Joana
Azevedo Viana – jornal i
Anúncio
de Mario Draghi de compra de dívida pública para salvar a zona euro mostra que
a União Europeia esteve a preparar-se para eventual saída grega da moeda única
É
uma injecção massiva de dinheiro na zona euro, baptizada Quantitative Easing
(QE), um programa que equivale à compra de activos, incluindo dívida soberana
dos países dentro da moeda única, pelo Banco Central Europeu (BCE) para fazer
face à recessão económica que a União Europeia continua a atravessar.
O
anúncio foi feito ontem por Mario Draghi, presidente do BCE, e uma Grécia
prestes a ir às urnas para legislativas antecipadas e com vencedor
pré-anunciado não foi excluída das declarações. Apenas do programa.
Segundo
Draghi, a dívida do país, a par da do Chipre, não é elegível para compra, mas o
cenário "talvez mude em Julho", quando os programas de resgate da
troika aos dois países forem ajustados. Aí, será feita uma avaliação dos
"critérios adicionais de elegibilidade" para apurar se a dívida da
Grécia está qualificada para ser comprada pelo BCE, contribuindo para a
angariação dos 60 mil milhões de euros que a instituição financeira pretende
juntar por mês através do QE entre Março deste ano e, pelo menos, Setembro de 2016.
A
três dias de os 9,8 milhões de gregos irem às urnas eleger o seu próximo
governo - um que deverá ser liderado pelo partido de esquerda antiausteritário
Syriza, de Alexis Tsipras - a exclusão da Grécia deste novo pacote de injecção
de dinheiro não podia ter maior carga política.
"Para
as principais agências de rating, que subiram a avaliação da Grécia no ano
passado, qualquer exclusão da compra [de dívida pública grega] pelo BCE coloca
a difícil questão sobre qual será o significado de uma decisão tão
politicamente simbólica", referia ontem o jornal grego
"Kathimerini" pouco depois do anúncio de Draghi.
"Com
Atenas trancada fora dos mercados de dívida e dependente do financiamento de
resgate, o impacto prático [da exclusão] pode ser limitado, mas certamente
aumentará o sentimento crescente entre os investidores de que a zona euro está
preparada para cortar com a Grécia", responde logo a seguir o mesmo
artigo, refugiado em comentários prudentes de analistas dessas mesmas agências.
Nas
palavras de alguns, o "significado político" é só um: chantagem. A
mesma que a União Europeia e os credores internacionais têm vindo a exercer
sobre a Grécia perante a possível vitória de Tsipras. O programa do líder do
Syriza passa por pôr fim às políticas de austeridade que o governo conservador
do Nova Democracia tem aplicado na Grécia a mando da troika desde que venceu as
eleições de 2012. Acabar com a austeridade e renegociar a dívida externa para
combater o desemprego de 25% e a queda livre da economia.
Apesar
de ao longo da campanha Tsipras não ter feito referência directa à eventual
saída da zona euro caso essa reestruturação falhe, é uma possibilidade que,
como na última ida às urnas, assusta muitos. Mais agora que o pacote de resgate
da troika está prestes a expirar, no final de Fevereiro.
Como
há dois anos, a economia grega continua a representar cerca de 2% do PIB da UE.
Também como há dois anos, as eleições estão a ser disputadas entre um Tsipras
carregado de promessas de retoma económica e um Antonis Samaras conservador que
é bom a seguir as directivas da troika.
Mas
se há dois anos a população escolheu o menor dos males, ou o único mal que
conhecia, desta vez parece, segundo as últimas sondagens, disposta a apostar
todas as fichas num Syriza ainda sem provas dadas. E se há dois anos os
mercados e os países europeus menos afectados pela crise tremiam com a
possibilidade de Tsipras se tornar primeiro-ministro da Grécia, o caso agora é
mais bicudo para o líder do Syriza e menos para a Alemanha e o clube nórdico.
Ao
longo dos últimos seis anos, enquanto a austeridade cega fez disparar a pobreza
e o desemprego na Grécia, os líderes europeus asseguraram-se de que, a
confirmar-se o abandono da moeda única pela Grécia, não serão os bancos a pagar
a conta. O que, na prática, lhes deu mais margem de negociação, dizem uns, de
chantagem, dizem outros.
Dessa
forma, Tsipras, o provável vencedor das legislativas de domingo, tem a vida
complicada. Ele e as suas promessas de curar a Grécia dando um chuto na troika.
A exclusão do país do programa ontem anunciado por Draghi é só mais uma prova
disso. Quando o líder do BCE fala na possibilidade de incluir a Grécia no
programa de compra em massa de dívida soberana a partir de Julho, o que está a
dizer é que lhe vai dar uma mão se o seu novo líder aceitar manter o programa
de resgate previamente negociado. Mais incerteza a pairar na recta final para
as eleições, mais medo espalhado entre milhões de gregos, muitos a fugir em
massa do país.
"Há
seis anos que a Grécia é como um doente a esvair-se lentamente em sangue",
dizia ontem Antonis, fotógrafo grego, à correspondente do "The
Guardian" em Atenas. "O que aconteceu a este país é uma catástrofe.
Os nossos políticos, a Europa, o Fundo Monetário Internacional obrigaram-nos a
parar de sonhar."
"Toda
a gente está exausta", diz ao mesmo jornal Dimitris Kalatzis, joalheiro de
53 anos. "Esqueçam impor mais impostos, não vamos poder pagá-los! E
esqueçam o que diz o Syriza, ninguém acredita realmente nas suas promessas de
emprego e de cortes nos impostos e de reposição de pensões. Mas
psicologicamente temos de nos acalmar. E se isso significa arriscar, se isso
significa o regresso do dracma [moeda nacional grega], pois que assim
seja!"
Kalatzis
não é o único a achar que mais vale arriscar e que o Syriza é o único que pode
fazê-lo, mesmo que acabe por não o fazer. O joalheiro acredita que muitos dos
votos no partido serão de protesto e ainda há 21% de indecisos, que em última
instância, irão ditar os resultados no domingo. Se as sondagens se confirmarem,
passará a ser Tsipras o médico de serviço. A questão é se o doente não terá já
perdido sangue a mais.
Foto: Bruno Simões Castanheira
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