Daniel
Deusdado* – Jornal de Notícias, opinião
1.
Angola. Finalmente chegamos ao ponto essencial do fator que mais contribuiu
para destruir o maior grupo português: a promessa do Estado angolano em cobrir
o gigantesco buraco de cinco mil milhões de euros no Banco Espírito Santo de
Angola (BESA). Até 1 de agosto existia uma "garantia irreversível"
próxima desse valor assinada pela mão do presidente angolano. Ou seja, seriam
devolvidos pelo Banco de Angola ao BES esses muitos milhões supostamente
emprestados, sem retorno, a empresas locais - e que o BES Lisboa foi cobrindo.
Só que a recusa do Governo em recapitalizar o BES no início de julho, mesmo sem
Salgado ou a família, fez o banco falir. E com isso a garantia foi colocada no
lixo (banco mau) sem ninguém em Lisboa abrir a boca. Porquê?
Portugal
perdeu quase cinco mil milhões, ou seja, na prática a quase totalidade do
dinheiro que foi necessário meter no Novo Banco. E não houve vivalma no Governo
que tivesse um sobressalto? O primeiro-ministro, tão amigo de José Eduardo dos
Santos, não fez um telefonema a perguntar se, já agora, não lhe daria jeito
responder pelos 4,6 mil milhões que havia prometido? O ministro Portas, tão
viajado, não foi homem para se meter num avião, de urgência, tentando salvar
algo? E uma ajuda informal de Miguel Relvas, que tantos amigos e contactos tem
em Angola?... Nada. Zero. O Governo de Portugal considerou que nada tinha a ver
com isto.
À
medida que o tempo passa vê-se que a discussão sobre as perdas do Grupo
Espírito Santo encobre, talvez, a principal questão. Sim, houve perdas brutais,
contas falsas no GES, etc... Mas, do ponto de vista da justiça, Salgado vai
dizer que foram negócios que correram mal, não sabia das contas, não enganou
ninguém, etc.... Portanto, é essencial olhar para o sítio certo: que dinheiro é
este (quase cinco mil milhões de euros!!!) que foi saindo para Angola, quem o
tem e porque não se recupera? Algum dos responsáveis tem negócios em Portugal?
E pode algum desse capital ser "confiscado" junto dos responsáveis
angolanos?
Ponto
curioso: o sigilo bancário angolano não permite qualquer informação para o
exterior. É crime (!) passar informação bancária para fora de Angola...
Pergunta-se então: como se podem fazer negócios transparentes com um país
assim? Não se pode - foi o que veio dizer a União Europeia anteontem. E de um
momento para o outro o BPI e o Milllennium, dois bancos com interesses fortes
em Angola, caem estrondosamente. O primeiro 5,4% ontem (o Millennium já só vale
7 cêntimos...), o BPI cai 13%, a maior de sempre... Há uma exposição ao risco e
aos acionistas angolanos que o mercado internacional está a temer. A prova é o
BES.
Questão
para hoje: há razão para pânico? Pode haver um colapso em mais bancos?
Provavelmente não, mas ninguém sabe. Quem tem agora certezas sobre o que quer
que seja depois do Governo ter criado um precedente como o BES? Passos Coelho
eliminou qualquer hipótese de confiança no Banco de Portugal ou no Governo.
À
mínima turbulência as pessoas podem entrar em pânico. Ainda há
pânico nos balcões bancários depois do que sucedeu no BES. E os investidores
que têm ações de bancos sentem-se na corda bamba. Se alguém viesse à televisão
garantir a solidez do BCP ou do BPI, quem acreditaria? Mais: a Bolsa de Lisboa
já caiu 30%, a terceira pior do Mundo e o ano ainda não acabou. A isto chama o
primeiro-ministro "recuperação económica"...
2.
Claro que ninguém trava Passos Coelho de vender a TAP. E tudo o resto. Com
tantas semanas a seguir para fazer greves, os sindicatos optaram por tornar o
primeiro-ministro num herói. Não é a greve, é a semana escolhida!, idiotas.
A
TAP é apenas mais um capítulo da fantasia liberal apregoada por este PSD. Foi
votada e, portanto, o líder segue a eito, qual Rambo das privatizações. Talvez,
no entanto, a imagem mais certa seja a de um Vasco Gonçalves ao contrário. Tal
como em 1974, nem ficam os "donos disto tudo", nem outros, novos, com
capital nacional. Ficam os mexilhões. Pequeninos, endividados e sem nada para
vender.
*Jornalista
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