Rui
Peralta, Luanda (ver textos anteriores)
XIII
- Os olhares atentos à economia mundial focam-se sobre três pontos: USA, UE e
China. O agravamento das tendências deflacionarias na UE e as debilidades
detectadas na economia alemã reflectem-se nos maus resultados da economia
norte-americana. Em 2008 a
crise crónica internacional atinge um dos seus pontos mais críticos (foi um dos
períodos piores da economia mundial desde os anos 30) e a resposta
consistiu num endividamento estatal sem precedentes. Este período crítico
das economias ocidentais contrastou com o crescimento económico chinês e foi
esta contrastante simultaneidade que evitou (adiou) uma versão actual da Grande
Depressão, embora os problemas estruturais que levaram a essa situação
mantivessem-se intactos.
O
primeiro destes problemas estruturais è a economia norte-americana que, apesar
dos estímulos, das baixas de salário e da recuperação dos lucros não consegue
restabelecer a "procura agregada" (um mito keynesiano, que não è mais
do que a relação estável entre investimento, ou seja a necessária relação entre
oferta e procura). O segundo problema estrutural reside no limite que a crise
colocou á divisão de trabalho estabelecida na zona euro e que era favorável á
Alemanha. Este segundo problema estrutural colocou um travão à expansão
económica alemã e está implícito na questão ucraniana. O terceiro problema
reside no fraco crescimento da economia norte-americana, que acaba por limitar
o desenrolar do "círculo virtuoso" China/USA, iniciado em 2001, com a
entrada da China para a Organização Mundial do Comercio. Finalmente o quarto e
último problema reside nas políticas monetárias e de resgate estatal das
dívidas, que na prática resultam num incremento acelerado da dívida pública e
da privada.
XIV - Os
efeitos da crise do ano 2008, na China, foram atenuados pela dinâmica
económica. Em 2009 a
recuperação económica chinesa foi forte e permitiu uma taxa de crescimento de
dois dígitos no ano seguinte. Depois de 2010 a economia chinesa cresceu, mas cresceu
menos. Os 7,5% ou 7,7% actuais são uma demonstração dessa tendência. As
exportações para os USA nunca voltaram aos índices anteriores a 2008 e as
debilidades das economias alemã e japonesa representam limitações ao retorno
dos índices de 2008.
A
China, neste cenário, è forçada a rever o seu modelo de acumulação de capital,
o modelo exportador. No aparelho do Estado-Partido (cujas facções representam
os diferentes - e opostos -interesses do capital estrangeiro, através dos seus
parceiros e associados nacionais, membros do aparelho burocrático) estuda-se a
reconversão deste modelo, o que implica a revisão salarial (salários baixos è
uma premissa desse modelo, embora tenham aumentado nos últimos cinco anos, para
permitir um maior consumo, ou seja, uma expansão do mercado interno pela via da
procura) e alterações nas exportações de capitais.
Existe
uma relação entre estes dois factores (salários e exportações de capitais) no
modelo exportador. Esta relação è visível na actual sobre-acumulação interna de
capitais, efectuada a partir da acumulação externa e da exploração do
proletariado chinês e não chinês (o primeiro no mercado interno - tendo como
factor principal os factores de migração interna - e no mercado externo -
principalmente em África e Ásia, onde a utilização massiva da mão-de-obra
chinesa assenta em baixos salários e trabalho intensivo -e o segundo no mercado
externo por pressão dos baixos custos de produção praticados pela industria
chinesa).
Seja
qual for o modelo alternativo que as elites chinesas optem, assistiremos à
evolução para uma economia mais expansionista, assente em critérios
geoeconómicos agressivos e já com fortes rasgos imperialistas, se observarmos
atentamente a evolução do pensamento geopolítico chinês e as suas premissas
geoestratégicas.
