quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Portugal: PASSOS, ANGOLA E VASCO GONÇALVES



Daniel Deusdado* – Jornal de Notícias, opinião

1. Angola. Finalmente chegamos ao ponto essencial do fator que mais contribuiu para destruir o maior grupo português: a promessa do Estado angolano em cobrir o gigantesco buraco de cinco mil milhões de euros no Banco Espírito Santo de Angola (BESA). Até 1 de agosto existia uma "garantia irreversível" próxima desse valor assinada pela mão do presidente angolano. Ou seja, seriam devolvidos pelo Banco de Angola ao BES esses muitos milhões supostamente emprestados, sem retorno, a empresas locais - e que o BES Lisboa foi cobrindo. Só que a recusa do Governo em recapitalizar o BES no início de julho, mesmo sem Salgado ou a família, fez o banco falir. E com isso a garantia foi colocada no lixo (banco mau) sem ninguém em Lisboa abrir a boca. Porquê?

Portugal perdeu quase cinco mil milhões, ou seja, na prática a quase totalidade do dinheiro que foi necessário meter no Novo Banco. E não houve vivalma no Governo que tivesse um sobressalto? O primeiro-ministro, tão amigo de José Eduardo dos Santos, não fez um telefonema a perguntar se, já agora, não lhe daria jeito responder pelos 4,6 mil milhões que havia prometido? O ministro Portas, tão viajado, não foi homem para se meter num avião, de urgência, tentando salvar algo? E uma ajuda informal de Miguel Relvas, que tantos amigos e contactos tem em Angola?... Nada. Zero. O Governo de Portugal considerou que nada tinha a ver com isto.

À medida que o tempo passa vê-se que a discussão sobre as perdas do Grupo Espírito Santo encobre, talvez, a principal questão. Sim, houve perdas brutais, contas falsas no GES, etc... Mas, do ponto de vista da justiça, Salgado vai dizer que foram negócios que correram mal, não sabia das contas, não enganou ninguém, etc.... Portanto, é essencial olhar para o sítio certo: que dinheiro é este (quase cinco mil milhões de euros!!!) que foi saindo para Angola, quem o tem e porque não se recupera? Algum dos responsáveis tem negócios em Portugal? E pode algum desse capital ser "confiscado" junto dos responsáveis angolanos?

Ponto curioso: o sigilo bancário angolano não permite qualquer informação para o exterior. É crime (!) passar informação bancária para fora de Angola... Pergunta-se então: como se podem fazer negócios transparentes com um país assim? Não se pode - foi o que veio dizer a União Europeia anteontem. E de um momento para o outro o BPI e o Milllennium, dois bancos com interesses fortes em Angola, caem estrondosamente. O primeiro 5,4% ontem (o Millennium já só vale 7 cêntimos...), o BPI cai 13%, a maior de sempre... Há uma exposição ao risco e aos acionistas angolanos que o mercado internacional está a temer. A prova é o BES.

Questão para hoje: há razão para pânico? Pode haver um colapso em mais bancos? Provavelmente não, mas ninguém sabe. Quem tem agora certezas sobre o que quer que seja depois do Governo ter criado um precedente como o BES? Passos Coelho eliminou qualquer hipótese de confiança no Banco de Portugal ou no Governo.

À mínima turbulência as pessoas podem entrar em pânico. Ainda há pânico nos balcões bancários depois do que sucedeu no BES. E os investidores que têm ações de bancos sentem-se na corda bamba. Se alguém viesse à televisão garantir a solidez do BCP ou do BPI, quem acreditaria? Mais: a Bolsa de Lisboa já caiu 30%, a terceira pior do Mundo e o ano ainda não acabou. A isto chama o primeiro-ministro "recuperação económica"...

2. Claro que ninguém trava Passos Coelho de vender a TAP. E tudo o resto. Com tantas semanas a seguir para fazer greves, os sindicatos optaram por tornar o primeiro-ministro num herói. Não é a greve, é a semana escolhida!, idiotas.

A TAP é apenas mais um capítulo da fantasia liberal apregoada por este PSD. Foi votada e, portanto, o líder segue a eito, qual Rambo das privatizações. Talvez, no entanto, a imagem mais certa seja a de um Vasco Gonçalves ao contrário. Tal como em 1974, nem ficam os "donos disto tudo", nem outros, novos, com capital nacional. Ficam os mexilhões. Pequeninos, endividados e sem nada para vender.

*Jornalista

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