sábado, 3 de janeiro de 2015

Chile: Empresários e colégios resistem à reforma educacional proposta por Michelle Bachelet



Victor Farinelli, Santiago – Opera Mundi

Governo chileno que ver projeto de mudanças na educação do país, o mais importante da gestão, com trâmite legislativo concluído ainda em 2015

Marchas de pais de alunos e administradores de colégios. Reuniões de associações de empresários com ministros e parlamentares da base aliada. Situações que acontecem fora da vida institucional do Chile, mas que vêm se transformando nos maiores obstáculos para a agenda de reformas prometida por Michelle Bachelet.

O ano de 2015 é crucial para as pretensões do governo, que projeta a conclusão do trâmite legislativo da reforma educacional, seu projeto mais importante, e o início dos trabalhos sobre a reforma da Constituição e a das leis trabalhistas. Porém, em todos esses cenários, surge uma situação com a qual o governo não contava até a vitória eleitoral de 2013, que é a rejeição às reformas por parte de alguns grupos.

No primeiro fim de semana de novembro, duas organizações ligadas a colégios subvencionados realizaram uma marcha em Santiago que reuniu cerca de 30 mil pessoas. A manifestação foi a primeira organizada no Chile contra a reforma educacional promovida pelo governo.

Depois, foi a vez das organizações de empresários e industriais, na última semana do mesmo mês de novembro, aproveitarem o encontro anual das empresas para pressionar a presidente Bachelet e seus ministros sobre os rumos que as reformas vêm tomando, especialmente a educacional e a trabalhista.

Campanha antirreforma

Os colégios subvencionados são estabelecimentos públicos administrados por entes privados e recebem recursos estatais, mas, ao mesmo tempo, cobram mensalidades – são o exemplo de como funciona o modelo de financiamento compartilhado adotado no sistema público de educação no Chile desde 1989.

A marcha foi resultado de toda uma campanha organizada desde abril pela Confepa (Confederação de Pais de Alunos de Colégios Subvencionados) e pela Conacep (Confederação de Administradores), com divulgação na TV e nas redes sociais, contra os principais pontos da reforma, como a gratuidade e a proibição do lucro nas escolas subvencionadas. Essa campanha deve continuar com mais força em 2015, já que os pontos mais importantes da reforma referentes à educação básica e média foram aprovados na Câmara em outubro passado (link abaixo), e a votação decisiva no Senado deverá acontecer ainda no primeiro semestre deste ano.

A Conacep já tem programada uma agenda de manifestações em janeiro, aproveitando as férias escolares, e também em março, quando termina o recesso parlamentar e se comece a discutir os pontos da reforma referentes à educação universitária. Segundo o presidente da Conacep, Hernán Herrera, a campanha “não é contra Bachelet, nem contra a ideia de reformar a educação, mas a que o governo está apresentando é uma péssima reforma, acabará com os colégios e afetará principalmente a classe média”.

Por outro lado, aquela primeira manifestação contra a reforma não ficou isenta de polêmica, já que alguns colégios foram acusados de oferecer notas extras aos alunos se os pais participassem da marcha, o que não foi desmentido nem confirmado pelas entidades que os representam.

Com ou sem polêmica, o fato é que a campanha parece estar surtindo efeito, já que os números de apoio à reforma educacional no Chile vêm apontando uma tendência de baixa desde agosto, e em dezembro, três institutos diferentes apontaram desaprovação ao projeto variando entre 51% a 56%. Além disso, diminui o apoio da população às bandeiras do movimento estudantil. A gratuidade no sistema público é bem vista hoje por 62% da população – entre 2011 e 2013, os anos mais ativos do movimento, esse apoio variou entre 75% e 80%.

Hernán Herrera, da Conacep, defendeu que as manifestações nascem de uma preocupação dos colégios com o seu próprio futuro. “O sistema proposto pela reforma tornará inviável a continuidade de muitos colégios. Se a presidente Bachelet não nos ouvir, terá que lidar com as consequências de ver dezenas de colégios fechados e milhares de estudantes sem escola”.

Segundo o que prevê a reforma, os estabelecimentos subvencionados só poderão receber recursos estatais caso ofereçam educação gratuita. A reforma também prevê que o administrador, caso prefira continuar cobrando mensalidades, terá a opção de comprar o colégio e se transformar em um particular autônomo. Herrera questiona a proposta: “Querem empurrar para todos os colégios um teto de subvenção (valor máximo que uma escola pode receber do Estado), que não garante os recursos necessários para todos. Algumas escolas precisarão de mais dinheiro e não terão de onde tirar sem poder cobrar mensalidades, mas o governo vem sendo intransigente nesse aspecto”.

Em uma sessão da Comissão Mista de Educação do Congresso, em dezembro passado, o ministro de Educação, Nicolás Eyzaguirre, rebateu essa acusação, disse que tem conversado com todos os administradores para buscar um valor suficiente para todas as escolas, e apresentou uma estatística que causou polêmica no país: segundo um estudo feito pela Escola de Economia da Universidade do Chile, mais de 3.000 escolas de ensino básico e médio fecharam as portas no Chile entre 1994 e 2012 devido à “competição selvagem do mercado da educação no país”, segundo palavras do ministro.

Hernán Herrera contestou a acusação e disse que “o número é bastante exagerado, e embora seja verdade que colégios fecharam nos últimos anos, mas muitos casos não foram por causa do mercado, e sim devido a subvenções insuficientes”.

Empresários preparam ofensiva

No caso dos empresários, a disputa começou primeiro, com o projeto da reforma tributária, que já foi aprovada no Congresso e promulgada pela presidente Bachelet em novembro passado. Logo, surgiu outro projeto, o da reforma das leis trabalhistas, que não constava no programa de governo da candidata em 2013.

Diferente das organizações relacionadas aos colégios subvencionados, as entidades empresariais, como a CPC (Confederação de Produção e Comércio) e a Sofofa (Sociedade de Fomento Fabril), ainda não têm uma agenda clara nem uma estratégia preparada. Porém, para o porta-voz dos empresários, Andrés Santa Cruz, líder da CPC, será preciso também uma campanha sobre a reforma trabalhista, nos mesmos moldes da que foi feita pelos colégios contra a reforma educacional.

Santa Cruz defende sua postura citando a baixa no crescimento econômico do país como sintoma de risco. Em entrevista ao canal estatal TVN, o empresário lembrou que a Cepal diminuiu o prognóstico de crescimento do Chile para 2014 de 3,7% para 3%, e agregou que “esse e outros indicadores mostram que a economia chilena está se desacelerando, e talvez não seja culpa do atual governo, mas é um indício de que este não é o momento ideal para se fazer mudanças que afetam a produção”.

Durante o Enade (Encontro Nacional das Empresas), em novembro, Santa Cruz usou os mesmos argumentos referentes ao baixo crescimento para pressionar a presidente Michelle Bachelet, que estava presente no evento. A mandatária respondeu, em sua intervenção, dizendo que “o Chile já cresceu como país o suficiente para não permitir que as políticas sejam pautadas somente pela conjuntura do momento. Passamos os últimos 20 anos construindo uma institucionalidade política e econômica sólida, para que hoje possamos fazer transformações na sociedade e sem deixarmos de ser um país estável e confiável”.

O projeto de lei da reforma trabalhista de Bachelet será apresentado oficialmente ao Congresso no dia 5 de janeiro.

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