quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Portugal: SEM RESPOSTAS QUATRO ANOS DEPOIS



Carlos Moreno – jornal i, opinião

Os contribuintes pagam muito mais impostos, mas não têm visibilidade de que os gastos públicos supérfluos, os desperdícios, a má despesa pública desapareceram

Numa entrevista há dias um jornalista perguntou-me porque é que tinha criticado tanto o poder anterior e continuava a fazer o mesmo com o actual, especialmente em matéria de finanças públicas.

Doeu-me a questão, porque gosto de ser positivo e construtivo e fiquei com a sensação amarga de que me tinha tornado num velho rezingão, a protestar em permanência para provar continuar vivo.

Fui ver.

Num livro que publiquei em Outubro de 2010, com sete edições em poucos meses, tinha apresentado várias propostas para melhorar a gestão dos dinheiros públicos. Recordo quatro delas - exemplo permanente de austeridade pública perceptível pelo cidadão médio; obrigatoriedade de o Estado justificar o dispêndio público, para além da legalidade, segundo critérios da boa gestão financeira; avaliação imediata da utilidade social dos serviços e empresas dos sectores públicos; funcionamento sistemático do mercado e da concorrência em todas as aquisições de bens e serviços por entidades públicas.

Que tinha eu em mente em 2010?

Resumidamente, que o Estado deve demonstrar em permanência aos cidadãos que o gasto público está concentrado nas necessidades essenciais da vida colectiva e saber que um só exemplo de gasto sumptuário ou supérfluo, de desperdício, de despesismo ou de má despesa pública tem o significado de pecado social grave. Que não basta ao sector público, quando gasta dinheiro dos contribuintes, alegar que cumpriu todas as leis que, aliás, ele próprio elaborou; mais importante é provar que o fez respeitando os critérios da economia, da eficiência e da eficácia, numa palavra, que satisfez uma necessidade social prioritária e que o fez com impacto positivo, isto é, com benefício evidente para as populações, mediante escolha dos meios menos onerosos mas com as qualidades indispensáveis aos seus fins e deles retirando o máximo rendimento. Que antes de pedir novos sacrifícios aos cidadãos o poder deve avaliar a utilidade social dos serviços e empresas de todo o sector público, isto é, a qualidade e o valor acrescentado para as populações dos bens e serviços que aqueles prestam, a respectiva relação de custo-benefício, a eficiência e eficácia das suas organizações e as duplicações que existam. Que toda a aquisição de bens e serviços pelo sector público deve ser feita em regra por concurso público em vez de sistemático ajuste directo, mesmo suportado em lei, porque a concorrência fomenta o aperfeiçoamento tecnológico e estimula a produtividade e nos negócios do Estado é ainda fonte de indispensável transparência, publicidade, igualdade, imparcialidade e boa-fé.

Que vejo eu quatro anos depois?

Não encontro respostas positivas. No essencial, nada mudou. Os contribuintes pagam muito mais impostos, mas não é visível que os gastos públicos supérfluos, os desperdícios, a má despesa pública tenham desaparecido. Não dispõem de garantia de que os critérios da economia, da eficiência e da eficácia passaram a comandar o dispêndio público. Notam que o ajuste directo no Estado continua impávido e sereno a dominar. E que a reforma do Estado que devia ter medido a utilidade social dos serviços públicos continua à espera de melhores dias. A par desta inércia na gestão dos dinheiros públicos dizem-nos hoje organismos estatais que existem em crescendo perto de 2,8 milhões de pobres e que dois terços dos cerca de 900 mil desempregados não recebem subsídio público. Para mim, são mais de 3 milhões de portugueses excluídos da democracia substancial.

Não me vejo pois como um crítico profissional de governos. Em matéria de finanças públicas sinto-me mais próximo de outra realidade - a de, com a devida modéstia, ser olhado como uma espécie de farol por governos na oposição e como o seu azedo incómodo depois de chegados ao poder.

Juiz conselheiro jubilado do Tribunal de Contas - Escreve quinzenalmente à quarta-feira

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