Ao
eliminar da Constituição a pena de morte em caso de guerra, fortaleceríamos a
ação junto à Indonésia para impedir a execução de Gularte
Wálter
Maierovitch – Carta Capital
Assim
como ao médico é lícito amputar um membro infeccionado do paciente para salvar
o corpo humano ameaçado pelo risco de perda da vida, deve-se admitir que o
“Príncipe” (Estado) determine o extermínio de pessoas nocivas ao organismo
social. Essa era a explicação oferecida como legitimadora da pena capital pelo
dominicano Tomás de Aquino, doutor da Igreja, filósofo escolástico e santo
falecido de morte natural em 1274.
No
Brasil, muitos adeptos dessa desumana e ultrapassada doutrina aplaudiram o uso
na Indonésia, por crime comum, desse instrumento de vingança pública na
eliminação física de Marco Archer Cardoso Moreira, de 53 anos.
Sobre
pena de morte o Brasil não está relacionado entre os 98 Estados membros
abolicionistas da ONU. Na companhia de Chile, Israel, Peru, Cazaquistão, El
Salvador e Ilhas Fiji, o Brasil figura entre os Estados que deixam de sancionar
com pena capital os crimes comuns, mas a permite constitucionalmente em caso de
guerra declarada (art. 5º XLVII, letra “a”).
Marco
Archer, conhecido pelo apelido de Curumim, foi preso na Indonésia, em 2003, sob
acusação de transporte para tráfico proibido de cerca de 13 quilos de cocaína.
Durante a longa tramitação processual, foi mantido em regime fechado até a
execução da pena capital, consumada, na Indonésia, nos primeiros minutos do
domingo 18 (em Brasília, sábado às 15 horas). Dentre os executados, duas
mulheres, dois africanos, um indonésio e um holandês. A Indonésia foi colônia
holandesa e o seu direito funda-se no holandês, com adaptações graças à
influência de uma população de 87,2% de islamitas.
Apesar
da humanização do Direito Penal, o homicídio legal ainda é previsto e aplicado
em 58 Estados membros das Nações Unidas. Pelo presidente indonésio, Joko
Widodo, não foi invocada a doutrina de Tomás de Aquino, mas usado o argumento
de nação soberana para justificar o não acolhimento dos pedidos de clemência
formulados pela presidenta brasileira, Dilma Rousseff, em favor de Marco Archer
e de Rodrigo Gularte, este ainda no chamado corredor da morte.
Essa
posição dura e desumana da Presidência da Indonésia não é animadora à luz do
caso do brasileiro Rodrigo Gularte, 43 anos: ele também foi condenado na
Indonésia à pena capital por tráfico de cocaína (6 quilos). Os defensores,
depois do fuzilamento de Marco Archer, com base na superveniência de doença
mental que teria acometido o defendido, pretendem conseguir mudar o tipo de
pena ou obter a suspensão da execução da sanção.
Nos
trabalhos abolicionistas junto à ONU, capitaneados por Itália e Alemanha com apoio
de organizações respeitadas como a Anistia Internacional e Nessuno tocchi Caino
(Não tocar Caim), ficou bem clara a resistência de Indonésia, EUA, Irã etc.
Esses países resistiram às propostas levadas a duas Assembleias-Gerais da ONU
(2007 e 2014) sobre a moratória (suspensão de aplicação) da pena de morte. Na
última Assembleia, realizada em dezembro de 2014, objeto de Resolução, 117
países dos 193 Estados membros foram a favor da suspensão da pena de morte, até
ser decidida em Convenção acerca da sua abolição.
A
China é o país que mais mata. Os condenados por tráfico de drogas são
enforcados em praça pública e os corpos pendurados em altas hastes, a fim de
ficarem visíveis à população durante dias. Para outros crimes dá-se um tiro na
nuca e os órgãos do eliminado são aproveitados em transplantes. Em
2008, a China ocupou o primeiro lugar na lista de países que mais executam
penas capitais, e até 2013 mantinha a triste primazia.
Diante
da moratória, as recomendações da ONU chegaram a ser atendidas por 35 Estados,
ou seja, neles a legislação não foi revogada, mas está suspensa a execução.
Dentre os 58 países que mantêm a pena de morte e cumprem as sentenças
destacam-se Irã, Arábia Saudita, Estados Unidos, Paquistão, Iraque (em 2006,
Saddam Hussein foi enforcado), Vietnã, Afeganistão, Cuba, Coreia do Norte,
Egito, Japão, Emirados Árabes Unidos e Índia. Até a Autoridade Palestina, que
já está com um pé na ONU, mantém a pena de morte. Na Europa, somente a
Bielorrússia ainda executa as penas capitais impostas.
A
presidenta Dilma empenhou-se a fundo para que Marco Archer não fosse executado.
O mesmo ela faz a respeito de Gularte.
Para
ganhar maior autoridade em questões humanitárias e clemências em casos de pena
capital, o Brasil deveria cuidar de abolir a pena de morte prevista para caso
de crime de guerra declarada. Isso evitaria até uma resposta enviesada, do tipo
seguinte: a soberania brasileira admite a pena de morte em caso de crime de
guerra declarada, e a exceção da Indonésia diz respeito ao tráfico de drogas e
outros crimes. Cada qual teria direito às suas próprias razões.
Na
foto: O brasileiro executado na Indonésia, Marco Archer (direita) com o seu
advogado
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