tudo o que lá for analisado venha a ser realizado, tendo em conta que as próprias decisões não têm caráter obrigatório. E parcialmente não são cumpridas. Elas não são cumpridas onde e quando não correspondem aos interesses de alguém, antes de tudo trata-se dos interesses dos jogadores globais. Mas isso não significa que se trate de um formato inútil. Tem utilidade.

– Talvez tornar obrigatórias essas decisões?

Isso é impossível. Você sabe que não existem exemplos desses na prática internacional. À exceção das decisões das questões do Conselho de Segurança na esfera da própria segurança internacional. Mas isso foi realizado em condições muito difíceis da sangrenta Segunda Guerra Mundial. Hoje, é simplesmente irrealista imaginar a elaboração de mecanismos que garantam a execução, tanto mais na esfera da economia. Mas, repito, tudo isso tem um caráter moralmente político-econômico. Isso por si só já não é mau.

Agora, quanto ao facto de alguns países do G20 imporem sanções contra a Rússia da parte do G20. Claro que isso contradiz o próprio princípio da atividade do G20, mas não só da atividade e dos princípios de funcionamento do G20, isso contradiz também o Direito Internacional, porque as sanções podem ser impostas apenas no quadro da Organização das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança.

Mais, isso contradiz até os princípios da OMC, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, o chamado GATT. Os Estados Unidos criaram essa organização, mas, agora, violam grosseiramente estes princípios. Isso é prejudicial e claro que nos provoca certos danos, mas também é prejudicial para eles, porque, no fundo, mina todo o sistema das relações económicas internacionais.

 No G20 formou-se um certo equilíbrio de forças: por um lado, o G7, e, por outro lado, os países BRICS e alguns Estados que se juntam a eles. Partindo do que o senhor presidente disse, cada um defende os seus próprios interesses, como imagina esse equilíbrio de forças: é uma discussão de onde nasce a verdade ou é um confronto completamente novo dos dois blocos?

Primeiro, parece-me que seria muito mau se se começasse novamente a criar quaisquer blocos. Isso não é nada construtivo, seria mesmo prejudicial para a economia mundial. Nós não estamos agora a falar em economia?

 Economia onde a política se ingere cada vez mais.

Isso é verdade. Mas não obstante, o G20 é, antes de tudo, um fórum económico. Eu já citei a OMC, que formulou determinadas regras de jogo. Foi criado um mecanismo como o FMI. Discute-se também o aperfeiçoamento dos mecanismos financeiros internacionais e das relações económicas. Sabe que a chamada volta de conversações de Doha no quadro da OMC se encontra, no fundo, num beco sem saída. Por quê? Devido à diferença de abordagens e à diferença de interesses entre as economias em desenvolvimento e as economias desenvolvidas, ao mesmo tempo que surge um desequilíbrio no campo do capital num caso e, noutro, surgem desequilíbrios no campo das correntes comerciais.

Nas economias desenvolvidas há muito capital livre e a questão está no investimento, eficaz e fiável, no investimento seguro desses capitais nas regiões e nas economias do mundo que garantam estabilidade, defendam a propriedade e gerem algum lucro, traga uns ou outros rendimentos às economias desenvolvidas. Por isso, eles exportam capital e os países em desenvolvimento formam as correntes comerciais.

Uns precisam de estar confiantes em que os seus capitais serão seguramente investidos, enquanto que os outros devem estar confiantes de que não mudarão as regras de jogo tal como querem os que exportam capital, nomeadamente por considerações políticas, nomeadamente.

Mas todos devem compreender que a economia e as finanças se encontram hoje completamente independentes uma da outra.

No nosso caso: suponhamos que os parceiros limitaram o acesso das nossas instituições financeiras aos mercados financeiros internacionais. Nós, com os capitais que atraímos dos mercados financeiros internacionais, financiamos as nossas instituições financeiras e empresas que adquirem produção acabada nessas economias desenvolvidas e garantem lá locais de trabalho, apoiam a esfera social e o crescimento da economia. Se não fizermos isso, lá surgirão problemas. Trata-se de coisas profundas que, à primeira vista, talvez não estejam à superfície.

À custa do nosso trabalho com a Alemanha aí são mantidos 300 mil empregos. Se deixarmos de fazer aí encomendas, acaba-se tudo. Eles talvez se reorientem, mas é preciso saber para onde. Isso não é nada simples.

Por isso é necessário resolver todas as tarefas, dificuldades (que são muitas) que surgem. E se enveredarmos por outra via... Por exemplo, agora, os Estados Unidos falam da criação de duas uniões: uma Transatlântica e a outra Transpacífica. Se se tratar de dois grupos fechados, isso, no fim de contas, não conduzirá à liquidação, mas ao aumento dos desequilíbrios na economia mundial. E claro que nós queremos que esses desequilíbrios não existam para que possamos trabalhar juntos. Mas só poderemos resolver essas questões em conjunto.

