sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

EUROPA “ABANDONA” A GRÉCIA A DOIS DIAS DAS ELEIÇÕES



Joana Azevedo Viana – jornal i

Anúncio de Mario Draghi de compra de dívida pública para salvar a zona euro mostra que a União Europeia esteve a preparar-se para eventual saída grega da moeda única

É uma injecção massiva de dinheiro na zona euro, baptizada Quantitative Easing (QE), um programa que equivale à compra de activos, incluindo dívida soberana dos países dentro da moeda única, pelo Banco Central Europeu (BCE) para fazer face à recessão económica que a União Europeia continua a atravessar.

O anúncio foi feito ontem por Mario Draghi, presidente do BCE, e uma Grécia prestes a ir às urnas para legislativas antecipadas e com vencedor pré-anunciado não foi excluída das declarações. Apenas do programa.

Segundo Draghi, a dívida do país, a par da do Chipre, não é elegível para compra, mas o cenário "talvez mude em Julho", quando os programas de resgate da troika aos dois países forem ajustados. Aí, será feita uma avaliação dos "critérios adicionais de elegibilidade" para apurar se a dívida da Grécia está qualificada para ser comprada pelo BCE, contribuindo para a angariação dos 60 mil milhões de euros que a instituição financeira pretende juntar por mês através do QE entre Março deste ano e, pelo menos, Setembro de 2016.

A três dias de os 9,8 milhões de gregos irem às urnas eleger o seu próximo governo - um que deverá ser liderado pelo partido de esquerda antiausteritário Syriza, de Alexis Tsipras - a exclusão da Grécia deste novo pacote de injecção de dinheiro não podia ter maior carga política.

"Para as principais agências de rating, que subiram a avaliação da Grécia no ano passado, qualquer exclusão da compra [de dívida pública grega] pelo BCE coloca a difícil questão sobre qual será o significado de uma decisão tão politicamente simbólica", referia ontem o jornal grego "Kathimerini" pouco depois do anúncio de Draghi.

"Com Atenas trancada fora dos mercados de dívida e dependente do financiamento de resgate, o impacto prático [da exclusão] pode ser limitado, mas certamente aumentará o sentimento crescente entre os investidores de que a zona euro está preparada para cortar com a Grécia", responde logo a seguir o mesmo artigo, refugiado em comentários prudentes de analistas dessas mesmas agências.

Nas palavras de alguns, o "significado político" é só um: chantagem. A mesma que a União Europeia e os credores internacionais têm vindo a exercer sobre a Grécia perante a possível vitória de Tsipras. O programa do líder do Syriza passa por pôr fim às políticas de austeridade que o governo conservador do Nova Democracia tem aplicado na Grécia a mando da troika desde que venceu as eleições de 2012. Acabar com a austeridade e renegociar a dívida externa para combater o desemprego de 25% e a queda livre da economia.

Apesar de ao longo da campanha Tsipras não ter feito referência directa à eventual saída da zona euro caso essa reestruturação falhe, é uma possibilidade que, como na última ida às urnas, assusta muitos. Mais agora que o pacote de resgate da troika está prestes a expirar, no final de Fevereiro.

Como há dois anos, a economia grega continua a representar cerca de 2% do PIB da UE. Também como há dois anos, as eleições estão a ser disputadas entre um Tsipras carregado de promessas de retoma económica e um Antonis Samaras conservador que é bom a seguir as directivas da troika.

Mas se há dois anos a população escolheu o menor dos males, ou o único mal que conhecia, desta vez parece, segundo as últimas sondagens, disposta a apostar todas as fichas num Syriza ainda sem provas dadas. E se há dois anos os mercados e os países europeus menos afectados pela crise tremiam com a possibilidade de Tsipras se tornar primeiro-ministro da Grécia, o caso agora é mais bicudo para o líder do Syriza e menos para a Alemanha e o clube nórdico.

Ao longo dos últimos seis anos, enquanto a austeridade cega fez disparar a pobreza e o desemprego na Grécia, os líderes europeus asseguraram-se de que, a confirmar-se o abandono da moeda única pela Grécia, não serão os bancos a pagar a conta. O que, na prática, lhes deu mais margem de negociação, dizem uns, de chantagem, dizem outros.

Dessa forma, Tsipras, o provável vencedor das legislativas de domingo, tem a vida complicada. Ele e as suas promessas de curar a Grécia dando um chuto na troika. A exclusão do país do programa ontem anunciado por Draghi é só mais uma prova disso. Quando o líder do BCE fala na possibilidade de incluir a Grécia no programa de compra em massa de dívida soberana a partir de Julho, o que está a dizer é que lhe vai dar uma mão se o seu novo líder aceitar manter o programa de resgate previamente negociado. Mais incerteza a pairar na recta final para as eleições, mais medo espalhado entre milhões de gregos, muitos a fugir em massa do país.

"Há seis anos que a Grécia é como um doente a esvair-se lentamente em sangue", dizia ontem Antonis, fotógrafo grego, à correspondente do "The Guardian" em Atenas. "O que aconteceu a este país é uma catástrofe. Os nossos políticos, a Europa, o Fundo Monetário Internacional obrigaram-nos a parar de sonhar."

"Toda a gente está exausta", diz ao mesmo jornal Dimitris Kalatzis, joalheiro de 53 anos. "Esqueçam impor mais impostos, não vamos poder pagá-los! E esqueçam o que diz o Syriza, ninguém acredita realmente nas suas promessas de emprego e de cortes nos impostos e de reposição de pensões. Mas psicologicamente temos de nos acalmar. E se isso significa arriscar, se isso significa o regresso do dracma [moeda nacional grega], pois que assim seja!"

Kalatzis não é o único a achar que mais vale arriscar e que o Syriza é o único que pode fazê-lo, mesmo que acabe por não o fazer. O joalheiro acredita que muitos dos votos no partido serão de protesto e ainda há 21% de indecisos, que em última instância, irão ditar os resultados no domingo. Se as sondagens se confirmarem, passará a ser Tsipras o médico de serviço. A questão é se o doente não terá já perdido sangue a mais.

Foto: Bruno Simões Castanheira

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