quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Portugal - Investigação i. Saiba tudo sobre a auditoria do Banco de Portugal ao BES



Luís Rosa e Sílvia Caneco – jornal i

Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires são considerados suspeitos de práticas contra-ordenacionais. Ex-líder do BES arrisca-se a não poder ser banqueiro durante dez anos

Desde 12 de Agosto que uma equipa de 50 pessoas da Deloitte, sete membros do Banco de Portugal (BdP) e elementos da CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários) estão concentrados em analisar os actos de gestão e olhar para a contabilidade do Banco Espírito Santo (BES). Foram recolhidos milhares de documentos, ouvidas dezenas de pessoas e endereçadas cartas-convite a todos os elementos da comissão executiva do BES para que prestem esclarecimentos até à próxima sexta-feira.

Até ao momento já foram concluídas quatro das cinco linhas de investigação. A auditoria confirma muitas das desconfianças que já eram públicas e traz também revelações. Em causa estão suspeitas de quatro ilícitos contra-ordenacionais especialmente graves, não só em Portugal, como no Panamá, Suíça, Luxemburgo e Angola.

Ricardo Salgado arrisca-se à pena máxima de inibição de funções no sector bancário durante dez anos. Os trabalhos até agora desenvolvidos na auditoria apontam para indícios de que alguns dos elementos da anterior comissão executiva do BES, liderada por Salgado, terá praticado actos dolosos de gestão ruinosa, em detrimento de depositantes, investidores e demais credores; falsificado a contabilidade; desobedecido a determinações do Banco de Portugal (BdP) e prestado informações falsas ou incompletas ao supervisor. Todas são infracções especialmente graves, previstas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Ao que o i apurou, os auditores da Deloitte recolheram fortes indícios contra Ricardo Salgado e o seu número dois, Amílcar Morais Pires.

No exercício que ficou conhecido como auditoria forense – apesar de na verdade se chamar auditoria especial para apuramento de irregularidades –, já foram concluídas as investigações sobre a alegada utilização da Eurofin para descapitalizar o banco nas últimas semanas do mandato da anterior administração, a violação das determinações do Banco de Portugal, a colocação de dívida do Grupo Espírito Santo (GES) nos clientes do BES e nos clientes ESAF, e a relação entre o BES e o BES Angola (BESA), nomeadamente a nível do apuramento de responsabilidades dos administradores do BES.

A sociedade suíça Eurofin Securities está no centro de um esquema que, como o i explicou em Outubro, terá permitido tirar pelo menos 800 milhões de euros do BES numa altura em que os Espírito Santo já tinham todas as indicações de que iriam ser afastados do banco. Quatro sociedades-veículo criadas pela Eurofin – mas que se suspeita serem controladas pelo BES – terão sido usadas para pagar dívida do grupo mas há também a convicção de que parte do dinheiro retirado ao banco nas últimas semanas não foi parar ao grupo, mas a parte incerta.

Como a “SIC” adiantou este domingo, milhares de euros terão saído para contas cujos beneficiários são ainda desconhecidos: só a cooperação internacional, numa primeira fase com os supervisores bancários de outros países, permitirá responder à pergunta: para onde foi este dinheiro?

Ao que o i averiguou, o dolo da comissão executiva do BES está em risco de ser especialmente agravado porque se suspeita que a engenharia financeira que passava pela sociedade suíça especializada em investimentos financeiros já tinha sido usada por altos quadros do BES e não apenas em 2014, numa manobra alegadamente controlada pelo administrador Amílcar Morais Pires e pela directora financeira Isabel Almeida, do Departamento Financeiro de Mercados e Estudos do BES.

O esquema da Eurofin cruza-se ainda com a suspeita da colocação de dívida do GES nos clientes do BES. Como estava proibido de emitir dívida directamente junto dos clientes, no âmbito do chamado plano de “ring fencing” imposto pelo Banco de Portugal em Dezembro de 2013 (o BES não podia ser contaminado pelos problemas financeiros do GES), o grupo terá recorrido à Eurofin, a quatro sociedades-offshore (entre elas a EG Premium, com sede nas ilhas virgens britânicas) e a outras instituições financeiras para colocar dívida em clientes do banco com gestão discricionária de carteiras, disfarçando a sua origem.

As relações entre o BES, o GES e a Eurofin determinaram um registo de perdas nas contas do banco no valor total de 1249 milhões de euros. Este é um dos pontos em que se suspeita ter havido violação directa das determinações do Banco de Portugal. Há ainda outra operação que obrigou ao reconhecimento de perdas nas contas semestrais do banco no valor de 267 milhões de euros e que terá sido feito à revelia do supervisor: a emissão de duas cartas-conforto, que funcionavam como garantias a investidores institucionais venezuelanos que terão investido em papel comercial de holdings do ramo não financeiro do GES.

A relação entre o BES e o BES Angola foi também passada a pente fino pelos auditores da Deloitte. Em causa está uma avaliação sobre se existiu exposição directa ou indirecta do grupo financeiro e dos seus clientes ao banco angolano e quais os eventuais delitos que a administração do BES terá cometido na sua relação com a subsidiária.

O que acontecerá agora? A data de 14 de Novembro nunca esteve em cima da mesa para apresentação das conclusões e ainda não há uma data prevista para o desfecho. A fase de recolha de prova está terminada mas falta produzir os relatórios. Quando forem encerrados, os relatórios da Deloitte irão integrar os processos de contraordenação que estão a decorrer no BdP e as suspeitas de práticas criminais – que irão ser desenvolvidas no último capítulo de cada relatório – serão enviadas para o Ministério Público.

A necessidade de cooperação internacional para averiguar eventuais práticas ilícitas que passaram pelo Luxemburgo, Suíça, Panamá e Angola é agora o maior entrave às investigações, sendo expectável que a Suíça e o Luxemburgo sejam os países mais cooperantes por também precisarem de informações para as investigações que já dirigem contra holdings do Grupo Espírito Santo. 

Foto: António Pedro Santos

Leia mais em jornal i

Sem comentários:

Mais lidas da semana