quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

QUANDO O “FINANCIAL TIMES” ELOGIA A EXTREMA ESQUERDA



Nuno Ramos de Almeida – jornal i, opinião

No momento em que o PS entroniza António Costa e este reclama a maioria absoluta para um programa de pacto de estabilidade com voz doce, parte da Europa revolta-se

Um dos mais prestigiados analistas do jornal "Financial Times", Wolfgang Münchau, escreveu com todas as letras há poucos dias: "Vamos assumir que partilha o consenso do que a zona euro devia estar a fazer neste momento. E que especificamente defende que devia haver mais investimento público e reestruturação da dívida. Agora faça a seguinte pergunta: se for um cidadão de um país da zona euro, qual é o partido político que tem de apoiar para que isso aconteça? Pode ficar surpreendido, mas não tem muita escolha. Na Alemanha, o único que está próximo dessa agenda é o Die Link, os antigos comunistas; na Grécia será o Syriza; e em Espanha o Podemos, que lidera neste momento as sondagens", assim começa o artigo intitulado sintomaticamente: "A esquerda radical tem razão no que respeita à dívida na Europa."

Wolfgang Münchau avisou que em mais lado nenhum se podia ver uma agenda realista para a Europa. Os socialistas e os sociais-democratas macaqueavam algumas medidas avulso quando estavam na oposição para depois cumprirem caninamente, como Hollande, o plano contrário. Bastou assistir à cerimónia que entronizou António Costa este fim-de-semana, e à ausência de definição clara do que vai ser o programa económico, caso sejam governo, para perceber que estamos perante um discurso de Miss Universo a garantir que deseja "a paz no mundo". É bonito, mas não indicia nada de bom, pelo menos fora do desfile em fato de banho.

Num episódio da série "Yes, Minister", um assessor de comunicação aconselhava o governante: "Se vai anunciar algo que faça uma mudança real, escolha um cenário com mobiliário tradicional, um fato formal e música clássica. Se for para ficar tudo na mesma, vista uma roupa informal, use um quadro contemporâneo como fundo e troque a 'Sagração da Primavera', de Stravinsky." Neste fim-de-semana, no Congresso do PS, pudemos ouvir Maria do Céu Guerra, e várias declarações de esquerda, quando soubemos que a governação, seja qual for o partido do bloco central que for eleito, continuará a virar à direita, apesar de o PS continuar a fazer pisca-pisca à esquerda.

Só é possível cortar com o desastre em que nos encontramos rompendo com a política dos credores. Não aceitando o Pacto de Estabilidade. Exigindo uma vida democrática em que os cidadãos decidem o futuro do seu país, em vez de permitirem que ele seja imposto por uma burocracia não eleita, em prol do grande capital financeiro rentista que vive à conta dos contribuintes e da destruição dos serviços públicos.

Em quase todos os países sujeitos aos ditames da troika houve uma alteração das forças políticas. Portugal é até agora a excepção. Isso deve-se apenas a uma razão: as forças políticas que se opõem às políticas de bloco central não deviam ter como único objectivo condicioná-las, mas vencer, para traçar outro rumo. Ora isso só é possível afirmando a vontade de não aceitar as condições de impossibilidade que nos querem impor.

Como escreve Wolfgang Münchau, a tragédia da zona euro está na resignação aos partidos do centrão que vão conduzir a Europa a uma situação económica equivalente a um Inverno nuclear.

Editor-executivo - Escreve à terça-feira

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