segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O EMBARRILAMENTO



Rui Peralta, Luanda

I - A monopolização do mercado petrolífero pelos Estados e pelos monopólios globalizadores (em parcerias diversas, criadoras de monopólios sectoriais, assente em relações de clientelismo diversificado) gerou através da cartelização um preço ilusório (média de 110 USD/Barril) responsável pela enorme mobilização de recursos financeiros para a produção de crude. O resultado final deste "sintoma febril" foi a saturação do mercado. O excesso de oferta e a quebra na procura levaram a que o preço por barril caísse cerca de 40%, desde Junho.

Quando em Julho de 2008 o barril atingiu os 145 USD, a produção disparou. Os USA passaram de 4 milhões de barris/dia para 9 milhões, a Rússia atingiu o mesmo valor e a Arábia Saudita passou a produzir 10 milhões de barris por dia. Estes elevados níveis de oferta foram conseguidos devido a uma complexa operação de engenharia financeira, que transportou a oferta para muito além das necessidades do mercado mundial. O preço da ilusão (a média dos 110 USD/barril, muito acima dos indicadores reais de 60 a 80 USD) não poderia perdurar por muito mais tempo.

A especulação da alta do preço do barril de crude permitiu folgar as margens e incrementar a produção por fracturação hidráulica (Fracking). A folga foi necessária devido ao diferencial do custo de extração. Enquanto na extração "normal" o custo médio ronda os 30 USD/barril, no fracking o custo médio é de 60 USD/barril. O colapso dos preços levou o preço do barril ao valor mais baixo dos últimos cinco anos e a queda, a continuar, poderá estabilizar nos 40 a 50 USD, o que originará o encerramento das extrações por fracking, uma vez que estas operam com custos de 60 USD.

Existe, no entanto um outro problema: a contaminação. O que poderia ser um mero problema do mercado petrolífero torna-se um problema do sistema financeiro, logo de todo o mercado global. As petrolíferas contraíram empréstimos que foram aplicados no fracking. Com o crash petrolífero grande parte destes empréstimos correm um elevado risco de incumprimento, arrastando o sistema bancário para o turbilhão do crash petrolífero. Para fugirem ao estrangulamento os bancos aumentarão as taxas de juros sobre estes empréstimos, num circulo vicioso que incapacita as petrolíferas de cumprirem as dividas acumuladas, mesmo que paralisem grande parte da sua actividade, encerrando poços, reduzindo salários, congelando prémios, revendo contratos de explorações e efectuando despedimentos massivos, para reduzir custos.

Este cenário terá um impacto directo sobre as poupanças de largos milhões de contribuintes e sobre os fundos de pensões. E isto porque os "monstros bancários" (grande maioria, se não todos, "elefantes brancos" tão ineficientes como as estruturas burocráticas estatais e publicas) são demasiado grandes para caírem, ou seja a sua queda implicaria a destruturação do sistema financeiro internacional e revelar-se-ia desastrosa para as macroeconomias nacionais. Para evitar isto os governos criaram mecanismos de suporte da actividade que sobrecarregam os contribuintes e desvirtuam as políticas fiscais e a supervisão pública (dois componentes importantes da mão invisível).

Os acontecimentos de 2008 originaram um debate sobre a necessidade de reformar estas instituições. O debate transformou-se rapidamente em conversa de chá, conforme pôde ser observado nas conclusões sobre o assunto, a que chegou a cimeira de Novembro, do G- 20, na Austrália. Os acontecimentos recentes no Chipre reconduziram ao debate durante breves instantes. Contentes com as medidas tomadas (confisco dos depósitos das poupanças e dos fundos de pensões para cobrir as perdas ocorridas no sistema financeiro), a conversa de chá retornou e tornou-se o discurso oficial do G-20. As conclusões da cimeira foram as da "lição cipriota". É a nova fase do capitalismo em todo o seu resplandecente esplendor (para usar as metáforas maoistas): em caso de ruina, não há problema. O negócio mantem-se. Paga o cidadão, através das contribuições e das poupanças. É uma parceria. Público-privada. O erário público paga o desaire privado...

II - A fracturação hidráulica implica a utilização de produtos químicos tóxicos injetados no subsolo para permitir a libertação  de gás e de petróleo. Este processo polui as reservas de água e o ar e representa um alto risco para a saúde pública. O Estado de New York, onde residem os maiores depósitos de gás dos USA, optou por banir, neste final conturbado de 2014, o processo de extracção por fracturação hidráulica.