XV - O
IED (Investimento Estrangeiro Directo) chinês retomou os seus índices elevados
em 2010. No ano de 2013 - segundo dados da ONU - o IED chinês foi de 101 mil
milhões de USD, embora a OCDE refira 73 mil milhões de USD. Qualquer um destes
números converte a China no terceiro emissor mundial de IED. No entanto è
conveniente observar que se utilizarmos os dados da ONU conclui-se que o IED
chinês representa apenas 1/3 do IED norte-americano (338 mil milhões de USD) e
mais de 70% do IED nipónico (136 mil milhões de USD). Se utilizarmos os dados
da OCDE verifica-se que a China aumentou em 17%, desde 2012 e que multiplicou o
seu volume total de IED por 36, nos últimos dez anos.
O
grosso destes investimentos são nos sectores da energia, minerais,
infra-estruturas e transportes, sendo África o principal destino do IED chinês
na mineração e infra-estruturas, enquanto a Venezuela, o Irão e o Canada são os
principais destinos do investimento chinês no sector da energia. Durante os
últimos cinco anos a China diminuiu o investimento em recursos naturais,
transferindo-o para a indústria. Por sua vez o investimento chinês na U.E.
multiplicou-se por 4, entre 2010 e 2012, alcançando os 27 mil milhões de Euros
em 2013.Existem, no entanto, três elementos fundamentais que relativizam a
magnitude e a expansão do IED chinês e as suas características:
1)
A acumulação das reservas internacionais. A China acumula cerca de 4 biliões de
USD em divisas, segundo o Financial Times. Metade dessa acumulação está
investida em dívidas públicas de governos estrangeiros, a maior parte em
títulos do tesouro norte-americano. Restam dois biliões de USD inactivos,
disponíveis para investimento.
2)
Restrições nos mercados centrais. Para efectuar investimentos nos mercados
centrais, a China enfrenta diversas restrições. A U.E. parece não estar
disposta a vender à China (ou seja a quem for) as empresas de alta tecnologia e
de novas tecnologias e os USA, não vêem com bons olhos a venda de empresas
norte-americanas à China (embora isso aconteça com bastante frequência. Os
norte-americanos colocam obstáculos legais, acusando os chineses de espionagem
industrial e não hesitam em recorrer ao Congresso, como aconteceu em 2005,
quando a empresa chinesa CNOOC, tentou comprar a petrolífera norte-americana
UNOCAL, aquisição que foi anulada pelo Congresso (goodbye free-market, wellcome
big state and comrades Lenin and Stalin).
3)
O IED na China. Em 2013 o montante do investimento estrangeiro na China
alcançou os 117 mil milhões de USD (ainda dados do Financial Times), o que
superou o IED efectuado pela China no estrangeiro.
Estes
três elementos são preponderantes para a expansão económica chinesa e na
evolução da situação interna. Neste ultimo plano, as dinâmicas internas
chinesas, os níveis de conflitualidade tom aumentado. O número de greves por
todo o país e em todos os sectores cresce de forma acentuada, obrigando o
Estado-Partido a um discurso social, que em alguns casos retoma as origens do
Partido, o que tem-se manifestado infrutífero. O sector sindical burocrático,
controlado pelo PC Chinês tem cada vez menor expressão e manifesta,
inclusive, alguma rebeldia face às directivas centrais. Estruturas sindicais
autónomas, comissões de trabalhadores, assembleias, etc., aumentam as suas
actividades e mobilizam cada vez mais trabalhadores. Também movimentos de
direitos cívicos, de cidadania, defesa ambiental, questões regionais,
autonómicos, secessionistas e outros, multiplicam os seus protestos. Às velhas
questões autonómicas e/ou independentistas, como o Tibete juntam-se novas
revindicações surgidas da actualidade regional, que o desenvolvimento destapou,
retirando-lhes as areias que as cobriram durante séculos. O mito da
"integridade territorial" e da "unidade nacional" cai aos
poucos e novas elites nascidas nas dinâmicas desenvolvimentistas regionais.
O
celestial Império do Meio, ao mesmo tempo que inicia os seus primeiros passos
imperiais de novo tipo, assiste - que saudável contradição tão ao gosto de Mao
- ao inicio da desintegração do seu tecido identitário.
