Carlos
Moreno – jornal i, opinião
Os
contribuintes pagam muito mais impostos, mas não têm visibilidade de que os
gastos públicos supérfluos, os desperdícios, a má despesa pública desapareceram
Numa
entrevista há dias um jornalista perguntou-me porque é que tinha criticado
tanto o poder anterior e continuava a fazer o mesmo com o actual, especialmente
em matéria de finanças públicas.
Doeu-me
a questão, porque gosto de ser positivo e construtivo e fiquei com a sensação
amarga de que me tinha tornado num velho rezingão, a protestar em permanência
para provar continuar vivo.
Fui
ver.
Num
livro que publiquei em Outubro de 2010, com sete edições em poucos meses, tinha
apresentado várias propostas para melhorar a gestão dos dinheiros públicos.
Recordo quatro delas - exemplo permanente de austeridade pública perceptível
pelo cidadão médio; obrigatoriedade de o Estado justificar o dispêndio público,
para além da legalidade, segundo critérios da boa gestão financeira; avaliação
imediata da utilidade social dos serviços e empresas dos sectores públicos;
funcionamento sistemático do mercado e da concorrência em todas as aquisições
de bens e serviços por entidades públicas.
Que
tinha eu em mente em 2010?
Resumidamente,
que o Estado deve demonstrar em permanência aos cidadãos que o gasto público
está concentrado nas necessidades essenciais da vida colectiva e saber que um
só exemplo de gasto sumptuário ou supérfluo, de desperdício, de despesismo ou
de má despesa pública tem o significado de pecado social grave. Que não basta
ao sector público, quando gasta dinheiro dos contribuintes, alegar que cumpriu
todas as leis que, aliás, ele próprio elaborou; mais importante é provar que o
fez respeitando os critérios da economia, da eficiência e da eficácia, numa
palavra, que satisfez uma necessidade social prioritária e que o fez com
impacto positivo, isto é, com benefício evidente para as populações, mediante
escolha dos meios menos onerosos mas com as qualidades indispensáveis aos seus
fins e deles retirando o máximo rendimento. Que antes de pedir novos sacrifícios
aos cidadãos o poder deve avaliar a utilidade social dos serviços e empresas de
todo o sector público, isto é, a qualidade e o valor acrescentado para as
populações dos bens e serviços que aqueles prestam, a respectiva relação de
custo-benefício, a eficiência e eficácia das suas organizações e as duplicações
que existam. Que toda a aquisição de bens e serviços pelo sector público deve
ser feita em regra por concurso público em vez de sistemático ajuste directo,
mesmo suportado em lei, porque a concorrência fomenta o aperfeiçoamento
tecnológico e estimula a produtividade e nos negócios do Estado é ainda fonte
de indispensável transparência, publicidade, igualdade, imparcialidade e
boa-fé.
Que
vejo eu quatro anos depois?
Não
encontro respostas positivas. No essencial, nada mudou. Os contribuintes pagam
muito mais impostos, mas não é visível que os gastos públicos supérfluos, os
desperdícios, a má despesa pública tenham desaparecido. Não dispõem de garantia
de que os critérios da economia, da eficiência e da eficácia passaram a comandar
o dispêndio público. Notam que o ajuste directo no Estado continua impávido e
sereno a dominar. E que a reforma do Estado que devia ter medido a utilidade
social dos serviços públicos continua à espera de melhores dias. A par desta
inércia na gestão dos dinheiros públicos dizem-nos hoje organismos estatais que
existem em crescendo perto de 2,8 milhões de pobres e que dois terços dos cerca
de 900 mil desempregados não recebem subsídio público. Para mim, são mais de 3
milhões de portugueses excluídos da democracia substancial.
Não
me vejo pois como um crítico profissional de governos. Em matéria de finanças
públicas sinto-me mais próximo de outra realidade - a de, com a devida
modéstia, ser olhado como uma espécie de farol por governos na oposição e como
o seu azedo incómodo depois de chegados ao poder.
Juiz
conselheiro jubilado do Tribunal de Contas - Escreve
quinzenalmente à quarta-feira
Sem comentários:
Enviar um comentário