A decisão foi tomada depois de um estudo de dois anos, efectuado pela Comissão de Saúde Publica do Estado de New York, organismo responsável pela política de saúde no Estado. O estudo realizou-se em função de uma petição pública apresentada pelo movimento New Yorkers Against Fracking (NYAF) e por um grupo de académicos da Cornell University, que acabaram por organizar um movimento na comunidade académica, o Phisycians, Scientists and Engineers for a Healthy Energy (PSEHE). A primeira moratória apresentada pelo NYAF foi em 2008 e originou 6 estudos técnico-científicos sobre os impactos ambientais e impactos sobre a saúde pública. Desde 2008 até á decisão das autoridades do Estado de New York foram efectuados 414 estudos técnico-científicos sobre os impactos prejudiciais do fracking na saúde pública e no ambiente.

O movimento de cidadãos foi crescendo desde 2008, com a realização de campanhas locais nas igrejas, nos centros comunitários, nas escolas públicas e outros espaços públicos e abrangeu as mais diversas associações ambientalistas, socioprofissionais (em todas as áreas desde a saúde - com associações e grupos de médicos, enfermeiras e outros técnicos de saúde - a associações académicas, sindicatos, etc.). Mas o movimento nova-iorquino, após este êxito, assume proporções nacionais, ao expandir-se para outros Estados. Colorado, Texas, Oklahoma, Arkansas, Illinois, Carolina do Norte e Maryland, são Estados onde as companhias (como a texana Crestwood Midstream) efectuaram avultados investimentos no fracking. Os movimentos ambientalistas e de defesa da saúde pública desses Estados efectuam campanhas diversas, num ambiente legal muito diferente do nova-iorquino (em alguns destes Estados o aparelho legislativo está a anos-luz do elevado nível democrático participativo de New York).

III - O crash nos preços do barril e a eventual contaminação ao sistema financeiro alimentam as mais diversas "teorias da conspiração" e mitos catastrofistas (é bom não esquecer que alguns sectores mitológicos e mitómanos da esquerda apresentam a eminencia da catástrofe desde o inicio do século XX, talvez por nunca terem compreendido patavina do Das Kapital) e servem de capa aos mais diversos populismos nacionalistas á direita e á esquerda (da Frente Nacional e afins aos novos ricos e neoburocratas gerados nas dinâmicas bolivarianas, por exemplo).

A actual queda nos preços é sustentada pelo consórcio dos principais produtores, que ao não reduzirem a produção mantêm o preço em baixa. Esta decisão afecta os países que vivem da exportação e que não diversificaram a sua base produtiva. E nestes os efeitos já são sentidos. O grande problema é que estas petro-economias geraram petro-Estados e a adaptação a um novo cenário geoeconómico (e logo a novas realidades geopolíticas e necessidades geoestratégicas) revela-se complexa e difícil. Muitos destes países não estão preparados para o fazer e o choque inevitável com a realidade será dramático. Espera-se, assim, novos cenários de conflitualidade social em alguns deles e períodos difíceis (provocados pelas reformas estruturais) na maioria dessas economias.

A maioria destas economias encontram-se no continente africano e na Ásia Central, embora a repercussão do crash seja sentida também em alguns países sul-americanos (particularmente na Venezuela), mas com menor intensidade (atendendo á diversidade da base produtiva e das exportações, embora as "comodities" estejam, também - por contágio - em baixa). Esta situação gerará alteração de forças nas dinâmicas sociais internas e a subsequente alteração de intensidade das mesmas, assim como a alterações nas dinâmicas externas. O capitalismo BRICS terá de rever algumas das suas políticas económicas sectoriais (ou porque alguns sectores ficarão em alta, ou porque outros ficam em baixa), tal como todos os modelos desenvolvimentistas (geralmente assentes nos princípios do capitalismo nacional e social), que poderão sair beneficiados ou prejudicados, em função da diversificação da actividade económica.

As economias centrais da Europa, Norte-América (USA e Canadá), Asia e Pacifico (Coreia do Sul, Japão, Austrália) terão apenas de ter alguns cuidados com a contaminação ao sistema financeiro o mesmo se aplicando às petro-monarquias do Golfo (cuja diversificação foi exclusivamente financeira e especulativa, em função do modelo de recompradorização).

Tudo o resto são "rosas, senhor", embora sem qualquer milagre...ou como escreveu Shakespeare: "E por aqui perdemo-nos em ilusões". São, afinal, os "Doces fumos da retórica", em que Shakespeare era mestre e os actuais actores do palco global da economia-mundo são exímios...

Fontes
Moskowitz, P. N.Y. fracking ban reverberates nationally http://america.aljazeera.com 12/17/2014
Washington Post November, 25/ 2014

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