XVI - A
Cimeira da Cooperação Económica Ásia/Pacifico (APEC) realiza-se a 10 e 11 do
presente mes, em Pequim. Em discussão estão, entre outras questões, três temas
caros a Pequim: as reformas económicas estruturais; a troca de informações
entre os Estados membros da APEC; e, por ultimo, as infra-estruturas (o ultimo
relatório do Banco de Desenvolvimento da Ásia - ADB - refere que a região
necessita de 8 triliões de USD para a construção de infra-estruturas).
A
questão das reformas económicas estrujais (e estruturantes) na região è
fundamental para a China, no âmbito do Free Trade Area of the Asia/Pacific
(FTAAP) cujo objectivo è fazer da região uma imensa área de comércio livre, sem
barreiras alfandegarias. Os chineses pretendem o arranque deste acordo para 2016,
de forma a estar a funcionar em pleno após 2018. Se atendermos a que a APEC è
formada por 21 Estados, entre eles os USA a Rússia, Japão, Coreia do Sul e
Austrália (estes últimos dois ausentes nesta Cimeira), que 40% da população
mundial está concentrada nesta região, onde se desenrola 46% do total do
comércio mundial e 50% da produção global, pode-se compreender melhor as
intenções de Pequim em pretender acelerar a FTAAP e em pressionar para s
execução das reformas que permitirão fazer da região uma imensa área de
comercio livre.
A
troca de informações entre os Estados membros è preponderante para a China, que
insiste neste ponto, em particular na partilha de informações entre dois
espaços de comércio livre: o TPP (Trans-Pacific Partnership) liderado pelos USA
e o RCEP (Regional Comprehensive Economics Partnership), liderado pela China. A
troca de informações è crucial para a estratégia expansionista económica
chinesa, se observarmos que em 2013, 60% do total do comércio externo chinês è
realizado com a APEC, assim como 70% do investimento.
Quanto
ao investimento em infra-estruturas a China dá prioridade á formação do Ásia
Infrastructure Investiment Bank, estrutura financiadora onde a China obterá com
facilidade a liderança e - atendendo ao potencial gerado pela sua acumulação de
capitais internacionais. Por outro lado o investimento em infra-estruturas è um
ponto forte da estratégia financeira chinesa.
Se
è certo que a realidade geoeconómica acentua a hegemonia chinesa na região, o
Pacifico è, no entanto, um espaço periférico partilhado por diversas economias
centrais, onde a China tem de lidar com outras realidades de carácter
geopolítico e geoestratégico. Os USA tentam manter o seu domínio sobre a região
e o TPP pretende ser um balão de oxigénio que preservará a influência e a
presença norte-americana. A Rússia (parceiro estratégico da China) pretende
manter as suas periferias históricas na área e mesmo amplia-las, mesmo que isso
implique alguns sobressaltos com o seu parceiro estratégico e companheiro de
clube de accionistas (BRICS).
A
China tenta impor a sua hegemonia mo Pacifico e tem condições geoeconómicas
para o fazer, mas não tem, ainda, condições geopolíticas e aposta numa
geoestratégia baseada em premissas consensuais, "intenções pacificas"
e num discurso anti-imperialista o quanto baste, retirado da retórica maoista,
mas devidamente calibrado e "politicamente correcto". O Pacifico não
è uma presa fácil como África, ou alguns países da América Latina
"desesperados" para fugirem ao imperialismo norte-americano mas, em
simultâneo, "desnorteadamente" desejosos de um novo norte.
O
espaço da APEC conta com outros concorrentes, para alem dos USA e da Rússia. O
Japão è um concorrente histórico da China, que encontra-se sem grandes soluções
para a sua profunda estagnação. A industria da Defesa è um caminho que a
economia japonesa necessita de percorrer, desde que o Japão possa reconstruir
as suas forças armadas, algo que a China nem quer ouvir falar, acentuando a
campanha anti-nipónica (ridícula, em alguns casos, xenófoba, sempre).