Porque há 20, 30, 50 anos atrás, a situação era outra. Porque é que eu afirmo com tanta convicção que só em conjunto poderemos resolver com eficácia? Quanto à paridade do poder de compra, o PIB dos países BRICS já é maior do que igual índice dos países do G7: se não me engano, o do BRICS é de 37,4 triliões de dólares, enquanto que o do G7 é de 34,5. E se vierem dizer agora: “Não, nós vamos fazer separadamente aqui assim e assim, e vocês façam como quiserem”? Isso não provocará mais do que um posterior desequilíbrio. Se quisermos, precisamos de resolver juntos.

 Hoje fala-se do aparecimento de um novo G7, precisamente os países BRICS, a Indonésia, a Turquia e o México. Considera que esse formato tem futuro?

Já disse: é preciso resolver em conjunto, porque tudo está interligado no mundo moderno e, se se criar uniões regionais, como nós criamos uma união regional: a União Económica Eurasiática com a Bielorrússia e o Cazaquistão, elas devem ser apenas um complemento aos instrumentos globais existentes, que devem trabalhar segundo essas normas globais.

– Uma das propostas da presidência australiana do G20 é a criação de um centro de investimentos em infraestruturas. Para a Rússia, que tornou prioritários os projetos de infraestruturas, isso é positivo? Ou não se irá enquadrar com o nosso trabalho devido às ditas sanções?

– Aqui não é preciso enquadrar nada, nem chegar a acordo sobre alguma coisa. Isso simplesmente mostra, e é difícil não estar de acordo com o governo australiano, que estamos no caminho certo, que agimos absolutamente na via correta; que a comunidade internacional, económica, neste caso, mantém os mesmos pontos de vista em relação aos governos na situação que se cria na economia mundial, simplesmente confirma a nossa razão. Isso é sempre agradável e útil.

– Para a Rússia, isso será mais ajuda ou será simplesmente um palco onde pode compartilhar a sua própria experiência?

Penso que, antes de tudo, é simplesmente um palco para troca de experiência. E também não é mau, creio, para a preparação de quadros. Além disso, é, em certo sentido, a continuação das nossas propostas que formulámos durante a cúpula do G20 na Rússia, em São Petersburgo.

 As cúpulas, seja dos G20, da APEC ou, antes, dos G8 foram para o senhor presidente uma possibilidade de falar com os colegas frente a frente. A cúpula que agora se realizou em Pequim foi a sua primeira viagem ao estrangeiro depois do discurso no Clube de Discussão Internacional Valdai, uma extensa intervenção programática sobre questões da segurança global, da ordem mundial. Recebeu alguma reação ao seu discurso dos líderes ocidentais?

– Não, no Clube de Valdai tem lugar uma discussão com peritos, é uma espécie de discussão livre. Talvez mesmo, como deve acontecer nesses lugares, ela tem e deve tomar um caráter um tanto ou quanto agudo, para dar o tom da discussão, para provocar mesmo um pouco os parceiros da conversa a fim de que eles se abram, mostrem o seu ponto de vista, para procurar em conjunto a solução de problemas ao nível de peritos, mas, quando realizamos encontros bilaterais com os colegas, aí discutem-se mais questões de caráter pragmático.

– Não se notou mudança das posições deles, não surgiram questões para com eles? O senhor não notou?

– Não, nada muda tão rapidamente. Se alguém quis ouvir o que eu disse, deve passar algum tempo depois disso para que tudo seja analisado nas respetivas estruturas administrativas, governamentais, presidenciais. Primeiramente, analisar ao nível de conselheiros, peritos, depois realizar discussões, sem barulho, falar sinceramente uns com os outros no silêncio dos gabinetes. Todos esses palcos de discussão são bons precisamente porque se pode falar abertamente. Depois, já a outro nível, como eu já disse, no silêncio dos gabinetes de trabalho, regressar e discutir calmamente isso. Isto exige tempo.

 Na cúpula os G20, planeja conversar com alguém separadamente?

Sim, temos encontros aí planejados: com a chanceler alemã, numerosos encontros.

 Os observadores assinalam que as suas relações com Angela Merkel se tornaram mais tensas, menos amigáveis nos últimos tempos. Não notou isso?

– Não, não notei. Sabe que nós nos orientamos por interesses, e não por simpatias ou antipatias pessoais.

 Mas antes o senhor também se orientava por esses interesses?

Não antes, mas sempre. E ela também se orienta sempre pelos interesses do seu país. E qualquer outro dirigente de um país, Estado, governo. Por isso, não vejo aqui nada de substancial no caráter das nossas relações, não vejo mudanças substanciais.

Entrevista resumida, em Voz da Rússia 

Foto: RIA Novosti/Michael Klimentiev

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