Será
no Pacifico que a China se assumirá como potência imperialista, consequência da
sua expansão económica. Isto se os Portões do Império não se fecharem, como
repetidas vezes aconteceu no passado, para evitar a desagregação territorial e
os efeitos da erosão institucional provocada pelas lutas orgânicas das elites
burocráticas, ou destas contra a burguesia nacional ou externa e pelo
agravamento da luta de classes no plano das dinâmicas internas.
XVII - Jack
London escreveu, em finais de 1906, um conto intitulado "Uma invasão sem
precedentes", cuja acção ocorre em 1976 (ano do bicentenário da
independência dos USA e do centenário do nascimento de London). Este conto
insere-se na temática do "Perigo Amarelo" muito em voga na época (e
que perduraria ata à segunda metade do século XX. Aliás o próprio Jack London
escreveu - em 1904, quando era correspondente na guerra da Manchúria, onde o
Japão derrotou a Rússia - um ensaio intitulado "The Yellow Peril",
que acaba por servir de base para o conto de 1906).
Tanto
no ensaio de 1904, como no conto de 1906, London demonstra um profundo
conhecimento da região, ao ponto de efectuar previsões impressionantes pela sua
precisão. Em "The Yellow Peril" London escreve: "(...) raça
japonesa rejuvenescida embarca numa via de conquista." O Japão enveredou
pela via imperialista e as palavras escritas por London em 1904 revelam-se na
realidade imperial nipónica na década de 30, com a invasão na China e com a II
Guerra Mundial. No conto "Uma invasão sem precedentes" London inicia
o texto com a vitória japonesa na Guerra da Manchúria e antecipa o
"despertar da China" como tendo começado com a resistência à invasão
japonesa, o que de facto se veio a verificar. A China derrota o Japão após "uma
guerra prolongada" (conceito que Mao utilizaria 20 anos depois de London
ter escrito este conto). Da
China "rejuvenescida" à China "agressiva" foi um passo.
Escreve London: "Durante esta época de transição, a China não acalentou
sonho algum de conquista. Os chineses não eram um povo imperialista.
Laboriosos, frugais e amantes da paz (...) a China continuava a utilizar as
suas máquinas e a crescer sem cessar." Mas chegou uma altura em que a
China "ultrapassou as fronteiras do seu Império" e London coloca a
China a estender-se pelos estados vizinhos.
A
realidade actual è mais complexa do que previu (com excepcional precisão) Jack
London no seu conto. A China transportou para o teatro das relações
internacionais um novo instrumento, indispensável para a actual fase da economia-mundo:
a geoeconomia. A sua relativa debilidade geopolítica e as suas debilidades
geoestratégicas são - graças à compreensão que os chineses revelaram sobre os
mecanismos de acumulação e reprodução de capital - compensadas e corrigidas
pelos factores geoeconómicos. Obviamente que estas politicas alteraram as
superstruturas da sociedade chinesa, mas, foram determinantes na manutenção das
suas estruturas organizacionais e revelaram-se essenciais para os mecanismos de
rejuvenescimento das suas elites.
A
nova China pode, afinal, não ser tão diferente da velha China. O seu
posicionamento na economia-mundo foi, efectivamente, profundamente alterado,
mas não deixou de ser o "Império do Meio", nem perdeu o seu ancestral
carácter "celestial" que permite às suas elites adequarem-se às
diferentes tendências que predominam no mundo "bárbaro" ocidental. A
China compreendeu uma realidade na economia-mundo: o predomínio do económico, o
domínio dos factores económicos, a utilização da Economia como discurso único,
como única realidade do capitalismo globalizado. E as suas elites decidiram
tirar partido dessa situação.
Quanto
aos portões abertos, fechados, ou encostados, dependem não do porteiro, mas sim
do dono da casa... (Fim)
Fontes
Amin,
S. O desafio da mundializaçao Ed. Dinossauro, Lisboa, 1999.
Braudel,
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du Capitalisme Ed. Arthaud, Paris, 1985.
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P. Sobre el destino de China y la economia mundial La Izquierda, 04/11, 2014.
London,
J. Fantastic Tales University of Nebraska Press, Lincoln, 1998.
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